No estudo anterior em Gálatas 4.21-31 com o tema: A graça do evangelho da graça. Abordamos
o assunto em três pontos: 1º) Ismael e
Isaque – duas realidades espirituais – vv.21-23; 2º) Agar e Sara – duas alianças – vv.24-27; e 3º) Aplicações espirituais – vv.28-31.
Terminamos afirmando que a graça do evangelho da graça está em que: 1) Deus salva o pecador, seja ele quem for – religioso legalista ou sem religião;
2) A graça de Deus é absolutamente
suficiente para a salvação; e 3) A
graça de Deus recebida pela fé torna os crentes em filhos de Deus e livres da
condenação da lei e do pecado.
Em Gálatas 5,
Paulo refuta seus opositores, que o acusavam de ensinar um evangelho permissivo
que desembocava em anarquia religiosa, mostrando que não tem vida desregrada
aquele que depende da graça de Deus, sujeita-se ao Espírito de Deus, vive na
prática das boas obras e procura glorificar a Deus. Na verdade, o perigo não
está no evangelho, mas no legalismo.[1]
Em nosso estudo de hoje, veremos que, Paulo, que tem
argumentado até o capítulo 4, que os gálatas são livres em Cristo, agora
exorta-os a manter essa liberdade, a entendê-la e aplicá-la corretamente. A
verdade estabelecida e vigorosamente defendida por ele até aqui, agora é aplicada
à vida dos irmãos na Galácia.[2]
Arival diz que o conceito bíblico de liberdade
espiritual possui três ideias básicas: 1ª)
o homem é escravo do pecado e totalmente
impotente de libertar-se; 2ª) a verdadeira liberdade se acha na vida com
Deus e é oferecida ao homem, por meio da fé em Jesus; e 3ª) o
homem livre demonstra a sua liberdade no serviço a Deus e ao próximo.[3]
O nosso tema hoje é: A verdadeira liberdade do evangelho. Vamos abordar o assunto em
dois pontos: 1º) A verdadeira liberdade do evangelho pode ser
ameaçada pelo legalismo ou pela licenciosidade – vv.1-15; e 2º) A verdadeira liberdade do evangelho está em
andar no Espírito – vv.16-26.
I. A
verdadeira liberdade do evangelho pode ser ameaçada pelo legalismo ou pela
licenciosidade – vv.1-15
Há dois perigos que ameaçam a liberdade do cristão,
que ele recebeu pelo evangelho de Cristo: o
legalismo e a licenciosidade. Por isso, o cristão precisa permanecer firme
na liberdade que Cristo lhe concedeu.
Hernandes Dias destaca quatro pontos importantes na
exposição dessa primeira parte do capítulo 5
– vv.1-12: 1º) escravidão (5.1); 2º) legalismo (5.2-4); 3º) fé (Gl 5.5, 6); e 4º) obediência (Gl 5.7-12).[4]
No v.1, ele
destaca, também, 4 pontos: 1º) Éramos escravos antes de recebermos a Cristo
como salvador – v.1a – Antes de
Cristo nos libertar, éramos escravos do diabo, da carne e do mundo; 2º) Fomos
libertos completamente por Cristo – v.1b
– Foi ele quem nos arrancou do império das trevas. Foi ele quem quebrou nossos
grilhões e despedaçou nossas cadeias. Foi ele quem nos libertou do pecado, da
morte e do inferno. Em Cristo somos livres, verdadeiramente livres; livres não
para pecar, mas para cumprir a vontade de Deus. John Stott tem razão quando vê
Jesus Cristo como o libertador, a conversão como o ato de emancipação, e a vida
cristã como a vida de liberdade; 3º)
Precisamos manter nossa liberdade em
Cristo – v.1c – William
Hendriksen exemplifica que a melhor ideia dessa ordenança, “permanecei firmes”,
é a de um soldado no meio do campo de batalha, que, em vez de fugir, oferece
forte resistência ao inimigo e o vence. E triste constatar, porém, que alguns
cristãos se assustam com a liberdade que possuem na graça de Deus; por isso,
procuram uma comunhão legalista e ditatorial, na qual deixam outros tomar as
decisões por eles. São como adultos voltando ao berço; e 4º) Não podemos sujeitar-nos
outra vez à escravidão do pecado e da lei – v.1d – Cristo não nos libertou a fim de que nos tornássemos novamente
escravos. Donald Guthrie entende que a figura do jugo é uma metáfora apropriada
para a servidão, porque um animal com o jugo não tem alternativa senão se
submeter à vontade de seu dono.[5]
Portanto, quando cremos em Cristo, saímos do jugo de
servidão do pecado e tomamos o jugo de Jesus, que é leve e suave (cf. Mt 11.28-30). Porém, se o cristão deixa
a graça e se submete ao legalismo, ele perde quatro bênçãos do evangelho
concedidas por Cristo: 1ª) O valor de Cristo – v.2. Na
NTLH – Cristo não tem nenhum valor para
vocês; 2ª) A libertação da guarda Lei – v.3 – Na NTLH – ... esse homem é obrigado a obedecer a toda a lei; 3ª) A união espiritual com Cristo – v.4a – Separados
estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; e 4ª) A graça de Cristo – v.4b – da graça tendes caído.
Viver sob a égide da lei é viver fora da esfera da
graça. Buscar a é salvação pelos ritos da lei é desligar-se de Cristo e decair
da graça. Não há salvação fora de Cristo, nem à parte da graça. Logo, não há
salvação para aqueles que tentam alcançar o favor de Deus por meio dos rituais
da lei. John Stott pondera que preciso escolher entre a religião da lei e a
religião da graça, entre Cristo e a circuncisão.[6]
Em resumo, o v.1
nos lembra da nossa liberdade subjetiva em Cristo – que não mais obedecemos a Deus motivados por algo que nos pesa nas
costas e escraviza. Os vv.2-4
nos lembram da nossa liberdade objetiva em Cristo – que estamos livres da obrigação de obedecer a toda a lei a fim de nos
apresentarmos justificados perante Deus. Paulo afirma que o evangelho nos
liberta tanto da culpa quanto da escravidão do pecado, tanto da condenação do
pecado quanto da sua motivação.[7]
v.5 – Enquanto o legalista se atola na insegurança – pois
ele não sabe quando fez o suficiente para satisfazer o padrão da justiça divina
– aqueles que estão justificados pela fé, que têm o Espírito como penhor de sua
aceitação para com Deus, esperam confiantemente pela fé a consumação (a
esperança da justiça) na glória (cf. Rm
8.10, 11).[8]
Porque nós pelo Espírito
da fé – O verdadeiro caráter dos filhos de Deus se vê em nós que, por
intermédio da fé, temos uma expectativa espiritual dada pelo Espírito sobre a
glória que haverá de ser. Por isso aguardamos
a esperança da justiça (v.5b; cf. 1Co 1.7; Rm 8.19, 23, 25; Fp 3.20). Todas essas passagens apontam
para a glória que aguarda o povo de Deus por ocasião da vinda de Cristo. É a
esperança associada à justiça ou inspirada por ela, a esperança que nos
pertence por havermos sido justificados (cf. Rm 5.2; Cl 1.27).[9]
v.6 – Tendo demonstrado o longo alcance da fé na
esperança, o apóstolo indica seu alcance no amor. Em Cristo ninguém tem
vantagem por possuir a circuncisão; nem falta alguma coisa a quem não a tem. O
que conta é o amor, que resume em si tudo o que a Lei exige (cf. Rm 13.9, 10). A justiça da fé não
exclui esta consideração importante sobre o amor. Pelo contrário, a fé,
operando através do amor, é apenas o meio viável pelo qual as exigências da Lei
podem ser cumpridas.[10]
"Nessas palavras", diz Bengel, "se apóia todo o
Cristianismo". E, no dizer de Lightfoot, é "a ponte por sobre o
abismo que parece separar a linguagem de Paulo da linguagem de Tiago. Ambos
asseveram um princípio de energia prática, em oposição a uma teoria estéril e
inativa". Quanto a fé, esperança e
amor, em íntima conexão, ver: 1Ts 1.3; Rm 5.1-5; 1Co 13.13; Cl 1.4.[11]
Antes de argumentar contra a licenciosidade, Paulo
fala sobre os falsos mestres judaizantes (legalistas), seus ensinos e seu
destino: (1) Eles, com seus falsos ensinos, impediam os crentes de permanecer obedecendo
e seguindo a verdade – v.7; (2) O
chamado deles para os crentes aderirem ao legalismo não procedia de Deus – v.8 (1.6); (3) Eles contaminavam a igreja com o pecado do
falso ensino, tal qual o fermento leveda a massa – v.9 (1Co 5.6); (4) Eles
perturbavam a igreja e criavam confusão na cabeça dos irmãos – v.10 (1.7); e (5) Eles sofrerão o juízo de Deus por
perverterem o evangelho da graça e perseguirem os verdadeiros pastores – v.10-12.[12]
Na igreja, desde que é igreja, há aqueles que querem
regular a liberdade apenas por regras exteriores. Esses caem na armadilha do
legalismo e privam as pessoas da verdadeira liberdade em Cristo. Porém, há
aqueles que, em nome da liberdade, querem viver sem nenhum preceito ou limite.
Esses confundem liberdade com licenciosidade e caem na prática de pecados
escandalosos.[13]
John Stott diz que o cristianismo não é escravidão,
mas um chamamento da graça para a liberdade. A liberdade cristã, porém, não é
liberdade para pecar, mas liberdade de consciência, liberdade para obedecer. O
cristão salvo pelo sangue de Cristo é livre para viver em santidade.[14]
Hernandes Dias destaca aqui quatro verdades importantes:[15]
(1ª) A liberdade cristã não é uma licença para
pecar – v.13a. Fomos chamados
para a liberdade, e não para a escravidão do pecado. Calvino destaca que, após
exortar os gálatas a não permitirem nenhum impedimento de sua liberdade (v.1), Paulo agora lhes recomenda que
sejam moderados em usá-la (v.13). A
liberdade crista não é uma licença para pecar, mas o poder para viver em
novidade de vida. A liberdade cristã não é licenciosidade, mas deleite na
santidade. A licenciosidade desenfreada não é liberdade alguma; é outra forma
mais terrível de servidão, uma escravidão aos desejos de nossa natureza caída.
(2ª) A
liberdade cristã não é uma permissão para explorar o próximo – v.13b.
Calvino declara que o método para impedir a liberdade de irromper em abuso
imoderado e licencioso é regulá-la pelo amor. Quem ama não explora, mas serve o
próximo. Somos livres para amar e servir, e não para explorar nosso próximo. O
amor não pratica o mal contra o próximo. John Stott diz: “Somos livres em nosso
relacionamento com Deus, mas escravos em nosso relacionamento com os outros”. Não
podemos usar o próximo como se fosse uma coisa para nos servir; temos de
respeitá-lo como pessoa e nos dedicar a servi-lo. A liberdade cristã é
serviço, não egoísmo.
(3ª) A liberdade cristã não é uma autorização
para ignorar a lei – v.14. Somos libertos da condenação da
lei, mas não dos seus preceitos. Não nos aproximamos mais da lei com o
propósito de sermos aceitos por Deus; mas porque já fomos aceitos em Cristo,
aproximamo-nos da lei para obedecer a Deus. William Hendriksen diz que a
motivação do crente para obedecer a esse mandamento é a gratidão pela redenção
consumada por Cristo; o poder para realizá-la é proporcionado pelo Espírito de
Cristo (v.1, 13, 25). Calvino diz
que Deus resolve provar o nosso amor para com ele por meio do amor ao nosso
irmão. E por isso que o amor é chamado de “...o cumprimento da lei” (Rm
13.8, 10). Não porque o amor ao próximo seja superior à adoração a Deus,
mas porque é a prova dessa adoração. Deus é invisível, mas se representa nos
irmãos. O amor para com os homens flui do amor a Deus.
(4ª) A liberdade cristã não é uma chancela para
destruir o próximo – v.15. Somos livres para amar e servir
uns aos outros, e não para devorar e destruir uns aos outros. Nas igrejas da
Galácia, vemos os dois extremos – os
legalistas e os libertinos – que destruíram a comunhão. Os dois verbos
gregos dakno, “morder”, e katesthio, “devorar”, sugerem animais
selvagens engajados em uma luta mortal. Desse modo, a força da alma e a saúde
do corpo, o caráter e os recursos, são consumidos por lutas e intrigas.
John Stott resume o comentário deste trecho em três
frases: “A liberdade cristã não é
liberdade para satisfazer a carne; liberdade cristã não é liberdade para
explorar o próximo; liberdade cristã não é liberdade para ignorar a lei”.[16]
II. A
verdadeira liberdade do evangelho está em andar no Espírito – vv.16-26
Encontramos em Gálatas cerca de quatorze referências
ao Espírito Santo. Quando cremos em Cristo, o Espírito passa a habitar dentro
de nós (3.2). Somos “nascidos segundo o Espírito” (4.29). É o Espírito no
coração que nos dá a certeza da salvação (4.6); e é o Espírito que nos capacita
a viver para Cristo e a glorificá-lo (5.16, 18, 25).[17]
Embora o corpo humano seja neutro e não pecaminoso, quando
o cristão entrega o seu corpo ao controle da carne (natureza pecaminosa), ele
passa a andar segundo a concupiscência
da carne (v.16), mas quando é o
Espírito Santo quem controla o seu corpo, o cristão anda (lit. caminha) no
Espírito (v.17). Portanto, se o
princípio que dirige a vida cristã de uma pessoa for o Espírito de Deus, tal
pessoa não vive pelos desejos da natureza pecaminosa. “O termo ‘carne’
representa o que somos por nascimento natural, e o ‘Espírito’, o que nos
tornamos pelo novo nascimento, o nascimento do Espírito”[18].
A palavra andar é usada metaforicamente
para descrever todo modo de viver[19]
de uma pessoa crente (cf. Ef 2.10; 5.2,
8; Cl 2.6; 1Ts 2.12; 4.1).
Isso é uma verdade, pois o Espírito Santo e a carne
(natureza pecadora), opõem-se um ao
outro, para que não façais o que quereis (v.17b), isto é, o Espírito e a carne tem desejos diferentes, e é
isso que gera conflitos espirituais no interior do cristão. Portanto, a
argumentação paulina é a seguinte: quando
os irmãos querem andar segundo os desejos da natureza pecadora, o Espírito
Santo se opõe a esse desejo, e quando eles querem caminhar no Espírito, a carne
mina as suas intenções. “Não é de se admirar que ocorra tamanho conflito
dentro do cristão. A pessoa não salva não enfrenta essa batalha, pois não tem o
Espírito Santo”[20].
William Hendriksen fala sobre essa batalha para três
grupos diferentes de pessoas: 1) o libertino não sente esse conflito porque
segue suas inclinações naturais; 2)
o legalista que confia em si mesmo não
consegue vitória nesse conflito; 3)
o crente experimenta um conflito
agonizante, mas alcança a vitória, pois o Espírito que nele habita o capacita a
triunfar.[21]
Para Paulo, a vida na carne e a vida sob lei são, na
prática, equivalentes. Pois, ambas produzem os mesmos resultados: o fracasso
moral e o medo terrível do juízo.[22]
Porém, a solução não é lutar contra a carne, mas se entregar à vontade do
Espírito Santo. Wiersbe diz que o v.18,
literalmente, significa: Mas se forem
voluntariamente conduzidos pelo Espírito, então não estarão debaixo da lei.[23]
Portanto, seguindo a direção do texto paulino, a
verdadeira liberdade do evangelho que está em andar no Espírito implica em (1) não produzir as obras da carne, mas (2)
permitir a frutificação do fruto do Espírito Santo.
1. Não
produzir as obras da carne – vv.19-21
Agora, depois de falar do conflito entre a carne e o
Espírito na vida do salvo, Paulo passa a falar sobre as obras da carne na vida
daqueles que não herdarão o Reino de Deus. Essa lista, embora extensa, não é
exaustiva, pois não esgota todas as obras da carne, uma vez que Paulo conclui
dizendo: “... e coisas semelhantes a
estas” (v.21)[24]
Paulo classifica as obras da carne em quatro
categorias: (1) pecados sexuais – v.19;
(2) pecados religiosos – v.20;
3) pecados sociais – v.20, 21a;
e (4) pecados pessoais – v.21b.
1) Pecados
sexuais – v.19 – a) Adultério e fornicação
(prostituição na ARA) – A palavra grega porneia, traduzida por adultério e
fornicação, refere-se a toda sorte de pecado sexual, seja adultério,
fornicação, masturbação, incesto ou homossexualismo. Trata-se de um termo amplo
que descreve toda sorte de relacionamentos sexuais ilícitos e imorais; b) Impureza – A palavra grega akatharsia, traduzida por impureza, é um
termo mais geral, o qual, embora às vezes possa denotar impureza ritual,
refere-se aqui à impureza moral. Essa impureza inclui a impureza dos atos,
palavras, pensamentos e intenções do coração; c) lascívia – A palavra grega aselgeia,
traduzida por lascívia, significa literalmente a libertinagem de modo geral,
mas sem dúvida é usada aqui para a lascívia nas relações sexuais.[25]
2) Pecados
religiosos – v.20a – a) Idolatria – A palavra grega eidolatria, traduzida por “idolatria”,
refere-se à adoração de deuses feitos pela mão do homem. É o pecado no qual as
coisas materiais chegam a ocupar o lugar de Deus; b) Feitiçaria – A palavra grega pharmakeia,
traduzida por feitiçarias, significa uso de remédios ou drogas. O termo
significa também o uso de drogas com propósitos mágicos. A linha divisória
entre a medicina e a magia não era muito nítida naqueles dias, como continua
ocorrendo em muitas culturas tribais hoje em dia.[26]
Mas, é evidente que a Bíblia proíbe a magia, bem como todas as práticas do
ocultismo (cf. Dt 18.9-22).[27]
3) Pecados
sociais – vv.20b, 21a – Esses oito
pecados envolvem transgressões ligadas aos relacionamentos. Inimizades é uma atitude mental que
provoca e afronta outras pessoas. Porfias
e emulações (ciúmes) referem-se a rivalidades. As iras são acessos de raiva, e as pelejas (discórdias) dizem respeito às
ambições interesseiras e egoístas que criam divisões na igreja. Dissensões e heresias (facções) são termos análogos; o primeiro sugere divisão,
e o segundo, rompimentos causados por um espírito partidário. O termo grego
para heresias significa fazer uma escolha. As invejas indicam rancores e o desejo profundo de ter aquilo que os outros
têm[28],
ao ponto de cometer homicídios para
possuir aquilo que se deseja ardentemente.
4) Pecados
pessoais – v.21b – a) Bebedices – a palavra grega methai, traduzida por bebedices, refere-
se à pessoa que se embriaga na busca de sensualidade ou prazer. No mundo antigo
tratava-se de um vício comum. Os gregos bebiam mais vinho do que leite. Até as
crianças bebiam vinho. A embriaguez, contudo, transforma homens em feras; b) Glutonarias – a palavra grega komoi, traduzida por glutonarias, refere-se a uma busca desenfreada pelo
prazer, seja em relação à comida ou a qualquer prazer. A palavra pode ser
traduzida também por orgias.[29]
v.21b – e
coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos
disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus. Portanto, Paulo não está falando de um ato
pecaminoso, mas sim do hábito de pecar. Aqueles que praticam o pecado não
herdarão o Reino de Deus. Aqueles que vivem na prática do pecado e não se
deleitam na santidade nem mesmo encontrariam ambiente no céu.
Todos os cristãos têm desejos naturais para o mal e
não os podemos ignorar. Para andar no Espírito Santo devemos enfrentá-los com
decisão (crucificá-los – 5.24). Estes desejos incluem pecados
óbvios tais como imoralidade sexual e feitiçaria. Também incluem pecados menos
óbvios como a ambição, o ódio e o ciúmes. Ignorar esses pecados ou recusar
enfrentá-los revela a falta da presença do Espírito Santo que guia e transforma
nossa vida.[30]
O reino de Deus é algo tão grande que naturalmente não
pode ser merecido nem pago por ninguém. Somente pode-se herdá-lo, a saber, como
co-herdeiro com Cristo (Gl 3.29; 4.7). A primeira cota
do céu nós ganhamos por meio do recebimento do Espírito Santo[31].
Agora pode ser formulado o que se segue: Andar
no Espírito na verdade não traz o céu, mas constitui condição para permanecer
no céu. Simplesmente não se pode receber o Espírito sem que haja
consequências, sem trazer o fruto correspondente. Isso seria uma chance
impossível e uma profunda tristeza para o Espírito (cf. Ef 4.30).[32]
2. Permitir
a frutificação do fruto do Espírito Santo – vv.22-26
O fruto do Espírito tem origem sobrenatural,
crescimento natural e maturidade gradual. Há três verdades importantes sobre o
fruto do Espírito: 1) a natureza do fruto – o fruto de que Paulo está tratando é a
criação do Espírito Santo. Ele não brota da nossa natureza, nem é produto da
educação mais refinada; 2) sua
variedade – esse fruto é variado, uma
vez que Paulo menciona nove virtudes morais que são produzidas pelo próprio
Espírito; e 3) seu cultivo – esse fruto precisa ser cultivado de forma
espontânea para que se torne proveitoso e assaz saboroso.[33]
Paulo não fala de frutos, mas do fruto que são nove virtudes como que gomos de um
mesmo fruto. Não se pode ter um fruto e ser desprovido dos
outros. Essas nove virtudes produzidas pelo
Espírito Santo
no cristão, podem ser classificadas em três áreas: 1) a
atitude do cristão para com Deus – v.22a; 2) a atitude do cristão para com outras pessoas – v.22b; e 3)
a atitude do cristão para com ele mesmo – vv.22c.[34]
(1) A atitude do cristão para com Deus – v.22a. Essa tríade tem a ver
com nossa relação com Deus, pois o primeiro amor do cristão é o seu amor a
Deus, sua principal alegria é a sua alegria em Deus e a sua paz mais profunda é
a sua paz com Deus:[35]
ð Amor – A palavra grega agape,
traduzida por amor, inclui tanto amor a Deus como o amor ao próximo.
Na língua grega há quatro termos para amor: 1) Eros é o amor de um homem por uma mulher; é o amor imbuído de
paixão; 2) Fileo ou filia que é o amor caloroso para os nossos achegados e
familiares. É um sentimento profundo do coração. É aplicado também para
filantropia; 3) Storge aplica-se particularmente ao amor dos pais
pelos filhos, dos filhos pelos pais e de irmãos para com irmãos; e 4) Agape é o termo cristão e significa benevolência invencível.
ð Alegria
(gozo) – A palavra grega chara, traduzida por alegria, é a alegria fundamentada num
relacionamento consistente com Deus. Não é a alegria que provém das coisas
terrenas ou triunfos passageiros, nem mesmo é a alegria de triunfar sobre um
rival; antes, é o gozo que tem Deus como seu fundamento.
ð Paz – A palavra grega eirene,
traduzida por paz, refere-se
fundamentalmente à paz com Deus. Era usada para descrever a tranquilidade e a
serenidade que goza um país sob um governo justo. Significa não apenas ausência
de problemas, mas, sobretudo, a consciência de que nossa vida está nas mãos de
Deus.
(2) A atitude do cristão para com outras pessoas – v.22b. Essas três virtudes estão
conectadas com a nossa relação com o próximo: 1) Longanimidade – (gr. makrothumia) é paciência para com aqueles que nos irritam ou
perseguem. Trata-se de paciência para suportar injúrias de outras pessoas.
Descreve uma pessoa que, tendo condições de vingar-se, não o faz; 2) Benignidade
– (gr. crestotes) é uma
questão de disposição, ou seja, uma
disposição gentil e bondosa para com os outros. Poderia ser
traduzida também como amabilidade que é a benevolência nas atitudes, uma virtude
visivelmente social; e 3)
Bondade – (gr. agathosyne) refere-se
a palavras e atos. A bondade pode reprovar, corrigir e disciplinar visando o
bem; mas a benignidade só pode ajudar. Um exemplo é o de Jesus que, mostrou bondade
(gr. agathosyne) quando
purificou o templo e expulsou os que o transformaram em um mercado, mas
manifestou benignidade (gr. crestotes) quando
foi amável com a mulher pecadora que lhe ungiu os pés.
(3) A atitude do cristão para
com ele mesmo – vv.22c: 1) Fé (Fidelidade) – (gr. pistis)
significa lealdade. Descreve a pessoa que é digna de confiança; 2) Mansidão
– (gr. prautes) significa dócil
submissão. E poder sob controle. A palavra era usada para um animal que foi
domesticado e criado sob controle; e 3) Temperança (domínio
próprio) – (gr. egkrateia)
significa autocontrole, domínio dos próprios desejos e apetites. Aplicava-se à
disciplina que os atletas exerciam sobre o próprio corpo e o domínio cristão do
sexo (cf. 1Co 9.25; 7.9).
v.23 – A lei existe para propósitos de restrição, mas,
quanto a estas virtudes, nada existe para limitá-las (cf. 1Tm 1.9-10). Essa mesma verdade foi declarada em outra passagem –
cf. Rm 8.4.[36]
v.24 – Estamos ligados a Cristo na sua crucificação,
morte, sepultamento, ressurreição e ascensão. Estamos assentados com Cristo nas
regiões celestiais, acima de todo principado e potestade. Devemos assumir essa
posição e andar nela (cf. 2.20; 5.24; Rm
6.6). Concordo com John Stott quando afirma que nós é que agimos aqui. Já a
rejeição que o cristão faz de sua velha natureza tem de ser impiedosa, dolorosa
e decisiva. Warren Wiersbe enfatiza que a crucificação é um tipo de morte que
ninguém pode aplicar sobre si mesmo. Por isso, Paulo afirma que a carne já foi
crucificada. E nossa responsabilidade crer nisso e agir de acordo.[37]
v.25 – Vivemos no Espírito segundo a disposição divina,
por meio do dom do Espírito na conversão. Mas andamos em Espírito por uma
questão de vontade pessoal, dando cada passo na dependência dEle.[38]
Se o Espírito habita em nós e em nós produz seu fruto (as nove virtudes),
precisamos agora andar no Espírito. Não pode existir inconsistência em nossa
vida. O verbo grego stoichomen, “andemos”,
significa ficar numa fila, caminhar em linha reta, comportar-se adequadamente.
O tempo presente do termo aponta para a ação habitual contínua.[39]
Deus está interessado em cada parte de nossas vidas, não só espiritual.
Ao viver pelo poder do Espírito Santo, devemos render cada aspecto de nossa
vida a Deus: emocional, física, social, intelectual, vocacional. Paulo diz: É
salvo, portanto, viva de acordo a esta realidade! O Espírito Santo
é a fonte de sua nova vida, de modo que caminhe com Ele. Não permita que nada ou ninguém mais determine seus valores e normas
em qualquer área de sua vida.[40]
v.26 – A exortação de Paulo aqui é em relação ao orgulho e
a inveja que, são obras da carne e não fruto do Espírito. Ele exorta a nos
precavermos desse erro, pois a vangloria (gr. kenodoxia), nada mais é do que a ambição ou o anelo por honras, por
meio dos quais cada pessoa deseja exceder as demais. A palavra refere-se a uma
pessoa que sabe como tentar conseguir um respeito ao qual não faz jus, e
demonstra, por suas ações, conversa fiada, vangloria e ambição. Dos muitos
males existentes em nossa sociedade e, particularmente, na igreja, a ambição é
a mãe de todos eles. Entre os crentes, aquele que deseja glória humana se
aparta da verdadeira glória. Não é lícito nos gloriarmos, exceto em Deus.
Qualquer tipo de glória é pura vaidade. Provocar uns aos outros e ter inveja
uns dos outros são atitudes filhas da ambição.[41]
É verdade que todos necessitamos de certa medida de
aprovação de outros, mas aqueles que se separam do caminho de Deus, em busca de
honras ou para ganhar popularidade, mostram que não são guiados pelo Espírito
Santo. Aqueles que esperam a aprovação de Deus não precisarão invejar a outros.
Por ser filhos e filhas de Deus, temos seu Espírito Santo como a garantia
amorosa de sua aprovação.[42]
Concluindo
A carne pode produzir resultados que atraem o louvor e
a honra dos homens, mas não é capaz de produzir fruto que glorifique a Deus.
Somente o Espírito Santo pode produzir o fruto que glorifica a Deus. Somente
Ele pode conceder liberdade do pecado e do ego. Ele nos permite cumprir a lei
do amor, vencer a carne e dar fruto.
Lições a
aplicações:
1) Todo crente
tem que lutar para preservar a sua liberdade espiritual, principalmente por
causa das ameaças dos falsos ensinos legalistas e licenciosos.
2) Todo crente
vive uma luta espiritual interior da carne contra o Espírito, e que somente
pela atuação do Espírito Santo na sua vida, é que ele pode vencer essa luta
espiritual.
3) Todo crente
nasceu pelo Espírito, vive no Espírito e será vitorioso se andar no Espírito
Santo.
Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira
[1] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da liberdade,
Editora Hagnos, p. 215.
[2] Hendriksen, William. Gálatas, Editora Cultura Cristã,
1999, p. 276.
[3] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas &
Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 21.
[4] Lopes, p. 216.
[5] Lopes, p. 216-218.
[6] Lopes, p. 222.
[8] Moody, Comentário Bíblico. Gálatas, p. 30.
[9] Davidson, F. Novo Comentário da Bíblia, 1963, Bible
Software theWord, Gálatas 5.5, 6.
[10] Moody, p. 30.
[12] Casimiro, p. 22.
[13] Lopes, p. 234.
[14] Lopes, p. 234.
[15] Lopes, p. 234-237. Esse ponto segue literalmente o
comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
[16] Casimiro, p. 23.
[17] Lopes, p. 238.
[18] Lopes, p. 238.
[19] Simmons. William. Comentário Bíblico Pentecostal, Novo
Testamento, Volume 2, CPAD, Gálatas, 2012, p. 376.
[20] Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo –
Novo Testamento 1 – Gálatas, Ed. Geográfica, 2007, p. 939.
[21] Lopes, p. 240.
[22] Simmons, p. 376.
[24] Lopes, p. 241. Há outras listas de pecados semelhantes
a essa nos escritos de Paulo – Rm 1.18-32; 1Co 5.9-11; 6.9; 2Co 12.20, 21; Ef
4.19; 5.3-5; Cl 3.5-9; 1Ts 2.3; 4.3-7; 1Tm 1.9, 10; 6.4, 5; 2Tm 3.2-5; Tt 3.3,
9, 10.
[25] Lopes, p. 243.
[26] Lopes, p. 244.
[27] Wiersbe, p. 939.
[28] Lopes, p. 244.
[29] Lopes, p. 246.
[31] Rm 8.23; 2Co 1.22;
5.5; Gl 3.2; 4.6; Ef 1.14.
[32] Comentário Bíblico Esperança, Bible Software theWord,
Gálatas 5.21.
[33] Lopes, p. 247, 248.
[34] Lopes, p. 248.
[35] Lopes, p. 248-250. Esse ponto segue literalmente o
comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
[37] Lopes, p. 251.
[38] Moody, p. 35.
[41] Lopes, p. 252.
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