III. O
argumento da Promessa (Aliança) e da Lei – vv.15-29
Os falsos mestres que estavam pervertendo o Evangelho
em Gálatas, aos quais Paulo estava combatendo, não aceitavam o princípio de
sola fides (justificação somente pela fé).
Insistiam em que o homem precisava contribuir com sua salvação. Consequentemente,
acrescentavam à fé as obras da lei como outro fundamento essencial para o
indivíduo ser aceito por Deus.[1]
Mas, como diz John Stott, não podemos colocar Abraão e
Moisés um contra o outro, nem a promessa e a lei, uma contra a outra, como se
tivéssemos de rejeitar uma para aceitar a outra. Se Deus é o autor de ambas,
deve ter tido algum propósito para elas. Qual é, então, a relação entre a
promessa e a lei? Nos versículos 15 a 18 Paulo diz que a lei não anulou a
promessa e nos versículos 19 a 22 diz que a lei iluminou a promessa. Nos
versículos 23 e 24 Paulo descreve o que éramos sob a lei, e nos versículos 25 a
29, o que somos em Cristo. A lei não nos salva, mas nos toma pela mão e nos
leva a Cristo, o Salvador.[2]
Na verdade, não há questão mais prática do que essa do
relacionamento do cristão com a lei de Deus.[3]
Portanto, o terceiro argumento paulino para convencer os irmãos da Galácia a
não abandonar o evangelho da graça de Deus, envolve a promessa e a lei.
Temos aqui quatro verdades essências nos argumentos de
Paulo:[4]
1º) A lei
não anula a promessa – Isso por pelo
menos quatro razões:
(1ª) Qualquer aliança feita é irrevogável
legalmente – v.15. Calvino diz:
“Se os contratos humanos são tidos como obrigatórios, quanto mais obrigatória é
a aliança que Deus estabeleceu”. Ora, se o testamento de um homem não pode ser
alterado nem modificado, muito menos as promessas de Deus, que são imutáveis[5].
(2ª) Deus fez a promessa a Abração e a seu
descendente – v.16. Convém observar que não foi Abraão
quem fez uma aliança com Deus; antes, foi Deus quem fez uma aliança com Abraão,
uma aliança de graça. A aliança repousa exclusivamente em Cristo. Se Cristo é o
fundamento da aliança, segue-se que esta é gratuita. A lei tomava em
consideração os homens e as suas obras; enquanto a promessa leva em conta a
graça de Deus e a fé[6]
(cf. Rm 4.13, 14).
(3ª) Deus fez a aliança da fé antes de dar a lei
– v.17. A promessa de fé precede o
pacto da lei. Abraão foi justificado pela fé mais de quatro séculos antes de a
lei ser dada. A aliança da fé tem suas raízes na eternidade, uma vez que antes
de ela ter sido dada a Abraão no tempo, foi dada a Cristo na eternidade. Porque
a promessa da justificação pela fé veio antes da lei, ela não pode ser
ab-rogada pela lei. Warren Wiersbe ressalta que, em virtude de Deus ter feito
sua promessa pactuai com Abraão por meio de Cristo, nem mesmo Moisés pode mudar
essa aliança. Não se pode acrescentar coisa alguma a ela nem tirar coisa alguma
dela[7].
(4ª) Deus concedeu a herança, gratuitamente, pela
promessa e não pela lei – v.18. A
herança concedida a Abraão foi a justificação, e ele não foi justificado pela
lei, mas pela fé, e isso, gratuitamente. Abraão não mereceu nem conquistou essa
herança; ele a recebeu gratuitamente pela fé. William Hendriksen está
absolutamente correto quando diz que a salvação é um dom gratuito de Deus, e
não uma conquista do homem[8]
(cf. Rm 6.23; Ef 2.8-10).
2º) A lei
não é maior que a promessa – ela simplesmente revela o pecado – vv.19-21.
A lei mostra ao pecador o seu pecado e o motiva a
buscar a graça de Deus que está em Jesus Cristo. Temos aqui, duas lições
importantes: (1ª) A lei foi temporária até que Jesus Cristo
viesse; e (2ª) A lei exigiu um mediador (cf. At 7.53 – os anjos e Moisés). Na
aliança feita com Abraão o próprio Deus, em Cristo, entrou na aliança como
mediador (cf. 2Tm 2.15; Hb 8.6; 9.15;
12.24).
William Barclay diz que vemos aqui, ao mesmo tempo, a
força e a debilidade da lei. Sua força está em que ela define o pecado; sua
debilidade em que ela nada pode fazer para remediá-lo. A lei é como um espelho
que mostra a sujeira do nosso rosto, mas não a remove. A lei é como um prumo
que mostra a sinuosidade da nossa vida, mas não a endireita. A lei é como uma
luz que mostra o obstáculo do caminho, mas não o remove. A lei é como uma
tomografia computadorizada que mostra os tumores escondidos em nossas
entranhas, mas não é o bisturi que os cirurgia. A lei torna o homem consciente
do seu pecado e de sua condenação. Como diz John Stott, a função da lei não é conceder
a salvação, mas convencer os homens de sua necessidade.[9]
3º) A lei serviu
como prisão (sob custódia) e como aio
(pedagogo, guia, auxiliar) para levar a Jesus Cristo – vv.23-25.
Antes de a fé vir, ou seja, antes de Cristo morrer
pelos nossos pecados, os homens eram prisioneiros sob a lei. O termo grego phroureo, sob tutela, significa sob
custódia, guardado em prisão.
Essa palavra significa proteger com guardas militares. Quando aplicada a uma
cidade, era usada tanto no sentido de manter o inimigo fora como de guardar os
habitantes dentro, para não fugirem ou desertarem. A lei nos mantinha na
prisão, confinados e prisioneiros. A lei mostra o homem exatamente onde ele
caiu. Acusa-o e condena-o. A lei não tem nenhum poder para tirar esse homem da
prisão nem para lhe dar vida. A única esperança do pecador é surgir alguém para
libertá-lo da prisão. Foi isso que Cristo fez![10]
A palavra grega paidagogos
significa literalmente tutor, guia,
guardião de crianças. O paidagogos
era um disciplinador severo, contratado para realizar um serviço, com o menino
tendo de lhe obedecer. William Barclay esclarece que o paidagogos também tinha a obrigação de cuidar para que o menino não
caísse nas tentações ou nos perigos da vida e adquirisse as qualidades
essenciais de um homem.[11]
Vale ressaltar que o aio não era o pai da criança. Seu
trabalho era preparar essa criança para a maturidade. Quando a criança a
atingisse, a função do aio deixaria de ser necessária. Da mesma forma, a lei
foi uma preparação para a chegada de Cristo. O papel da lei é levar o homem a
Cristo, o verdadeiro Mestre, o único que pode libertar, perdoar e salvar. O
papel da lei é levar os homens a Cristo, a fim de que sejam justificados por
fé; mas, tendo vindo a fé, já não permanecem mais subordinados ao aio. A lei é
o aio, o pedagogo ou o guardião que prepara o homem para ver sua necessidade de
Cristo e o conduz a Cristo. Em outras palavras, a lei era uma preparação para
Cristo, e a lei era temporária.[12]
4º) A lei
não pode fazer o que a promessa faz –
o cumprimento da promessa nos uniu a
Cristo – vv.26-29. Paulo conclui
sua argumentação da superioridade da promessa sobre a lei, mostrando quatro
coisas que a promessa nos dá e que a lei não nos pode dar: (1ª) Ser
filho de Deus pela fé em Cristo – v.26;
(2ª) Ser revestido por Cristo, isto é, receber o caráter, a mente e o poder
dele para testemunhar – v.27
(cf. Lc 24.49; 1Co 2.16; Ef 4.22-31);
(3ª) Ser um em Cristo com todos os crentes, isto, a fé em Cristo elimina
todas as distinções e preconceitos – v.28
(cf. At 10.34; Rm 2.11; Ef 6.9; Cl 3.25;
Tg 2.1, 9; 1Pe 1.17); (4ª) Ser
herdeiro da promessa – v.29. Essa
promessa fala da herança da justificação, da salvação e da bem-aventurança
eterna[13]
(cf. Rm 8.15-17).
Concluindo
Três
aplicações práticas:
Aprendemos que: 1ª)
As promessas e alianças incondicionais feitas
por Deus são irrevogáveis; 2º) A lei nunca teve o poder de justificar o
pecador, mas apenas de mostrar o seu pecado e apontar para Cristo o único
justificador capaz; e 3º) Em Cristo somos todos herdeiros da promessa
de Deus.
Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 30/04/16
[1] Lopes, p. 147.
[2] Lopes, p. 148.
[3] Keller, p. 80.
[4] Casimiro, p. 15, 16. Aqui uso os pontos principais do
comentário da 3ª lição nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos julgados
necessários.
[5] Lopes, p. 149.
[7] Lopes, p. 151.
[9] Lopes, p. 151, 152.
[10] Lopes, p. 157.
[11] Lopes, p. 158, 159.
[13] Lopes, p. 161.
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