domingo, 26 de junho de 2016

Estudos no livro do Profeta Oseias (1) - Introdução ao estudo dos Profetas Menores e Introdução ao livro de Oseias

Os 1.1-3

Introdução

1. Introdução ao estudo dos Profetas Menores

[1]Os profetas entre o povo de Deus começaram bem no início da história da nação judaica, eles são conhecidos como profetas iniciais.  Foram chamados de näbhi, a palavra hebraica mais comum traduzida por profeta.  Abraão foi o primeiro a ser chamado näbhi (Gn 20.7). Arão (Êx 7.1) e Moisés (Dt 34.10) também tiveram tal designação.  Moisés é tido como o maior profeta de todos os tempos em Israel (Dt 34.10) e Samuel como o segundo (Jr 15.1). Moisés foi uma espécie de protótipo dos profetas, prenunciando o último grande profeta, o Messias, que se levantaria para falar palavras poderosas, autenticadas por obras poderosas (Dt 18.15-22; At 3.22).

Os profetas iniciais não deixaram suas profecias por escrito e suas profecias orais eram dirigidas principalmente a indivíduos. Os profetas escritores ou literários, surgiram a partir da monarquia dividida e suas profecias eram dirigidas principalmente a Israel e Judá e às nações pagãs.

Ao longo da história dos hebreus também houve profetisas (näbhiah), ainda que as funções de sacerdote e rei fossem restritas a homens e a determinadas tribos.  Miriã (Êx 15.20), Débora (Jz 4.4), Hulda (2Rs 22.14; 2Cr 34.22), Noadias (Ne 6.14) e a esposa de Isaías (Is 8.3) foram designadas profetisas.  No Novo Testamento temos também Ana (Lc 2.36), as quatro filhas do evangelista Filipe (At 21.9), e até uma certa Jezabel, que se dizia profetisa (Ap 2.20).

A palavra profeta aparece aproximadamente 660 vezes na Bíblia – 440 vezes no Antigo Testamento e 220 vezes no Novo Testamento. No Antigo Testamento três palavras hebraicas diferentes são traduzidas em português pela palavra profeta, e várias outras palavras hebraicas se referiam à função ou experiência do profeta. 1) Näbhi – significa declarar, anunciar, falar por, representar; 2) Ro’eh – significa um vidente, alguém que vê – relacionado à sua percepção. (Dt 18.21-22, 2Rs 6.14-17; Hb 11.27); 3) Hozeh – semelhante a rõ’eh, significando um vidente que vê – relacionado ao método de recepção das mensagens de Deus através de sonhos ou visões. No Novo Testamento, o trabalho básico do profeta era falar aos homens para edificação, exortação e consolação (1Co 14.3; 29-32; Ef 4.11-13). Só que não era o mesmo ministério profético do Antigo Testamento. O ministério profético do Novo Testamento está associado ao dom de profecia (1Co 12.10), ou ao dom ministerial de profeta (Ef 4.11). 

Os profetas foram chamados por Deus para falar ao povo em tempos de crise. Sua função principal era chamar o povo de volta aos caminhos de Deus, à sua adoração e à moralidade. A função de enxergar o que iria acontecer no futuro servia duas funções: (1ª) alertar ao povo sobre as consequências de seu comportamento e (2ª) servir como autenticação de que o profeta falava realmente da parte de Deus. Havia muitos falsos profetas e adivinhos que comercializavam suas previsões do futuro simplesmente para agradar àquele que pagava pelo serviço. O verdadeiro profeta de Deus tinha que ser distinguido destes falsos profetas e o cumprimento de suas previsões servia como selo de autenticidade. Aqueles cujas previsões não se cumpriam poderiam ser considerados falsos profetas, devendo mesmo ser punidos com a pena capital, a morte (cf. Dt. 18.10, 14 e 20-22; Jr 23.9-32 e Ez 13.2-10).

Em nossa Bíblias os escritos dos profetas se dividem em dois grupos: 1) Profetas Maiores – Isaías, Jeremias, Lamentações de Jeremias, Ezequiel e Daniel. Lamentações está aqui nesta categoria por conta de ser um livro do profeta Jeremias e de sua ligação com o seu livro profético; 2) Profetas Menores – Oseias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. ‘Os Doze profetas menores são assim nomeados não porque o seu conteúdo seja de menor importância, mas porque são notavelmente menores que os escritos dos três grandes profetas’[2] – Isaías, Jeremias e Ezequiel.

Portanto, [3]os livros proféticos devem ser estudados dentro de seu contexto histórico. Muitas vezes, o versículo inicial de um livro bíblico fornece informações acerca do seu contexto. Em sua forma mais extensa, esses cabeçalhos contêm o nome do profeta, afirmam que as mensagens no livro vêm de Deus, dizem a quem elas são dirigidas e contam algo sobre o contexto histórico (cf. Is 1.1; Os 1.1). No entanto, em seis livros dos profetas menores, Joel, Obadias, Jonas, Naum, Habacuque e Malaquias, praticamente tudo que se tem é o nome do profeta. Nesses casos, o contexto histórico fica indefinido, tendo de ser determinado por outras vias.

O contexto maior das mensagens dos profetas é o dos três sucessivos impérios que dominaram o Oriente Próximo entre o oitavo e o quarto séculos antes de Cristo: o Império Assírio, o Babilônico e o Persa.

O período dos profetas termina na mesma época em que a civilização grega atinge seu ponto alto ou seus anos dourados, entre 500 e 400 a.C.. Depois disso, por uns 400 anos, até o nascimento de Jesus, não houve profetas em Israel. Isso não significa que não houve quem pregasse e ensinasse. As mensagens dos profetas eram pregadas e elaboradas sempre de novas maneiras.

2. Introdução ao livro do Profeta Oséias

Oseias é o primeiro dos últimos doze livros do Antigo Testamento – Os Profetas Menores, e o mais extenso deles. É considerado, teologicamente um dos livros mais completos, pois abarca os grandes temas proféticos da aliança, do julgamento e da esperança. Sua profecia é entregue no período de maior prosperidade financeira e também no tempo de maior decadência espiritual. Oseias é considerado, também, o único profeta escritor do Reino do Norte.

Oseias profetizou, possivelmente, durante uns quarenta anos, isto é, mais ou menos de 760 a 720 a.C., começando uns cinco anos antes do fim do reinado de Jeroboão II, rei de Judá (783 a 743 a.C.), e terminando uns cinco anos antes da conquista de Samaria, a capital do Reino do Norte, pelos assírios em 722 a.C. Ele anunciou as mensagens de Deus ao povo de Israel, o Reino do Norte, mas incluiu também o povo de Judá, o Reino do Sul (1.7, 11; 4.15; 5.5, 10, 12, 13, 14; 6.4, 11; 8.14; 10.11, 12; 12.2).[4]

Myer Pearlman diz que o livro de Oseias é uma grande exortação ao arrependimento dirigida às dez tribos, durante os quarenta ou cinquenta anos antes do seu cativeiro. Russell Norman Champlin diz que o tema do profeta é quádruplo: a idolatria de Israel, a sua iniquidade, o seu cativeiro e a sua restauração. Israel é retratado profeticamente como a esposa adúltera de lavé, que em breve seria colocada fora, mas que finalmente seria purificada e restaurada.[5]

Hernandes Dias Lopes destaca cinco pontos importantes sobre o profeta Oseias: 1º) Ele foi um homem chamado não apenas para falar, mas também para representar o amor de Deus; 2º) foi um homem levantado por Deus em tempo de prosperidade financeira e decadência espiritual; 3º) foi um homem que profetizou durante um período marcado tanto por estabilidade quanto por instabilidade política; 4º) foi um homem que anunciou tanto o juízo quanto a misericórdia de Deus; e 5º) foi um homem que anunciou tanto a soberania de Deus quanto a responsabilidade humana.[6]

[7]O livro começa (1-3) com a dolorosa experiência de Oseias, que, em obediência à ordem de Deus, casa com Gômer, possivelmente uma mulher que tenha sido uma prostituta cultual (sagrada) do templo de Baal, o deus cananeu da fertilidade. Desse casamento nascem dois filhos e uma filha, que recebem nomes simbólicos: “Jezreel” (1.4), “Não-Amada” (cf. 1.6) e “Não-Meu-Povo” (cf. 1.9). Depois, a sua esposa o abandona; mas, novamente em obediência à ordem de Deus, Oseias vai atrás dela e faz com que ela volte a ser a sua esposa.

Essa experiência triste leva Oseias a compreender e a proclamar, com vigor e eloquência, o amor de Deus para com o seu povo desobediente e rebelde (4-14). O pecado de Israel e de Judá é duplo: 1º) em vez de adorarem o Senhor, o seu Deus, eles passaram a adorar os deuses da fertilidade, porque pensavam que esses deuses lhes dariam terras frutíferas e animais férteis; e 2º) em vez de dependerem do Senhor para salvá-los dos seus inimigos, eles foram buscar a ajuda dos países mais fortes, especialmente o Egito e a Assíria (14.3).

Oseias anuncia que Deus vai castigar o seu povo. Em palavras solenes e duras (9.15-17), ele condena o povo de Israel e o povo de Judá e promete que Deus os abandonará e os entregará nas mãos dos seus inimigos. Mas, assim como a sua justiça, o amor de Deus é forte e grande: Deus não abandonará o seu povo para sempre, e virá o dia em que ele será, de novo, o Deus deles e eles serão seus filhos (11.1-11). Com toda razão, Oseias é chamado de “o profeta do amor de Deus”.

A mensagem mais importante deste livro é que Deus ama o seu povo com amor que não tem fim. Deus é como um marido dedicado, que vai atrás da sua esposa infiel (cf. 2.14-23); é como um pai ou uma mãe, que nunca abandona o filho, por mais rebelde que ele seja (11.1-4, 8-9). Em todo o Antigo Testamento, estas são as mais eloquentes passagens a respeito do amor de Deus pelo seu povo. Esse perfeito amor proclamado por Oseias se fez carne em Jesus na plenitude dos tempos (cf. Gl 4.4).

Mas Deus respeita a liberdade do ser humano e não força o seu povo a aceitar o seu amor. É preciso, no entanto, que eles confessem os seus pecados e se arrependam, e, assim, voltem para ele. A última mensagem de Oseias para o povo é justamente esta: “Converte-te, ó Israel, ao SENHOR teu Deus; porque pelos teus pecados tens caído. Tomai convosco palavras, e convertei-vos ao SENHOR; dizei-lhe: Tira toda a iniquidade, e aceita o que é bom; e ofereceremos como novilhos os sacrifícios dos nossos lábios.” (14.1, 2). Na versão NTLHPovo de Israel, volte para o SENHOR, seu Deus! Você caiu porque pecou. Voltem para Deus e orem assim: “Perdoa todos os nossos pecados, ouve a nossa oração, e os nossos louvores serão o sacrifício que te ofereceremos.

Carlos Osvaldo diz que, o livro expressa uma dupla manifestação de amor exclusivista, em cinco ciclos de julgamento e livramento ou salvação: 1º) Ciclo: Julgamento1.2-9Salvação1.10-2.1; 2º) Ciclo: Julgamento2.2-13Salvação2.14-3.5; 3º) Ciclo: Julgamento4.1-5.14Salvação5.15-6.3; 4º) Ciclo: Julgamento6.4-11.7Salvação11.8-12.11; e 5º) Ciclo: Julgamento12.12-13.16Salvação14.1-9.[8]

A maioria dos estudiosos pensa que o mais provável é que o livro tenha sido escrito em Judá, o Reino do Sul, depois da conquista de Samaria, a capital do Reino do Norte, pelos assírios em c. 722 a.C.

Os textos mais conhecidos de Oseias são:

Os 4.6; 6.3-6 – A importância do conhecimento de Deus, não apenas intelectual, mas experimental e verdadeiro, com consequente transformação de vidas.

Os 11.1 – Essa palavra profética, historicamente, testemunha a libertação de Israel do cativeiro egípcio por mãos de Moisés, mas também revela que o Messias, filho de Deus, passaria um tempo pelo Egito e de lá seria trazido pelo Senhor (Mt 2.13-15).

Os 13.14 – Falando da vitória de Jesus sobre a morte, texto lembrado por Paulo em 1Co 15.55.

As verdades mais importantes do livro são: 1ª) Deus sofre quando seu povo lhe é infiel; 2ª) Deus não pode tolerar o pecado; e 3ª) Deus nunca deixará de amar os seus e, consequentemente, quer que os que o abandonaram voltem para ele.[9]

O esboço para o estudo do livro que vamos usar é o seguinte:

Prólogo – 1.1-3

1.    O profeta Oseias – v.1
2.    Sua mensagem – v.2a
3.    Sua esposa – v.2b, 3a

I. Fidelidade e Infidelidade –  Oséias e Gômer – 1.4-3.5

II. Fidelidade e Infidelidade –  Deus e Israel – 1.4-10.15

III. Perdão e Restauração – 11.1-14.8

Epílogo – 14.9

Hoje, nos vv.1-3 com o tema o profeta, sua mensagem e a sua esposa, vamos começar no estudo do livro de Oseias.

I. O profeta Oseias – v.1

1.    Palavra do SENHOR, que foi dirigida... – Oseias não se constituiu profeta nem foi apontado por homem algum. Ele é profeta de Deus.[10] Esse tipo de introdução, expressando a divina autoridade do profeta também aparece em[11] Jl 1.1; Am 1.3; Ob 1.1; Jn 1.1; Mq 1.1; Ag 1.2; Zc 1.1; Ml 1.1. No Novo Testamento o apóstolo Paulo usou dessa afirmação também em suas cartas – cf. Ex.: Gl 1.1.

2.    ... Oseias, filho de Beeri, ... – Era muito comum, em Israel, o nome Oseias. Assim foi chamado o último rei do Reino do Norte. O significado do nome é: Deus salva, ou salvação, e é equivalente a Josué e Jesus. O nome do profeta já trazia em si um chamado ao arrependimento e uma semente de esperança. É considerado o Jeremias de Israel e o apóstolo João do Antigo Testamento. Oséias era filho de Beeri, cujo nome significa meu poço ou minha fonte.[12] Ele não é mencionado em nenhum outro lugar nas Escrituras, mas Moody afirma que, desde cedo os escritores judeus o tem identificado com Beera (1Cr 5.6), que foi levado para o exílio por Tiglate-Pileser.[13]

3.    ... nos dias de Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel. Oseias cita o nome de quatro reis de Judá e de apenas um rei de Israel, Jeroboão II. Os reis de Judá, obviamente, pertenciam a dinastia de Davi, única dinastia aceita pelo Senhor (cf. 1Rs 11.36; 15.4).[14] Oseias foi profeta em Israel durante o longo governo de Jeroboão II. Esse rei governou em Samaria por 41 anos, tendo não apenas o mais longo reinado, bem como o mais próspero. Nesse tempo, no Reino do Sul governaram Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias.[15]

O ministério de Oseias deve ter ultrapassado as fronteiras do reinado de Jeroboão II, uma vez que anuncia o fim da dinastia de Jeú (1.4, 5). Zacarias, filho de Jeroboão, foi o último membro dessa dinastia. Após a morte do grande monarca Jeroboão II, Israel entrou em rápido declínio. Três reis foram assassinados por seus sucessores. Conspiração e traição marcaram esse reino até sua completa derrota em 722 a.C., quando foi levado cativo pela Assíria.[16]

Oseias foi contemporâneo de Amós. Ambos profetizaram no final do melhor dos tempos e nas bordas do pior dos tempos em Israel.[17] Ele profetizou para o Reino do Norte (Israel, ou Efraim), durante o período em que Isaías estava profetizando em Judá (1.1; cf. Is 1.1). Amós (Am 1.1), era nativo de Judá que profetizou em Israel. Oseias foi, entretanto, o profeta que escreveu para o Reino do Norte, o seu próprio povo. Portanto, Amós e Oseias profetizaram durante os anos finais do Reino do Norte, exatamente como Jeremias de Jerusalém profetizou durante as últimas horas da história de Judá.[18]

II. Sua mensagem – v.2a

1.    v.2aO princípio da palavra do SENHOR por meio de Oseias. Oseias é profeta de Deus. Ele não criou a mensagem; a mensagem lhe foi dada. Ele não era a fonte da mensagem, apenas o seu instrumento. Sua autoridade procedia de Deus. Sua mensagem emanava do próprio Deus. Quando Oseias falava, era o próprio Deus falando ao povo. Dionísio Pape diz: “O profeta do Senhor é sempre a sua mensagem. Proclama a mensa­gem verbalmente, mas também a vive na carne”. David Hubbard diz que o próprio Oseias é um sinal para o povo, um símbolo profético da ira de Deus e do seu amor na restauração. Quando Deus falou por intermédio de Oseias, a primeira mensagem não foi dirigida ao povo, mas ao próprio profeta. O profeta é o primeiro público-alvo da própria mensagem recebida de Deus.[19]

Foi num cenário de luxo e de lixo, de glória humana e opróbrio espiritual, de ascendência econômica e decadência moral, que Deus levantou Oseias para confrontar os pecados da nação e chamá-la ao arrependimento. A riqueza sem Deus é pior do que a pobreza. A riqueza sem Deus afasta o homem da santidade mais do que a escassez. Dionísio Pape diz que os períodos de grande prosperidade são geralmente acompanhados de declínio moral.[20]

Nesse rápido declínio moral, todas as classes da socie­dade se desmoralizaram. Os príncipes, amantes da riqueza e do luxo, viviam desenfreados no pecado. Os sacerdotes, que deveriam ensinar a verdade ao povo, tornaram-se ban­didos truculentos e cheios de avareza. As coisas foram de mal a pior, até que o profeta ex­clamou: “porque na terra não verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus. Só permanecem o perjurar, o mentir, o matar, o furtar e o adulterar; fazem violência, um ato sanguinário segue imediatamente a outro. (4.1, 2).[21]

Que época para se servir ao Senhor! O homicídio, a idolatria e a imoralidade corriam soltos pela terra, e ninguém parecia interessado em ouvir a Palavra de Deus! Para completar, Deus ordenou que seu profeta se casasse e constituísse uma família![22]

III. Sua esposa – v.2b, 3a

v.2b – Esse texto do casamento do profeta Oseias é um dos mais polêmicos e controversos que há na Bíblia. Não há consenso entre os estudiosos acerca do significado do seu casamento nem mesmo da identidade de sua mulher.

Há várias interpretações sobre a natureza do casamento de Oseias com Gômer. As duas interpretações principais são: 1ª) Gômer era uma mulher casta antes do casamento, mas tornou-se infiel depois do matrimônio; e 2ª) Gômer já era uma mulher prostituta antes do profeta se casar com ela.

Creio que Gômer teve a experiência de ser uma prostituta cultual do templo de Baal, o deus cananeu da fertilidade. Mas, foi pedida em casamento pelo profeta Oseias e abandonou por um tempo a prostituição.

É importante destacar que, Oseias está representando o amor incompreensível de Deus a um povo infiel. Quando Deus chamou Abrão para formar por meio dele uma gran­de nação, tirou-o do meio de um povo idólatra (cf. Gn 11.31-12.9). Warren Wiersbe diz que, Deus chamou Israel quando ele se encontrava na idolatria, "casou-se" com ela no monte Sinai quando o povo aceitou sua aliança (cf. Êx 19-21); mais tarde se entristeceu por ela abandoná-lo e trocá-lo pelos falsos deuses da terra de Canaã. Assim como Gômer, Israel começou como idolatra, "casou-se" com Jeová e acabou voltando a idolatria.[23]

Uma observação interessante de Wiersbe é que ainda que se casar com uma prostituta não o fosse a coisa mais prudente a fazer, esse tipo de casamento só era proibido a sacerdotes (cf. Lv 21.7). Salmom casou-se com Raabe, a prostituta que se tornou bisavó do rei Davi e antepassada de Jesus Cristo (cf. Mt 1.4, 5).

v.3a – Oseias não desobedece, não questiona nem protela a ordem de Deus. A resposta de Oseias é imediata: “Foi, pois, e tomou a Gômer, filha de Diblaim...” (v.3). Nada se diz a respeito dos sentimentos de Oseias nem sobre o processo pelo qual ele cumpriu a ordem.[24]

Concluindo[25]

O povo de Deus havia se tornado surdo para a voz do Senhor e não se importava mais com sua aliança. O Senhor chamou seus servos, os profetas, a fazer coisas incomuns – “serem sermões práticos" – para que o povo despertasse e ouvisse o que Deus tinha a dizer. Só então poderiam ser poupados da disciplina e do julgamento divinos.

No entanto, nenhum profeta pregou um "sermão prático" mais doloroso que Oseias. Ele foi instruído a casar-se com uma prostituta chamada Gômer que lhe deu três filhos. Então, Gômer abandonou-o para juntar-se com outro homem, e coube a Oseias a responsabilidade humilhante de comprar de volta sua própria esposa. O que vem a ser tudo isso? Trata-se de um retrato muito claro daquilo que o povo de Israel havia feito com o seu Deus, prostituindo- se com ídolos e cometendo "adultério espiritual".

Uma vez que o povo de Deus, nos dias de hoje, se vê diante da mesma tentação (Tg 4.4), devemos considerar aquilo que Oseias escreveu a seu povo. Cada uma das pessoas desse drama - Oseias, Gômer e os filhos, nos ensina uma lição espiritual importante sobre o Deus a quem Israel estava desobedecendo e entristecendo.


Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 26/06/16




[1] Renê, Pr. Lucas. Apostila Panorama do Antigo Testamento, ETBL, 2015, p. 39-42. Este ponto, p. 38-41, é uma compilação da apostila nas páginas citadas, com cortes e acrescimentos considerados necessários para a apostila essa apostila.
[2] Bíblia de Estudo Almeida, SBB, 1999, p. 723.
[3] Bíblia de Estudo Nova Tradução na Linguagem de Hoje, SBB, 2005, p. 1398-1400. Este ponto segue a introdução aos Livros Proféticos da Bíblia de Estudo NTLH, nas páginas já citadas, com cortes e acrescimentos considerados necessários para a apostila.
[4] Bíblia de Estudo NTLH, p. 1866.
[5] Lopes, Hernandes Dias. Oséias – O amor de Deus em ação, Editora Hagnos, p. 12.
[6] Lopes, p. 13-27.
[7] Bíblia de Estudo NTLH, p. 1866-1867. Este ponto segue os pontos de introdução ao livro de Oséias, nas páginas já citadas, com cortes e acrescimentos considerados necessários para a apostila.
[8] Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento – O Argumento de Oséias, Hagnos, 2006, p. 695.
[9] Bíblia de Estudo Scofield. Holy Bible, 2009, SP, p. 783.
[10] Lopes, p. 11.
[11] MacArthur, John. Bíblia de Estudo MacArthur, SBB, 2010, p. 1099.
[12] Lopes, p. 14.
[13] Moody, Comentário Bíblico. Oséias, p. 4.
[14] Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo do Antigo Testamento V. 4 – Proféticos – Oséias, Ed. Geográfica, p. 391.
[15] Lopes, p. 20.
[16] Lopes, p. 21.
[17] Lopes, p. 7.
[18] Moody, p. 1, 3.
[19] Lopes, p. 32, 36.
[20] Lopes, p. 18.
[21] Lopes, p. 18.
[22] Wiersbe, p. 391.
[23] Lopes, p. 36.
[24] Lopes, p. 37.
[25] Wiersbe, p. 391.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Estudos Bíblico na Carta aos Gálatas (11) - A prática da liberdade cristã

Gálatas 6

No estudo anterior em Gálatas 5 com o tema: A verdadeira liberdade do evangelho. Abordamos o assunto em dois pontos: 1º) A verdadeira liberdade do evangelho pode ser ameaçada pelo legalismo ou pela licenciosidadevv.1-15; e 2º) A verdadeira liberdade do evangelho está em andar no Espíritovv.16-26.

Terminamos afirmando que: (1) Todo crente tem que lutar para preservar a sua liberdade espiritual, principalmente por causa das ameaças dos falsos ensinos legalistas e licenciosos; (2) Todo crente vive uma luta espiritual interior da carne contra o Espírito, e que somente pela atuação do Espírito Santo na sua vida, é que ele pode vencer essa luta espiritual; e (3) Todo crente nasceu pelo Espírito, vive no Espírito e será vitorioso se andar no Espírito Santo.

No capítulo cinco, Paulo ensina que o cristão deve fazer a opção certa, entre viver na liberdade da graça ou na escravidão do legalismo (vv.1-12) e entre viver na carne ou andar no Espírito (vv.13-26). Agora, no capítulo 6, ele fala da opção entre viver para si mesmo ou para os outros (vv.1-10) e entre viver para glória de si mesmo ou para a glória de Deus (vv.11-18).[1]

Assim, no capítulo 5, Paulo tratou da vida no Espírito, agora ele passa a falar sobre a ética do Espírito. Paulo aplica princípios práticos de como essa vida no Espírito funciona. A lei de Cristo se cumpre no amor, e a igreja é a co­munidade do amor.[2]

O nosso tema hoje é: A prática da liberdade cristã. Abordaremos o assunto em dois pontos: 1º) A prática da liberdade cristã em relação aos outros vv.1-10; e 2º) A prática da liberdade cristã para a glória de Deus vv.11-18.

I. A prática da liberdade cristã em relação aos outros – vv.1-10

Para Hernandes Dias, há dois pontos importantes, aqui, à serem destacados sobre a igreja como uma comunidade de ajuda e socorro: (1) a igreja é uma comunidade terapêutica (vv.1-5) e (2) uma comunidade diaconal, ou seja, de serviço (vv.6-10).

Somos livres para amar os nossos irmãos em Cristo. O Espírito Santo produzirá em nós o fruto do amor, que se expressa por meio de cinco atitudes práticas:[3]

1) Recuperação dos irmãos caídos – v.1. Quatro lições preciosas: 1ª) Qualquer irmão pode ser surpreendido numa transgressão mesmo sem perceber a gravidade do seu erro (Jo 8.4); 2ª) O irmão que pensa estar em pé deve cuidar de si mesmo para não cair na tentação (1Co 10.12, 13); 3ª) Os irmãos espirituais (maduros que andam no Espírito) devem restaurar ou conduzir o irmão que caiu à sua posição anterior de integridade e pureza. “É preciso muito amor e coragem ao se aproximar de um irmão caído e procurar ajudá-lo. Jesus compara isso a uma cirurgia oftalmológica (Mt 7.1-5) – e quem se sente qualificado para tal procedimento?”[4]; 4ª) Toda restauração deve ser feita com espírito de mansidão, ou seja, sem a atitude de orgulho ou superioridade espiritual (Gl 5.23). “O cristão guiado pelo Espírito aborda a situação com um espírito de mansidão e de amor, enquanto o legalista demonstra uma atitude de orgulho e de condenação. O legalista não precisa "guardar-se", pois finge que jamais seria capaz de cometer tal pecado. No entanto, o cristão que vive pela graça sabe que ninguém está livre de cair. Sua atitude de humildade é decorrente da consciência das próprias fraquezas”[5].

2) Levar as cargas uns dos outros – vv.2-5. Cinco verdades indispensáveis: 1ª) Todos os crentes têm cargas pesadas a levar e Deus não quer que carreguem seus fardos sozinhos (v.2a, 5); 2ª) A lei de Cristo é que cada irmão deve ajudar o outro a levar as suas cargas (v.2a); 3ª) Todo irmão deve olhar para si como alguém que precisa do outro, não pensar que é autosuficiente (v.3); 4ª) Todo crente, além de ajudar a levar as cargas pesadas uns dos outros, tem o seu fardo pessoal que somente ele pode e deve levar (v.2a, 5); 5ª) Quem ama e ajuda o irmão cumpre a lei de Cristo (v.2b; cf. Jo 13.34; Gl 5.14; Tg 2.8).

Paulo passa das obrigações sociais do cristão (v.2) para a responsabilidade que cada pessoa tem por sua alma (v.5). Na comunhão cristã, as cargas são compartilhadas uns com os outros em amor, mas há certa carga que é peculiar ao próprio indivíduo. Warren Wiersbe alerta que devemos ajudar uns aos outros a carregar os grandes pesos da vida, mas há certas responsabilidades pessoais que cada pessoa deve carregar sozinha. Cada soldado deve levar a própria mochila.[6]

3) Cuidar dos pastores – v.6. Quem recebe bens espirituais deve compar­tilhar e repartir bens materiais. Esse princípio está meridianamente claro nas Escrituras.

O apóstolo Paulo pergunta: “Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito recolhermos de vós bens materiais?” (1Co 9.11 ARA). Os mestres fiéis que repartem com seus alunos a Palavra de Deus devem receber deles recompensas materiais. Calvino diz que é desditoso defraudar dos meios de sobrevivência aqueles por cuja instrumentalidade nossa alma é alimentada; e recusar uma recompensa terrena àqueles de quem recebemos bênçãos celestiais. O mesmo autor ainda salienta: “Um dos artifícios de Satanás é privar de sustento os ministros piedosos, de modo que a igreja fique destituída desse tipo de ministro”. O apóstolo Paulo é enfático: “E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam; E que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós.” (1Ts 5.12, 13). E Paulo ainda exorta: “Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino” (1Tm 5.17 ARA).[7]

Quanto a essa matéria do sustento daqueles que ensinam a Palavra, dois extremos devem ser evitados: a ganância por parte do obreiro e a usura por parte da igreja. Há obreiros que fazem do ministério do ensino da Palavra um meio de enriquecimento. O propósito principal deles não é cuidar das ovelhas de Cristo, mas apascentar a si mesmos. Paulo diz à igreja de Corinto: “... não vou atrás dos vossos bens, mas procuro a vós outros” (2Co 12.14 ARA). Diz ainda aos presbíteros de Éfeso: “De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes” (At 20.33). Entretanto, há igrejas que sonegam a seus ministros o sustento devido. A igreja de Corinto, por exemplo, que era generosa com os falsos obreiros (2Co 11.20), sonegou a Paulo o seu sustento (2Co 11.8, 9). Nesse quesito, a igreja de Corinto acabou tornando-se inferior às demais igrejas (2Co 12.13).[8]

4)  Cuidado com o que se semeia – v.7-8. John Stott diz que há três esferas da experiência cristã nas quais Paulo vê o princípio da semeadura e da colheita operando: 1) o ministério cristão (6.6); 2) a santidade crista (6.7, 8); 3) a prática do bem do cristão (6.9, 10).[9]

v.7 – Tudo o que plantamos, nós colhemos. O homem é livre para escolher, mas não é livre para escolher as consequências do que escolhe. Esta é a lei da causa e efeito. Colhemos exatamente a mesma natureza daquilo que semeamos. Querer subverter esse princípio é tentar zombar de Deus.[10]

v.8 – Só há duas semeaduras: semeamos para a carne ou para o Espírito; e apenas duas colheitas: colhemos corrup­ção ou vida eterna. Quem semeia para a própria carne não pode colher vida eterna; quem semeia para o Espírito não pode colher corrupção. A raiz determina o fruto, e não o fruto a raiz. Semear para a própria carne significa buscar a satisfação das necessidades desta vida, sem nenhuma consi­deração pela vida futura, mas semear no Espírito significa buscar os valores da vida que permanece.

William Hendriksen diz que semear para a carne significa deixar que a velha natureza se expresse livremente, enquanto semear no Espírito significa deixar que o Espírito se expresse como ele quer. Já os termos “corrupção” e “vida eterna” devem ser entendidos em um sentido duplo: qualitativo e quantitativo. Do ponto de vista quantitativo, os dois são parecidos: ambos durarão para sempre. A “corrupção”, por exemplo, longe de indicar uma aniquilação, assinala uma “destruição eterna” (2Ts 1.9). A vida eterna tem de igual forma uma duração eterna (Mt 25.46). Qualitativamente, e isso tanto a respeito da alma como do corpo, as duas expressões compõem um forte contraste. Os que semeiam para a carne serão levantados para a vergonha e a condenação eterna (Dn 12.2). Sua morada será nas trevas exteriores (Mt 8.11, 12). Entretanto, aqueles que semearam para o Espírito resplandecerão como a luz do firmamento e como as estrelas eternamente (Dn 12.3).

5) Não se cansar de fazer o bem – v.9, 10. Quatro lições importantes:

1ª) Devemos fazer o bem a todos, priorizando os nossos irmãos – vv.9a, 10b; 2ª) Um irmão carente não é um problema, mas uma oportunidade de fazer o bem. “Paulo nos instrui a não nos cansarmos de ajudar ao nosso próximo, de praticar boas ações e de exercer generosidade, pois o vasto número de necessitados nos sucumbe; e os pedidos que se acumulam sobre nós, vindos de todos os lados, exaurem a nossa paciência. Nosso fervor é abrandado pela frieza de outras pessoas”[11]; 3ª) Podemos nos cansar ou desistir de fazer o bem por vários motivos – pessoais, recursos, decepção com pessoas, etc. – v.9c. “Não é apenas o pecado que cansa; fazer o bem também pode produzir cansaço. Nem sempre praticar o bem traz recompensas imediatas. Nem sempre quem recebe o bem reconhece e agradece a seu benfeitor. Por isso, muitos estão cansados na obra e da obra. Neste mundo há os que fazem o mal, os que pagam o bem com o mal, e os que pagam o bem com o bem e o mal com o mal. Mas nós devemos fazer o bem, pagar o mal com o bem e jamais nos cansarmos de fazer o bem”[12]; 4ª) De todo o bem que fizermos seremos recompensados – v.9b. “A semeadura muitas vezes é feita com lágrimas, mas a colheita é certa, segura e jubilosa (SI 126.5, 6). Ela pode demorar, mas não falhará. A recompensa da semeadura é prometida pelo próprio Deus”[13].

Hernandes Dias diz que, com respeito à prática do bem, devemos observar aqui três coisas: O tempo. Calvino diz que nem toda estação é própria para lavrar e semear. Os agricultores ativos e prudentes observarão o tempo apropriado e não permitirão indolentemente que esse tempo se torne inútil. A necessidade do próximo é a oportunidade escancarada diante dos nossos olhos. O alcance. Devemos fazer o bem a todos, e não apenas a um grupo seleto. Não deve existir barreira étnica, cultural nem religiosa para a prática do bem. Nosso amor deve estender-se a todos. A prioridade. Devemos fazer o bem a todos, mas a prioridade é assistir os da família da fé. A nossa maior prioridade é nossa família, pois aquele que não cuida da sua família é pior do que os incrédulos (1Tm 5.8). Depois devemos cuidar dos domésticos da fé (6.10), do nosso próximo de forma geral (6.2) e até mesmo dos nossos inimigos (Rm 12.20).[14]

II. A prática da liberdade cristã para a glória de Deus – vv.11-18

Nas últimas palavras da epístola, Paulo faz um contraste entre a falsa e a verdadeira religião; entre os falsos ministros e os ministros verdadeiros. Ele já havia deixado claro que era necessário escolher entre a escravidão e a liberdade (5.1-12), entre a carne e o Espírito (5.13-26), entre o viver para si mesmos e viver para os outros (6.1-10). Agora, apresenta um quarto contraste: viver em função do louvor dos homens ou viver para a glória de Deus (6.11-18). Com isso, o apóstolo trata da questão da motivação.[15]
Portanto, Paulo conclui a sua carta aos Gálatas escrevendo de próprio punho (v.11b). Frequentemente ele escrevia o versículo final de uma epístola com sua própria mão (cf. 1Co 16.21; Cl 4.18; 2Ts 3.17). Isso parece sugerir que, nessa altura da escrita, Paulo tomou a pena da mão do amanuense, e escreveu os oito versículos finais da epístola em caracteres grandes e cheios, talvez para efeito da ênfase.[16] Tamanha é a preocupação do apóstolo que os gálatas compreendam a mensagem dessa carta que ele toma a pena e escreve de próprio punho um parágrafo inteiro de conclusão.[17]

Para Hernandes Dias, o que Paulo quis dizer com a expressão: “Vede com que letras grandes vos escrevi por minha mão”, foi: 1º) Para demonstrar sua ênfaseO que ele está es­crevendo não pode passar despercebido. É matéria de valor capital. É mensagem vital para a igreja. John Stott, entre outras coisas, é de opinião que Paulo usou letras grandes deliberada e simplesmente por questão de ênfase, para chamar a atenção e despertar a mente, como se, hoje em dia, usasse letras maiúsculas ou sublinhasse as palavras; e 2º) Para demonstrar sua defici­ência física – Paulo tinha uma grave deficiên­cia visual (cf. Gl 4.13-15) e por isso não podia escrever senão usando letras grandes. Warren Wiersbe diz que, se o apóstolo so­fria mesmo de algum problema de visão, esse parágrafo de encerramento certamente tocou ainda mais fundo no cora­ção de seus leitores.[18]

Para Wiersbe, neste parágrafo, Paulo apresenta três figuras distintas: o legalista (vv.12, 13), nosso Senhor Jesus Cristo (vv.14-16) e o próprio apóstolo Paulo (vv.17, 18).

Creio que o objetivo paulino era impactar a mente daqueles irmãos para que não cedessem aos argumentos dos judaizantes legalistas. Temos aqui o “último apelo de Paulo para que os gálatas mantenham confiança no evangelho para a salvação e o vivenciem dia após dia”[19]. Por isso ele usa o argumento da motivação ministerial. Porque os legalistas queriam submeter os cristãos à circuncisão? Qual era motivação deles? Qual era a motivação de Paulo?

1. A motivação dos legalistas era receber a glória dos homens – vv.12, 13

Hernandes Dias afirma que esses falsos mestres legalistas, em primeiro lugar, buscavam a aprovação dos homens para escaparem da perseguiçãov.12.[20] Calvino conjectura que esses homens não se importavam com a edificação dos crentes; eram guiados por desejos ambiciosos de conquistar o aplauso popular.

Esses homens bajulavam os judeus, mas perturbavam a igreja toda em favor de seu próprio ensino e não sentiam nenhum escrúpulo em colocar um jugo tirânico sobre a consciência das pessoas, para que ficassem livres de inquietações físicas. O medo da cruz os levou a corromperem a genuína pregação da cruz. Donald Guthrie afirma que os judaizantes lutavam para alcançar um meio-termo entre a posição judaico não-cristã do judaísmo ortodoxo e a posição cristã não judaica de Paulo.

Envolver-se com um Messias que havia sido morto na cruz era colocar os pés numa estrada crivada de espinhos e expor-se a grande perseguição. Esses mestres queriam circuncidar os crentes da Galácia para livrar a própria pele. Os legalistas, que enfatizavam a circuncisão em lugar da crucificação, granjearam muitos adeptos. Sua religião era bem aceita, pois evitava a vergonha da cruz.

Por que a cruz de Cristo provoca perseguições e enraivece tanto o mundo? É porque a cruz diz algumas verdades muito desagradáveis acerca de nós mesmos, isto é, nós somos pecadores, estamos sob a maldição da lei de Deus e não podemos salvar a nós mesmos. Cristo assumiu o nosso pecado e a maldição exatamente porque não havia outra forma de nos vermos livres deles. A cruz nos reduz a nada. Ela fura o balão da nossa vaidade. Fere mortalmente o nosso orgulho e a nossa soberba. É ao pé da cruz que voltamos ao nosso tamanho normal, diz John Stott.

Em segundo lugar, os falsos mestres revelam suas três principais características: arrogância, constrangimento (persuasão) e hipocrisia.

ð Por sua arrogância eles tinham como objetivo usar os irmãos como objeto de promoção pessoal. Na verdade, eles queriam mostrar boa aparência na carne e se gloriarem na vossa carne (vv.12a, 13b).[21]

ð Em sua persuasão eles constrangiam os irmãosv.12b. O verbo obrigar (constranger – ARA) dá a ideia de persuasão intensa e até mesmo força (cf. Gl 2.14). O significado é de constranger contra a vontade, e é um termo forte. Indica que os judaizantes eram extremamente persuasivos ou constrangedores e estavam convencendo os gálatas de que o legalismo era a melhor escolha que poderiam fazer. Sempre que Paulo apresentava a Palavra, ele o fazia de modo verdadeiro e sincero, sem truques de oratória nem recursos argumentativos (cf. 1Co 2.1-5; 2Co 4,1-5).[22]

ð Os judaizantes não eram apenas arrogantes e persuasivos, mas também hipócritas (v.13). Exigiam dos outros aquilo que não praticavam. Falavam uma coisa e faziam outra. Pertenciam ao mesmo grupo dos fariseus, sobre os quais Jesus disse: “...porque dizem e não fazem” (Mt 23.3). Jesus chamou esse grupo de hipócritas (Mt 23.13-15, 23-29) e raça de víboras (Mt 23.33). Paulo os condena por sua desonestidade; não tinham intenção alguma de guardar a Lei, mesmo que pudessem. Ele desmascara esses hipó­critas, mostrando que sua reverência à lei era apenas uma máscara para encobrir seu verdadeiro objetivo: ganhar mais convertidos para a sua causa. Tudo o que eles desejavam era ter estatísticas para relatar e receber mais glórias para si mesmos.[23]

John Stott observa que, ao se concentrarem na circunci­são, os judaizantes cometeram outro erro, pois a circuncisão não era apenas um ritual exterior e físico; era também uma obra humana, realizada por um ser humano em outro ser hu­mano. Mais do que isso: como símbolo religioso, a circunci­são obrigava as pessoas a guardarem a lei (At 15.5). A religião humana começava com uma obra humana (circuncisão) e continuava com mais obras humanas (obediência à lei).[24]

Mas, o que importa de verdade não é se uma pessoa foi circundada ou batizada, mas se ela nasceu de novo e é nova criatura. O que importa não é o externo, mas o interno; não é o símbolo, mas o simbolizado; não é o batismo com água, mas o batismo do Espírito.[25]

2. A motivação de Paulo era a glória de Deus – vv.14-18

Paulo faz um contraste entre os falsos mestres que se gloriavam na carne, e ele, ministro verdadeiro, que se gloriava exclusivamente na cruz de Cristo. Paulo conhecia a Pessoa da cruz – Jesus é mencionado pelo menos 45 vezes nessa carta. Paulo conhecia o poder da cruz – a cruz deixou de ser uma pedra de tropeço para ele e se tornou a pedra fundamental de sua mensagem. Paulo conhecia o propósito da cruz – esse propósito era mostrar ao mundo a Igreja de Deus, formado de judeus e gentios.[26]

A cruz não era uma coisa da qual Paulo procurava fugir; antes, era o motivo de seu orgulho. Enquanto os falsos mestres se gloriavam na carne, Paulo se gloriava na cruz (v.14). Não podemos gloriar-nos em nós mesmos e na cruz ao mesmo tempo. Temos de escolher. Só quando nos humilharmos e nos reconhecermos como pecadores que merecem o inferno, deixaremos de nos gloriar em nós mesmos, buscaremos a salvação na cruz e passaremos o restante de nossos dias gloriando-nos na cruz.[27]

Arival aponta três motivos pelos quais Paulo se gloriava na cruz:[28]

1º) Porque a cruz deu origem a uma nova criatura (v.15) – A morte de Cristo na cruz gera novas criaturas em Cristo (2Co 5.17). Pelo poder da cruz de Cristo, um novo homem é gerado espiritualmente (Jo 3.1-8).

2º) Porque a cruz deu origem a um novo povo (v.16). Com a cruz um novo povo foi formado, uma nova família foi constituída. O Israel de Deus não é mais a nação judaica (Rm 9.1-13), mas a Igreja de Deus que Jesus comprou na cruz com o seu sangue, composta por pessoas de todas as nações (Ef 2.11-22; 3.6). Essa “igreja tem uma regra para a sua orientação (v.16b). A palavra grega para regra é kanon, que significa uma vara de medir ou régua. Era a medida padrão do carpinteiro. A igreja tem uma regra pela qual se orientar. É o cânon da Escritura, a doutrina dos apóstolos, a doutrina da cruz de Cristo. Essa é a regra pela qual a igreja deve andar e continuamente julgar-se e reformar-se. A igreja só tem paz e só desfruta da misericórdia quando anda em conformidade com a verdade revelada de Deus. A paz é a serenidade de coração, que é a porção de todos aqueles que têm sido justificados pela fé (Rm 5.1). A paz e a misericórdia são inseparáveis. Se a misericórdia de Deus não fosse manifesta a seu povo, o povo jamais haveria gozado a paz”[29].

3º) Porque a cruz de origem a um novo estilo de vida (v.17). Fomos crucificados com Cristo. E nessa identificação estamos também crucificados para o mundo e o mundo para nós. Morremos para o mundo, e o mundo morreu para nós. Perdemos o encanto pelo mundo, e o mundo perdeu o encanto por nós. Merrill Tenney diz que, tão certo como Cristo morreu e dessa maneira cortou a conexão entre ele mesmo e o mundo, o crente é emancipado das cadeias com as quais o mundo o trazia algemado. Porque o mundo está crucificado para nós, o crente jamais precisa seguir pelo caminho do mundo, isto é, pelo caminho do pecado, da corrupção, da morte e do julgamento. Jesus morreu para libertar-nos do mundo. Porque estamos crucificados para o mundo, o crente rejeita as atrações e prazeres do mundo. Por essa causa o crente torna-se uma pessoa não atraente para o mundo.[30]

Concluindo

Paulo levava as marcas de Jesus em seu corpo e a graça de Jesus em seu espírito. Sem dúvida essas marcas (v.17) foram os ferimentos que ele recebeu em diversas perseguições por amor a Cristo.[31] “Ao ler 2Co 11.18-33, não é difícil entender essa declaração, pois Paulo sofreu fisicamente por Cristo de várias maneiras e em vários lugares”[32]. Somente aqui se diz que ele recebeu dos judeus 195 açoites e foi três vezes fustigado com varas pelos romanos. Paulo foi apedrejado na cidade de Listra, na província da Galácia (At 14.19). Paulo foi preso em Filipos, Jerusalém, Cesáreia e Roma. Seu sofrimento pelo evangelho e os ferimentos que seus perseguidores lhe infligiram e as cicatrizes que ficaram eram as “marcas de Jesus”. Essas eram suas verdadeiras credenciais, e isso bastava. Por essa razão, Adolf Pohl chegou a dizer que em Paulo não somente se podia ouvir, mas ao mesmo tempo se podia ver a mensagem da cruz.[33]

Paulo começa a carta com a graça (1.3) e a termina com a graça (6.18). Toda a carta foi dedicada ao tema da graça de Deus, seu favor imerecido a pecadores indignos. Essa graça só pode ser realmente desfrutada quando atinge o nosso espírito. Portanto, devemos pedir a Deus que prepare em nossa alma uma habitação para a sua graça.[34]


Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 17/06/16




[1] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas & Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 25.
[2] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da liberdade, Editora Hagnos, p. 255.
[3] Casimiro, p. 25, 26. Esse ponto segue literalmente o comentário da lição nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[4] Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo – Novo Testamento 1 – Gálatas, Ed. Geográfica, 2007, p. 944.
[5] Wiersbe, p. 944.
[6] Lopes, p. 262.
[7] Lopes, p. 264, 265.
[8] Lopes, p. 265, 266.
[9] Lopes, p. 264-266. Esse ponto segue literalmente o comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[10] O contexto mostra que Paulo ainda está tratando do sustento dos ministros fiéis da Palavra. Deixar de investir no sustento daqueles que se afadigam na Palavra é sonegar a semente da vida a esse solo que produz bênçãos espirituais. De acordo com Calvino, essa passagem contém evidência de que o costume de menosprezar os ministros fiéis não surgiu em nossos dias. Mas esse menosprezo não ficará impune.
[11] Lopes, p. 268.
[12] Lopes, p. 267, 268.
[13] Lopes, p. 268.
[14] Lopes, p. 268, 269.
[15] Lopes, p. 272.
[16] Davidson, F. Novo Comentário da Bíblia, 1963, Bible Software theWord, Gálatas 6.11.
[17] Wiersbe, p. 948.
[18] Lopes, p. 273, 274.
[19] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015, p. 189.
[20] Lopes, p. 274-276. Esse ponto segue literalmente o comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[21] Casimiro, p. 27.
[22] Wiersbe, p. 949.
[23] Lopes, p. 277.
[24] Lopes, p. 278.
[25] Lopes, p. 277.
[26] Lopes, p. 278.
[27] Lopes, p. 279.
[28] Casimiro, p. 28. Esse ponto segue literalmente o comentário da lição na página já citada, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[29] Lopes, p. 283.
[30] Lopes, p. 279, 280.
[31] Lopes, p. 284.
[32] Wiersbe, p. 951.
[33] Lopes, p. 284.
[34] Lopes, p. 285.