domingo, 5 de junho de 2016

Estudos Bíblico na Carta aos Gálatas (10) - A verdadeira liberdade do evangelho

Gálatas 5.1-26

No estudo anterior em Gálatas 4.21-31 com o tema: A graça do evangelho da graça. Abordamos o assunto em três pontos: 1º) Ismael e Isaque – duas realidades espirituais – vv.21-23; 2º) Agar e Sara – duas alianças – vv.24-27; e 3º) Aplicações espirituais – vv.28-31.

Terminamos afirmando que a graça do evangelho da graça está em que: 1) Deus salva o pecador, seja ele quem for – religioso legalista ou sem religião; 2) A graça de Deus é absolutamente suficiente para a salvação; e 3) A graça de Deus recebida pela fé torna os crentes em filhos de Deus e livres da condenação da lei e do pecado.

Em Gálatas 5, Paulo refuta seus opositores, que o acusavam de ensinar um evangelho permissivo que desembocava em anarquia religiosa, mostrando que não tem vida desregrada aquele que depende da graça de Deus, sujeita-se ao Espírito de Deus, vive na prática das boas obras e procura glorificar a Deus. Na verdade, o perigo não está no evangelho, mas no legalismo.[1]

Em nosso estudo de hoje, veremos que, Paulo, que tem argumentado até o capítulo 4, que os gálatas são livres em Cristo, agora exorta-os a manter essa liberdade, a entendê-la e aplicá-la corretamente. A verdade estabelecida e vigorosamente defendida por ele até aqui, agora é aplicada à vida dos irmãos na Galácia.[2]

Arival diz que o conceito bíblico de liberdade espiritual possui três ideias básicas: 1ª) o homem é escravo do pecado e totalmente impotente de libertar-se; 2ª) a verdadeira liberdade se acha na vida com Deus e é oferecida ao homem, por meio da fé em Jesus; e 3ª) o homem livre demonstra a sua liberdade no serviço a Deus e ao próximo.[3]

O nosso tema hoje é: A verdadeira liberdade do evangelho. Vamos abordar o assunto em dois pontos: 1º) A verdadeira liberdade do evangelho pode ser ameaçada pelo legalismo ou pela licenciosidadevv.1-15; e 2º) A verdadeira liberdade do evangelho está em andar no Espíritovv.16-26.

I. A verdadeira liberdade do evangelho pode ser ameaçada pelo legalismo ou pela licenciosidade – vv.1-15

Há dois perigos que ameaçam a liberdade do cristão, que ele recebeu pelo evangelho de Cristo: o legalismo e a licenciosidade. Por isso, o cristão precisa permanecer firme na liberdade que Cristo lhe concedeu.
Hernandes Dias destaca quatro pontos importan­tes na exposição dessa primeira parte do capítulo 5vv.1-12: 1º) escravidão (5.1); 2º) legalismo (5.2-4); 3º) (Gl 5.5, 6); e 4º) obediência (Gl 5.7-12).[4]

No v.1, ele destaca, também, 4 pontos: 1º) Éramos escravos antes de recebermos a Cristo como salvadorv.1a – Antes de Cristo nos libertar, éramos escravos do diabo, da carne e do mundo; 2º) Fomos libertos completamente por Cristov.1b – Foi ele quem nos arrancou do império das trevas. Foi ele quem quebrou nossos grilhões e despedaçou nossas cadeias. Foi ele quem nos libertou do pecado, da morte e do inferno. Em Cristo somos livres, verdadeiramente livres; livres não para pecar, mas para cumprir a vontade de Deus. John Stott tem razão quando vê Jesus Cristo como o libertador, a conversão como o ato de emancipação, e a vida cristã como a vida de liberdade; 3º) Precisamos manter nossa liberdade em Cristov.1c – William Hendriksen exemplifica que a melhor ideia dessa ordenança, “permanecei firmes”, é a de um soldado no meio do campo de batalha, que, em vez de fugir, oferece forte resistência ao inimigo e o vence. E triste constatar, porém, que alguns cristãos se assustam com a liberdade que possuem na graça de Deus; por isso, procuram uma comunhão legalista e ditatorial, na qual deixam outros tomar as decisões por eles. São como adultos voltando ao berço; e 4º) Não podemos sujeitar-nos outra vez à escravidão do pecado e da leiv.1d – Cristo não nos libertou a fim de que nos tornássemos novamente escravos. Donald Guthrie entende que a figura do jugo é uma metáfora apropriada para a servidão, porque um animal com o jugo não tem alternativa senão se submeter à vontade de seu dono.[5]

Portanto, quando cremos em Cristo, saímos do jugo de servidão do pecado e tomamos o jugo de Jesus, que é leve e suave (cf. Mt 11.28-30). Porém, se o cristão deixa a graça e se submete ao legalismo, ele perde quatro bênçãos do evangelho concedidas por Cristo: 1ª) O valor de Cristov.2. Na NTLH – Cristo não tem nenhum valor para vocês; 2ª) A libertação da guarda Leiv.3Na NTLH – ... esse homem é obrigado a obedecer a toda a lei; 3ª) A união espiritual com Cristov.4aSeparados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; e 4ª) A graça de Cristo v.4b da graça tendes caído.

Viver sob a égide da lei é viver fora da esfera da graça. Buscar a é salvação pelos ritos da lei é desligar-se de Cristo e decair da graça. Não há salvação fora de Cristo, nem à parte da graça. Logo, não há salvação para aqueles que tentam alcançar o favor de Deus por meio dos rituais da lei. John Stott pondera que preciso escolher entre a religião da lei e a religião da graça, entre Cristo e a circuncisão.[6]

Em resumo, o v.1 nos lembra da nossa liberdade subjetiva em Cristo – que não mais obedecemos a Deus motivados por algo que nos pesa nas costas e escraviza. Os vv.2-4 nos lembram da nossa liberdade objetiva em Cristo – que estamos livres da obrigação de obedecer a toda a lei a fim de nos apresentarmos justificados perante Deus. Paulo afirma que o evangelho nos liberta tanto da culpa quanto da escravidão do pecado, tanto da condenação do pecado quanto da sua motivação.[7]

v.5 – Enquanto o legalista se atola na insegurança – pois ele não sabe quando fez o suficiente para satisfazer o padrão da justiça divina – aqueles que estão justificados pela fé, que têm o Espírito como penhor de sua aceitação para com Deus, esperam confiantemente pela fé a consumação (a esperança da justiça) na glória (cf. Rm 8.10, 11).[8] Porque nós pelo Espírito da féO verdadeiro caráter dos filhos de Deus se vê em nós que, por intermédio da fé, temos uma expectativa espiritual dada pelo Espírito sobre a glória que haverá de ser. Por isso aguardamos a esperança da justiça (v.5b; cf. 1Co 1.7; Rm 8.19, 23, 25; Fp 3.20). Todas essas passagens apontam para a glória que aguarda o povo de Deus por ocasião da vinda de Cristo. É a esperança associada à justiça ou inspirada por ela, a esperança que nos pertence por havermos sido justificados (cf. Rm 5.2; Cl 1.27).[9]

v.6 – Tendo demonstrado o longo alcance da fé na esperança, o apóstolo indica seu alcance no amor. Em Cristo ninguém tem vantagem por possuir a circuncisão; nem falta alguma coisa a quem não a tem. O que conta é o amor, que resume em si tudo o que a Lei exige (cf. Rm 13.9, 10). A justiça da fé não exclui esta consideração importante sobre o amor. Pelo contrário, a fé, operando através do amor, é apenas o meio viável pelo qual as exigências da Lei podem ser cumpridas.[10] "Nessas palavras", diz Bengel, "se apóia todo o Cristianismo". E, no dizer de Lightfoot, é "a ponte por sobre o abismo que parece separar a linguagem de Paulo da linguagem de Tiago. Ambos asseveram um princípio de energia prática, em oposição a uma teoria estéril e inativa". Quanto a fé, esperança e amor, em íntima conexão, ver: 1Ts 1.3; Rm 5.1-5; 1Co 13.13; Cl 1.4.[11]

Antes de argumentar contra a licenciosidade, Paulo fala sobre os falsos mestres judaizantes (legalistas), seus ensinos e seu destino: (1) Eles, com seus falsos ensinos, impediam os crentes de permanecer obedecendo e seguindo a verdadev.7; (2) O chamado deles para os crentes aderirem ao legalismo não procedia de Deusv.8 (1.6); (3) Eles contaminavam a igreja com o pecado do falso ensino, tal qual o fermento leveda a massav.9 (1Co 5.6); (4) Eles perturbavam a igreja e criavam confusão na cabeça dos irmãosv.10 (1.7); e (5) Eles sofrerão o juízo de Deus por perverterem o evangelho da graça e perseguirem os verdadeiros pastoresv.10-12.[12]

Na igreja, desde que é igreja, há aqueles que querem regular a liberdade apenas por regras exteriores. Esses caem na armadilha do legalismo e privam as pessoas da verdadeira liberdade em Cristo. Porém, há aqueles que, em nome da liberdade, querem viver sem nenhum preceito ou limite. Esses confundem liberdade com licenciosidade e caem na prática de pecados escandalosos.[13]

John Stott diz que o cristianismo não é escravidão, mas um chamamento da graça para a liberdade. A liberdade cristã, porém, não é li­berdade para pecar, mas liberdade de consciência, liberdade para obedecer. O cristão salvo pelo sangue de Cristo é livre para viver em santidade.[14]

Hernandes Dias destaca aqui quatro verdades importantes:[15]

(1ª) A liberdade cristã não é uma licença para pecar – v.13a. Fomos chamados para a liberdade, e não para a escravidão do pecado. Calvino destaca que, após exortar os gálatas a não permitirem nenhum impedimento de sua liberdade (v.1), Paulo agora lhes recomenda que sejam moderados em usá-la (v.13). A liberdade crista não é uma licença para pecar, mas o poder para viver em novidade de vida. A liberdade cristã não é licenciosidade, mas deleite na santidade. A licenciosidade desenfreada não é liberdade alguma; é outra forma mais terrível de servidão, uma escravidão aos desejos de nossa natureza caída.

(2ª) A liberdade cristã não é uma permissão para explorar o próximov.13b. Calvino declara que o método para impedir a liberdade de irromper em abuso imoderado e licencioso é regulá-la pelo amor. Quem ama não explora, mas serve o próximo. Somos livres para amar e servir, e não para explorar nosso próximo. O amor não pratica o mal contra o próximo. John Stott diz: “Somos livres em nosso relacionamento com Deus, mas escravos em nosso relacionamento com os outros”. Não podemos usar o próximo como se fosse uma coisa para nos servir; temos de respeitá-lo como pessoa e nos de­dicar a servi-lo. A liberdade cristã é serviço, não egoísmo.

(3ª) A liberdade cristã não é uma autorização para ignorar a leiv.14. Somos libertos da condenação da lei, mas não dos seus preceitos. Não nos aproximamos mais da lei com o propósito de sermos aceitos por Deus; mas porque já fomos aceitos em Cristo, aproximamo-nos da lei para obedecer a Deus. William Hendriksen diz que a motivação do crente para obedecer a esse mandamento é a gratidão pela redenção consumada por Cristo; o poder para realizá-la é proporcionado pelo Espírito de Cristo (v.1, 13, 25). Calvino diz que Deus resolve provar o nosso amor para com ele por meio do amor ao nosso irmão. E por isso que o amor é chamado de “...o cumprimento da lei” (Rm 13.8, 10). Não porque o amor ao próximo seja superior à adoração a Deus, mas porque é a prova dessa adoração. Deus é invisível, mas se representa nos irmãos. O amor para com os homens flui do amor a Deus.

(4ª) A liberdade cristã não é uma chancela para destruir o próximov.15. Somos livres para amar e servir uns aos outros, e não para devorar e destruir uns aos outros. Nas igrejas da Galácia, vemos os dois extremos – os legalistas e os libertinos – que destruíram a comunhão. Os dois verbos gregos dakno, “morder”, e katesthio, “devorar”, sugerem animais selvagens engajados em uma luta mortal. Desse modo, a força da alma e a saúde do corpo, o caráter e os recursos, são consumidos por lutas e intrigas.

John Stott resume o comentário deste trecho em três frases: “A liberdade cristã não é liberdade para satisfazer a carne; liberdade cristã não é liberdade para explorar o próximo; liberdade cristã não é liberdade para ignorar a lei”.[16]

II. A verdadeira liberdade do evangelho está em andar no Espírito – vv.16-26

Encontramos em Gálatas cerca de quatorze referências ao Espírito Santo. Quando cremos em Cristo, o Espírito passa a habitar dentro de nós (3.2). Somos “nascidos segundo o Espírito” (4.29). É o Espírito no coração que nos dá a certeza da salvação (4.6); e é o Espírito que nos capacita a viver para Cristo e a glorificá-lo (5.16, 18, 25).[17]

Embora o corpo humano seja neutro e não pecaminoso, quando o cristão entrega o seu corpo ao controle da carne (natureza pecaminosa), ele passa a andar segundo a concupiscência da carne (v.16), mas quando é o Espírito Santo quem controla o seu corpo, o cristão anda (lit. caminha) no Espírito (v.17). Portanto, se o princípio que dirige a vida cristã de uma pessoa for o Espírito de Deus, tal pessoa não vive pelos desejos da natureza pecaminosa. “O termo ‘carne’ representa o que somos por nascimento natural, e o ‘Espírito’, o que nos tornamos pelo novo nascimento, o nascimento do Espírito”[18]. A palavra andar é usada metaforicamente para descrever todo modo de viver[19] de uma pessoa crente (cf. Ef 2.10; 5.2, 8; Cl 2.6; 1Ts 2.12; 4.1).

Isso é uma verdade, pois o Espírito Santo e a carne (natureza pecadora), opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis (v.17b), isto é, o Espírito e a carne tem desejos diferentes, e é isso que gera conflitos espirituais no interior do cristão. Portanto, a argumentação paulina é a seguinte: quando os irmãos querem andar segundo os desejos da natureza pecadora, o Espírito Santo se opõe a esse desejo, e quando eles querem caminhar no Espírito, a carne mina as suas intenções. “Não é de se admirar que ocorra tamanho conflito dentro do cristão. A pessoa não salva não enfrenta essa batalha, pois não tem o Espírito Santo”[20].

William Hendriksen fala sobre essa batalha para três grupos diferentes de pessoas: 1) o libertino não sente esse conflito porque segue suas inclinações naturais; 2) o legalista que confia em si mesmo não consegue vitória nesse conflito; 3) o crente experimenta um conflito agonizante, mas alcança a vitória, pois o Espírito que nele habita o capacita a triunfar.[21]

Para Paulo, a vida na carne e a vida sob lei são, na prática, equivalentes. Pois, ambas produzem os mesmos resultados: o fracasso moral e o medo terrível do juízo.[22] Porém, a solução não é lutar contra a carne, mas se entregar à vontade do Espírito Santo. Wiersbe diz que o v.18, literalmente, significa: Mas se forem voluntariamente conduzidos pelo Espírito, então não estarão debaixo da lei.[23]

Portanto, seguindo a direção do texto paulino, a verdadeira liberdade do evangelho que está em andar no Espírito implica em (1) não produzir as obras da carne, mas (2) permitir a frutificação do fruto do Espírito Santo.

1. Não produzir as obras da carne – vv.19-21

Agora, depois de falar do conflito entre a carne e o Espírito na vida do salvo, Paulo passa a falar sobre as obras da carne na vida daqueles que não herdarão o Reino de Deus. Essa lista, embora extensa, não é exaustiva, pois não esgota todas as obras da carne, uma vez que Paulo conclui dizendo: “... e coisas semelhantes a estas” (v.21)[24]

Paulo classifica as obras da carne em quatro categorias: (1) pecados sexuaisv.19; (2) pecados religiososv.20; 3) pecados sociaisv.20, 21a; e (4) pecados pessoais – v.21b.

1) Pecados sexuais – v.19a) Adultério e fornicação (prostituição na ARA) – A palavra grega porneia, traduzida por adultério e fornicação, refere-se a toda sorte de pecado sexual, seja adultério, fornicação, masturbação, incesto ou homossexualismo. Trata-se de um termo amplo que descreve toda sorte de relacionamentos sexuais ilícitos e imorais; b) Impureza – A palavra grega akatharsia, traduzida por impureza, é um termo mais geral, o qual, embora às vezes possa denotar impureza ritual, refere-se aqui à impureza moral. Essa impureza inclui a impureza dos atos, palavras, pensamentos e intenções do coração; c) lascívia – A palavra grega aselgeia, traduzida por lascívia, significa literalmente a libertinagem de modo geral, mas sem dúvida é usada aqui para a lascívia nas relações sexuais.[25]

2) Pecados religiosos – v.20aa) Idolatria – A palavra grega eidolatria, traduzida por “idolatria”, refere-se à adoração de deuses feitos pela mão do homem. É o pecado no qual as coisas materiais chegam a ocupar o lugar de Deus; b) Feitiçaria – A palavra grega pharmakeia, traduzida por feitiçarias, significa uso de remédios ou drogas. O termo significa também o uso de drogas com propósitos mágicos. A linha divisória entre a medicina e a magia não era muito nítida naqueles dias, como continua ocorrendo em muitas culturas tribais hoje em dia.[26] Mas, é evidente que a Bíblia proíbe a magia, bem como todas as práticas do ocultismo (cf. Dt 18.9-22).[27]

3) Pecados sociais – vv.20b, 21a – Esses oito pecados envolvem transgressões ligadas aos relacionamentos. Inimizades é uma atitude mental que provoca e afronta outras pessoas. Porfias e emulações (ciúmes) referem-se a rivalidades. As iras são acessos de raiva, e as pelejas (discórdias) dizem respeito às ambições interesseiras e egoístas que criam divisões na igreja. Dissensões e heresias (facções) são termos análogos; o primeiro sugere divisão, e o segundo, rompimentos causados por um espírito partidário. O termo grego para heresias significa fazer uma escolha. As invejas indicam rancores e o desejo profundo de ter aquilo que os outros têm[28], ao ponto de cometer homicídios para possuir aquilo que se deseja ardentemente.

4) Pecados pessoais – v.21ba) Bebedices – a palavra grega methai, traduzida por bebedices, refere- se à pessoa que se embriaga na busca de sensualidade ou prazer. No mundo antigo tratava-se de um vício comum. Os gregos bebiam mais vinho do que leite. Até as crianças bebiam vinho. A embriaguez, contudo, transforma homens em feras; b) Glutonarias – a palavra grega komoi, traduzida por glutonarias,    refere-se a uma busca desenfreada pelo prazer, seja em relação à comida ou a qualquer prazer. A palavra pode ser traduzida também por orgias.[29]

v.21b – e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus. Portanto, Paulo não está falando de um ato pecaminoso, mas sim do hábito de pecar. Aqueles que praticam o pecado não herdarão o Reino de Deus. Aqueles que vivem na prática do pecado e não se deleitam na santidade nem mesmo encontrariam ambiente no céu.

Todos os cristãos têm desejos naturais para o mal e não os podemos ignorar. Para andar no Espírito Santo devemos enfrentá-los com decisão (crucificá-los5.24). Estes desejos incluem pecados óbvios tais como imoralidade sexual e feitiçaria. Também incluem pecados menos óbvios como a ambição, o ódio e o ciúmes. Ignorar esses pecados ou recusar enfrentá-los revela a falta da presença do Espírito Santo que guia e transforma nossa vida.[30]

O reino de Deus é algo tão grande que naturalmente não pode ser merecido nem pago por ninguém. Somente pode-se herdá-lo, a saber, como co-herdeiro com Cristo (Gl 3.29; 4.7). A primeira cota do céu nós ganhamos por meio do recebimento do Espírito Santo[31]. Agora pode ser formulado o que se segue: Andar no Espírito na verdade não traz o céu, mas constitui condição para permanecer no céu. Simplesmente não se pode receber o Espírito sem que haja consequências, sem trazer o fruto correspondente. Isso seria uma chance impossível e uma profunda tristeza para o Espírito (cf. Ef 4.30).[32]

2. Permitir a frutificação do fruto do Espírito Santo – vv.22-26

O fruto do Espírito tem origem sobrenatural, crescimento natural e maturidade gradual. Há três verdades importantes sobre o fruto do Espírito: 1) a natureza do frutoo fruto de que Paulo está tratando é a criação do Espírito Santo. Ele não brota da nossa natureza, nem é produto da educação mais refinada; 2) sua variedadeesse fruto é variado, uma vez que Paulo menciona nove virtudes morais que são produzidas pelo próprio Espírito; e 3) seu cultivoesse fruto precisa ser cultivado de forma espontânea para que se torne proveitoso e assaz saboroso.[33]

Paulo não fala de frutos, mas do fruto que são nove virtudes como que gomos de um mesmo fruto. Não se pode ter um fruto e ser desprovido dos outros. Essas nove virtudes produzidas pelo Espírito Santo no cristão, podem ser classificadas em três áreas: 1) a atitude do cristão para com Deusv.22a; 2) a atitude do cristão para com outras pessoasv.22b; e 3) a atitude do cristão para com ele mesmovv.22c.[34]

(1) A atitude do cristão para com Deusv.22a. Essa tríade tem a ver com nossa relação com Deus, pois o primeiro amor do cristão é o seu amor a Deus, sua principal alegria é a sua alegria em Deus e a sua paz mais profunda é a sua paz com Deus:[35]

ð Amor – A palavra grega agape, traduzida por amor, inclui tanto amor a Deus como o amor ao próximo. Na língua grega há quatro termos para amor: 1) Eros é o amor de um homem por uma mulher; é o amor imbuído de paixão; 2) Fileo ou filia que é o amor caloroso para os nossos achegados e familiares. É um sentimento profundo do coração. É aplicado também para filantropia; 3) Storge aplica-se particularmente ao amor dos pais pelos filhos, dos filhos pelos pais e de irmãos para com irmãos; e 4) Agape é o termo cristão e significa benevolência invencível.

ð Alegria (gozo) – A palavra grega chara, traduzida por alegria, é a alegria fundamentada num relacionamento consistente com Deus. Não é a alegria que provém das coisas terrenas ou triunfos passageiros, nem mesmo é a alegria de triunfar sobre um rival; antes, é o gozo que tem Deus como seu fundamento.

ð Paz – A palavra grega eirene, traduzida por paz, refere-se fundamentalmente à paz com Deus. Era usada para descrever a tranquilidade e a serenidade que goza um país sob um governo justo. Significa não apenas ausência de problemas, mas, sobretudo, a consciência de que nossa vida está nas mãos de Deus.

(2) A atitude do cristão para com outras pessoas – v.22b. Essas três virtudes estão conectadas com a nossa relação com o próximo: 1) Longanimidade (gr. makrothumia) é paciência para com aqueles que nos irritam ou perseguem. Trata-se de paciência para suportar injúrias de outras pessoas. Descreve uma pessoa que, tendo condições de vingar-se, não o faz; 2) Benignidade (gr. crestotes) é uma questão de disposição, ou seja, uma disposição gentil e bondosa para com os outros. Poderia ser traduzida também como amabilidade que é a benevolência nas atitudes, uma virtude visivelmente social; e 3) Bondade(gr. agathosyne) refere-se a palavras e atos. A bondade pode reprovar, corrigir e disciplinar visando o bem; mas a benignidade só pode ajudar. Um exemplo é o de Jesus que, mostrou bondade (gr. agathosyne) quando purificou o templo e expulsou os que o transformaram em um mercado, mas manifestou benignidade (gr. crestotes) quando foi amável com a mulher pecadora que lhe ungiu os pés.

(3) A atitude do cristão para com ele mesmo – vv.22c: 1)(Fidelidade) – (gr. pistis) significa lealdade. Descreve a pessoa que é digna de confiança; 2) Mansidão – (gr. prautes) significa dócil submissão. E poder sob controle. A palavra era usada para um animal que foi domesticado e criado sob controle; e 3) Temperança (domínio próprio) – (gr. egkrateia) significa autocontrole, domínio dos próprios desejos e apetites. Aplicava-se à disciplina que os atletas exerciam sobre o próprio corpo e o domínio cristão do sexo (cf. 1Co 9.25; 7.9).

v.23 – A lei existe para propósitos de restrição, mas, quanto a estas virtudes, nada existe para limitá-las (cf. 1Tm 1.9-10). Essa mesma verdade foi declarada em outra passagem – cf. Rm 8.4.[36]

v.24 – Estamos ligados a Cristo na sua crucificação, morte, sepultamento, ressurreição e ascensão. Estamos assentados com Cristo nas regiões celestiais, acima de todo principado e potestade. Devemos assumir essa posição e andar nela (cf. 2.20; 5.24; Rm 6.6). Concordo com John Stott quando afirma que nós é que agimos aqui. Já a rejeição que o cristão faz de sua velha natureza tem de ser impiedosa, dolorosa e decisiva. Warren Wiersbe enfatiza que a crucificação é um tipo de morte que ninguém pode aplicar sobre si mesmo. Por isso, Paulo afirma que a carne já foi crucificada. E nossa responsabilidade crer nisso e agir de acordo.[37]

v.25 – Vivemos no Espírito segundo a disposição divina, por meio do dom do Espírito na conversão. Mas andamos em Espírito por uma questão de vontade pessoal, dando cada passo na dependência dEle.[38] Se o Espírito habita em nós e em nós produz seu fruto (as nove virtudes), precisamos agora andar no Espírito. Não pode existir inconsistência em nossa vida. O verbo grego stoichomen, “andemos”, significa ficar numa fila, caminhar em linha reta, comportar-se adequadamente. O tempo presente do termo aponta para a ação habitual contínua.[39]

Deus está interessado em cada parte de nossas vidas, não só espiritual. Ao viver pelo poder do Espírito Santo, devemos render cada aspecto de nossa vida a Deus: emocional, física, social, intelectual, vocacional. Paulo diz: É salvo, portanto, viva de acordo a esta realidade! O Espírito Santo é a fonte de sua nova vida, de modo que caminhe com Ele. Não permita que nada ou ninguém mais determine seus valores e normas em qualquer área de sua vida.[40]

v.26 – A exortação de Paulo aqui é em relação ao orgulho e a inveja que, são obras da carne e não fruto do Espírito. Ele exorta a nos precavermos desse erro, pois a vangloria (gr. kenodoxia), nada mais é do que a ambição ou o anelo por honras, por meio dos quais cada pessoa deseja exceder as demais. A palavra refere-se a uma pessoa que sabe como tentar conseguir um respeito ao qual não faz jus, e demonstra, por suas ações, conversa fiada, vangloria e ambição. Dos muitos males existentes em nossa sociedade e, particularmente, na igreja, a ambição é a mãe de todos eles. Entre os crentes, aquele que deseja glória humana se aparta da verdadeira glória. Não é lícito nos gloriarmos, exceto em Deus. Qualquer tipo de glória é pura vaidade. Provocar uns aos outros e ter inveja uns dos outros são atitudes filhas da ambição.[41]

É verdade que todos necessitamos de certa medida de aprovação de outros, mas aqueles que se separam do caminho de Deus, em busca de honras ou para ganhar popularidade, mostram que não são guiados pelo Espírito Santo. Aqueles que esperam a aprovação de Deus não precisarão invejar a outros. Por ser filhos e filhas de Deus, temos seu Espírito Santo como a garantia amorosa de sua aprovação.[42]

Concluindo

A carne pode produzir resultados que atraem o louvor e a honra dos homens, mas não é capaz de produzir fruto que glorifique a Deus. Somente o Espírito Santo pode produzir o fruto que glorifica a Deus. Somente Ele pode conceder liberdade do pecado e do ego. Ele nos permite cumprir a lei do amor, vencer a carne e dar fruto.

Lições a aplicações:

1) Todo crente tem que lutar para preservar a sua liberdade espiritual, principalmente por causa das ameaças dos falsos ensinos legalistas e licenciosos.
2) Todo crente vive uma luta espiritual interior da carne contra o Espírito, e que somente pela atuação do Espírito Santo na sua vida, é que ele pode vencer essa luta espiritual.
3) Todo crente nasceu pelo Espírito, vive no Espírito e será vitorioso se andar no Espírito Santo.


Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira




[1] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da liberdade, Editora Hagnos, p. 215.
[2] Hendriksen, William. Gálatas, Editora Cultura Cristã, 1999, p. 276.
[3] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas & Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 21.
[4] Lopes, p. 216.
[5] Lopes, p. 216-218.
[6] Lopes, p. 222.
[7] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015, p. 139.
[8] Moody, Comentário Bíblico. Gálatas, p. 30.
[9] Davidson, F. Novo Comentário da Bíblia, 1963, Bible Software theWord, Gálatas 5.5, 6.
[10] Moody, p. 30.
[11] Davidson, Gl 5.6.
[12] Casimiro, p. 22.
[13] Lopes, p. 234.
[14] Lopes, p. 234.
[15] Lopes, p. 234-237. Esse ponto segue literalmente o comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[16] Casimiro, p. 23.
[17] Lopes, p. 238.
[18] Lopes, p. 238.
[19] Simmons. William. Comentário Bíblico Pentecostal, Novo Testamento, Volume 2, CPAD, Gálatas, 2012, p. 376.
[20] Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo – Novo Testamento 1 – Gálatas, Ed. Geográfica, 2007, p. 939.
[21] Lopes, p. 240.
[22] Simmons, p. 376.
[23] Wiersbe, p. 939.
[24] Lopes, p. 241. Há outras listas de pecados semelhantes a essa nos escritos de Paulo – Rm 1.18-32; 1Co 5.9-11; 6.9; 2Co 12.20, 21; Ef 4.19; 5.3-5; Cl 3.5-9; 1Ts 2.3; 4.3-7; 1Tm 1.9, 10; 6.4, 5; 2Tm 3.2-5; Tt 3.3, 9, 10.
[25] Lopes, p. 243.
[26] Lopes, p. 244.
[27] Wiersbe, p. 939.
[28] Lopes, p. 244.
[29] Lopes, p. 246.
[30] Comentários da Bíblia Diario Vivir (ESP). Bible Software theWord, Gálatas 5.21.
[31] Rm 8.23; 2Co 1.22; 5.5; Gl 3.2; 4.6; Ef 1.14.
[32] Comentário Bíblico Esperança, Bible Software theWord, Gálatas 5.21.
[33] Lopes, p. 247, 248.
[34] Lopes, p. 248.
[35] Lopes, p. 248-250. Esse ponto segue literalmente o comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[36] Moody, p. 35.
[37] Lopes, p. 251.
[38] Moody, p. 35.
[39] Lopes, p. 251.
[40] Diario Vivir, Gálatas 5.25.
[41] Lopes, p. 252.
[42] Diario Vivir, Gálatas 5.26.

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