domingo, 27 de dezembro de 2015

Estudos Bíblicos na Carta aos Hebreus (13) - A prática da vida cristã

Hebreus 13

Em nossos estudos anteriores vimos:

ð No capítulo 1.1-4 – A introdução à Carta aos Hebreus e que Jesus é a revelação superior; nos capítulos 1.5-2.4Que Jesus é superior aos anjos; no capítulo 2.5-18A humanidade perfeita de Jesus; nos capítulos 3-4O perigo da apostasia e o repouso prometido; no capítulo 5Uma compreensão correta do sacerdócio de Jesus Cristo; no capítulo 6O caminho da maturidade e a sua garantia; no capítulo 7O sacerdócio de Jesus Cristo é de ordem superior; no capítulo 8 – Jesus estabeleceu uma aliança superior; no capítulo 9Jesus estabeleceu u santuário superior; no capítulo 10Jesus realizou um sacrifício superior; no capítulo 11A verdadeira e perseverante fé; e no capítulo 12O segredo da perseverança.

Terminamos o estudo do capítulo 12 com a afirmação:
                                                                                                                                 
Tudo quanto conhecemos, exceto as realidades e seres espirituais, passará. Devemos tornar nossa prioridade principal tratar com Deus, agradecendo-o por sua misericórdia, passando todos os nossos dias em seu serviço, reverenciando-o e vivendo uma vida em piedoso temor a Ele.

No capítulo 13, o autor “concentra-se em alguns aspectos éticos práticos e essências da vida cristã. Esses aspetos éticos ajudam a descrever o verdadeiro evangelho para o mundo, incentivar os outros a crerem em Cristo e trazer glória a Deus”.[1]

Ele encerra sua carta chamando os irmãos para uma vida de testemunho. Eles precisavam mostrar o que criam através de suas vidas. O comportamento deles revelaria a sua real identidade cristã.

Jesus disse sobre a vida dos cristãos: Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo... Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. (Mt 5.13a; 14a; 16)

Agostinho disse com bastante propriedade: “testemunhar não é algo que fazemos; é algo que somos”. Robert Murray diz que “o crente é aquele cuja vida leva outros a crerem com mais facilidade”. Billy Graham diz que “a maior necessidade do mundo hoje é de cristãos com maturidade espiritual, que não somente tenham professado sua fé em Cristo, mas que vivam essa fé cada dia”. Arival Dias Casimiro diz “o mundo precisa conhecer a Jesus e contemplar o evangelho na vida dos cristãos”.[2]

Por isso, hoje, vamos estudar o capítulo 13 com o tema “A vida cristã na prática”. Faremos isso em quatro pontos: 1º) É uma vida de deveres sociais13.1-3; 2º) É uma vida de pureza e contentamento 13.4-6; 3ª) É uma vida de atitude apropriada em relação aos líderes espirituaisvv.7-14, 17; 4º) É uma vida que adora a Deus, serve as pessoas e desfruta dos privilégios espirituaisvv.15-25.

I. É uma vida de deveres sociais – 13.1-3

1.    Amor fraternal – v.1.

O tipo de amor ao qual o autor se refere é fraternal, isto é, “amor entre irmãos espirituais, os filhos de Deus”[3]. Os irmãos são desafiados a persistir na fé cristã com essa expressão prática de amor. “Nos servimos a Deus ao amar os outros crentes com o amor fraternal”[4]. Por isso, a Igreja não é uma organização, sociedade ou clube e sim uma fraternidade, onde todos são irmãos.

O amor fraternal é um mandamento bíblico – Rm 12.10; 1Ts 4.9; 1Pe 1.22; 2Pe 1.7. A prática desse amor deve ser constante. A fé opera pelo amor, mas quando a fé está em crise, o amor pode esfriar.[5] (cf. Mt 24.12)

2.    Hospitalidade – v.2.

A hospitalidade era muito importante no primeiro século da era cristã, devido as condições desfavoráveis, física e moralmente, das pensões naquela época. Por isso o Novo Testamento ressalta a importância do lar cristão, descrevendo-o como lugar que esteja aberto a todos quantos pertencem a família de Deus.[6]

A hospitalidade não deve ser negligenciada. Ela é ordenada a todos os cristãos e exigida dos líderes da igreja (Rm 12.3; 1Tm 3.2; Tt 1.8). Ela é considerada uma prova do amor cristão e deve ser mostrada aos irmãos na fé, aos pobres, aos estrangeiros e até aos inimigos[7] (cf. 1Tm 5.10).

O autor ressalta que as pessoas hospitaleiras muitas vezes são recompensadas com surpresas maravilhosas. Mas, o argumento do autor não se apresenta como a motivação maior para a hospitalidade, porém, para revelar que nunca se sabe a extensão que pode ter um ato de bondade e acolhimento. Foi exatamente isso que aconteceu com Abraão (Gn 18.1-3), Ló (Gn 19.1, 2), Gideão (Jz 6.11-24) e Manoá (Jz 13.6-20).[8]

3.    Piedade – v.3.

O verbo lembrar não envolve somente um ato mental, mas uma atitude de ir ao encontro daquele que precisa. Lembrar, aqui, é sinônimo de visitar (cf. Sl 8.4). A visitação aos necessitados, presos e maltratados, era uma prática comum na vida da igreja primitiva (cf. Hb 10.34). Tiago diz que a religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo. (Tg 1.27) Um dos critérios que Deus usará no juízo final será o da visitação (Mt 25.42, 43).[9]

Os cristãos deveriam ser capazes de se identificar com o sofrimento de outros porque eles também sofrem dor física e passam por dificuldades.[10]

II. É uma vida de pureza e contentamento – 13.4-6

1.    Pureza nos relacionamentos afetivos – v.4.

O ensino do autor sobre o casamento é muito equilibrado, pois na sua época os laços do matrimônio significavam muito pouco. E isso gerou, por parte da igreja, dois ensinos extremistas: o celibato e o ascetismo, ou seja, os cristãos não deveriam se casar, não podiam ter nada a ver com o sexo e deveriam tratar seus corpos com severidade. Ele afirma que o casamento é um relacionamento digno.[11]

Aqui temos três lições importantes: 1ª) Todo crente deve considerar o casamento como algo precioso; 2ª) A maneira bíblica de valorizarmos o casamento é mantendo a santidade sexual (cf. Êx 20.14; Dt 5.18); e 3ª) Deus julgará todos os impuros e adúlteros – as pessoas sexualmente imorais e impuras um dia terão de responder por seus pensamentos, palavras e ações e o farão diante de Deus no juízo final. (cf. 1Co 6.9, 10)

Olyott diz que “o caminho de Deus é de castidade fora do laço do casamento e de prazer dentro desse vínculo. Os cristãos coerentes são parceiros fiéis e amorosos que criam e conservam lares estáveis, cheios de amor.”[12]

2.    Contentamento em relação aos bens materiais – v.5, 6.

As palavras do autor aqui se referem à cobiça geral e, em particular, ao amor ao dinheiro. Ele mostra que a invejosa ansiedade por posses materiais é tão grave pecado quanto os de natureza sexual. A conduta cristã deve estar livre tanto de descontentamento material quanto de imoralidade sexual. O caminho de Deus para o cristão é de contentamento, não o da cobiça. Significa “usar o que tem”, em vez de “desejar ter mais”.[13]

Cobiçar riquezas materiais é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé (1Tm 6.10; 3.3). O contentamento como o que Deus tem dado ao crente é remédio para a avareza. O fato da presença de Deus na vida do cristão dá a certeza de que ele suprirá as suas necessidades.

Usando um verso do Salmo 118.6, o autor, encoraja os irmãos a fazerem uma declaração de fé e não temer os seus perseguidores permanecendo firmes na fé – v.6.

III. É uma vida de atitude apropriada em relação aos líderes espirituais – vv.7-14, 17

1.    Respeito aos líderes que já morreram – v.7.

A recomendação aqui é para considerar os líderes que já não estão mais neste mundo. O cristão deve lembrar deles, de suas pregações, ensinos e orações. Olhar atentamente como viveram e o resultado do seu viver piedoso. Finalmente deve imitar a fé que eles tiveram.

Além da lista dos fiéis do capítulo 11, o escritor faz os hebreus se lembrarem de seus próprios líderes fiéis dentro da igreja. Ao fazê-lo, ele define os deveres dos pastores: 1) dirigir; 2) falar a Palavra de Deus; e 3) estabelecer o modelo de fé que o povo deve seguir (cf. At 20.28; 1Tm 3.1-7; Tt 1.5-9).[14]

2.    Jesus não mudou e é o exemplo de líder maior – vv.8-14.

O v.8 possivelmente fazia parte de uma antiga confissão cristã de fé, dando a entender que, enquanto os líderes humanos vêm e vão, o verdadeiro líder do cristão permanece. A continuidade de nossa comunhão com Cristo se baseia em nossa crença na constância dele. Assim, as muitas doutrinas que requerem a nossa lealdade precisam ser julgadas pela verdade revelada a nós em Cristo. Qualquer ensinamento que nos afaste dele precisa ser recusado[15] (v.9).

[16]O v.9 é uma advertência a todos os irmãos que ainda estavam presos ao legalismo e cerimonialismo da Antiga Aliança. Eles não poderiam ser crentes na Nova Aliança sem romper com as tradições do cerimonialismo levítico.

Nos vv.10-14 temos três lições importantes para os cristãos: 1ª) Estamos sob a graça de Deus e livres de todas as regras de alimentação da lei mosaica (cf. At 10.9-16; Lv 11; Rm 14.17); 2ª) O altar do cristão da Nova Aliança é a pessoa de Jesus Cristo. Ele é tanto o nosso altar quanto o nosso sacrifício (v.12; Lv 16; Jo 19.17, 19; 2Co 5.21). Jesus se fez pecado por nós, morrendo fora da cidade. Ele morreu em nosso lugar e nos livrou de toda culpa e condenação; e 3ª) O cristão, à semelhança de Cristo paga o preço de viver a sua fé num mundo hostil (v.13).

Originalmente, o autor chama os irmãos para servir e sofrer por Jesus, fora do cerimonialismo judaico. Em sentido amplo, todo crente deve ser sal fora do saleiro, consciente de que isso gera sofrimento. Mas, é um sofrimento passageiro, porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura (v.14).

Portanto, tendo Cristo morrido como oferta pelos pecados, os crentes deviam demonstrar, por meio de Jesus, uma conduta adequada aos redimidos (vv.14-16). 1º) Deviam fixar sua esperança não nas ordenanças do Velho Testamento, mas na cidade celestial e na perspectiva celestial; 2º) deviam louvar e agradecer a Deus, uma vez que o fruto dos lábios devia ser o transbordamento de um coração cheio; 3º) deviam mostrar benevolência de todo o tipo, pois Deus não se esquece disto; e 4º) deviam ser obedientes e submissos. Agradar a Deus poderia finalmente ser reduzido a três práticas ou atitudes fundamentais, todas mencionadas nesta passagem: louvor, obediência e submissão[17] (v.17).

3.    Obediência aos líderes que estão vivos – v.17.

Agora os irmãos são encorajados a obedecer aos seus líderes e ser submissos para com eles. Eles deveriam fazer isso reconhecendo a responsabilidade especiais dos líderes cristãos e a necessidade de encorajá-los na sua função ordenada por Deus.[18]

Nesse versículo há uma sequência lógica: 1º) os crentes devem obedecer e serem submissos aos seus líderes espirituais (v.17a); 2º) os líderes devem levar a sério o trabalho de pastoreio (v.17b) – velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas, isto é, eles prestarão contas a Deus do seu ministério; 3º) líderes e liderados experimentam prazer e alegria quando ambos fazem o que lhes é ordenado por Deus (v.17c). Se não for assim haverá tristeza e isso não vos seria útil (v.17d).

IV. É uma vida que adora a Deus, serve as pessoas e desfruta dos privilégios espirituais – vv.15-25

1.    Adoração a Deus e serviço do bem – vv.15, 16.

A adoração no culto a Deus não é uma opção do cristão, mas um dever seu. A adoração é feita com a nossa vida e durante todo o período desta. Deduzimos do texto alguns princípios do culto na Nova Aliança: 1º) É uma ofertaofereçamos; 2º) É dirigido unicamente a Deus – a Deus; 3º) É mediado por Jesus Cristo – por ele; 4º) É oferecido por meio de louvor – sacrifício de louvor; 5º) é a expressão de um novo estado espiritual – fruto dos lábios que confessam o seu nome; 6º) É confessional – confessam o seu nome; 7º) É ininterrupto – sempre; 8º) É acompanhado por atos de amor fraternal, isto é, serviço do bem: beneficência e comunicaçãov.16.

2.    Desfrutar dos privilégios espirituais – vv.18-25.

Agora, autor encerra a carta com algumas recomendações pessoais e uma bênção:

1ª) Ele pede oração por si mesmo e pelos seus companheiros de ministério (vv.18, 19) – ele é um homem humilde, pois reconhece a sua necessidade de oração e confia nela para que sejam preservadas a sua integridade e comportamento, juntamente com sua equipe de ministério. Ele deseja visita-los e isso também faz parte de seu pedido de oração (v.18, 19);[19]

2ª) Ele abençoa os irmãos a quem está escrevendo (vv.20, 21) – a benção proferida apresenta alguns privilégios espirituais: (1) O Deus dos cristãos é o Deus da paz; (2) Os cristãos tem um grande e imortal pastor; (3) Os cristãos vivem em uma Nova Aliança; (4) Os cristãos são aperfeiçoados por Deus para cumprir a sua vontade; (5) Os cristãos tem um Deus que opera neles para que vivam de forma agradável em sua presença e para a sua glória.[20]

3ª) Ele pede aos irmãos que suportem a exortação contida na carta e informa que Timóteo já está em liberdade, sugerindo que logo eles possam visitá-los – vv.22, 23.

4ª) Ele se despede dos irmãos com saudações – v.24 – e acrescenta as saudações dos da Itália, o que sugere que estava na companhia deles.

5ª) Ele dá a sua benção pastoral: A graça seja com todos vós. Amém (v.25). Essa é uma bênção convencional nas cartas do Novo Testamento e muito apropriada para os irmãos hebreus, com sua ênfase contínua na graça de Deus demonstrada pelos cristãos no Senhor Jesus Cristo. (cf. 2Tm 4.22; Tt 3.15)

Concluindo

Graça é a grande e final palavra do evangelho cristão, a graça de Deus, que nos deu o nosso grande Sumo Sacerdote, que ofereceu o seu próprio sangue por nós e agora está no santuário celestial, intercedendo por nós, até que nós também possamos entrar na plena e final presença de Deus, para estar entre os justos aperfeiçoados.[21]

Ora, o Deus de paz, que pelo sangue da aliança eterna tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor das ovelhas, Vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que perante ele é agradável por Cristo Jesus, ao qual seja glória para todo o sempre. Amém.
vv.20, 21

Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 25/12/15


[1] MacArthur, John. Bíblia de Estudo MacArthur, SBB, 2010, p. 1712.
[2] Casimiro, Arival Dias. Revista Exposição Bíblica – Estudos Expositivos na Carta aos Hebreus, Z3 Editora, 2013, 13ª Lição, p. 60.
[3] Casimiro, p. 60.
[4] Carson, D. A. Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, SP, 2009, p. 2027.
[5] Casimiro, p. 60.
[6] Olyott, Stuart. A Carta aos Hebreus bem explicadinha, Editora Cultura Cristã, 2012, p. 128.
[7] Casimiro, p. 61.
[8] MacArthur, p. 1712.
[9] Casimiro, p. 61.
[10] MacArthur, p. 1713.
[11] Olyott, p. 130.
[12] Ibid., p. 130.
[13] Ibid., p. 130.
[14] MacArthur, p. 1713.
[15] Comentário Bíblico Broadman, Volume 12 – Hebreus a Apocalipse, JUERP, 1987, p. 114.
[16] Casimiro, p. 63. Esses três parágrafos seguem o comentário da lição, com cortes e acrescimentos julgados necessários.
[17] Comentário Bíblico Moody, Hebreus, p. 62.
[18] Carson, p. 2029.
[19] Casimiro, p. 64.
[20] Casimiro, p. 64.
[21] Broadman, p. 119.

Estudos Bíblicos na Carta aos Hebreus (12) - O segredo da perseverança

Hebreus 12

O que vimos no estudo anterior, no capítulo 11?

ð A verdadeira e perseverante fé ” em dois pontos: 1º) A verdadeira fé definida e ilustradavv.1-16; e 2º) A verdadeira fé é perseverantevv.17-40

Terminamos com a afirmação:
                                                                                                                                 
A prova final da fé cristã autêntica do crente, será o fato dele permanecer nela até o dia da sua morte. Nos seus últimos momentos, ainda permanecer olhando à frente. Quando tiver perdido tudo o mais, até mesmo os últimos resquícios da sua saúde e consciência – na fé permanecer!

Por isso, podemos dizer que, “o único caminho seguro para um cristão professo é perseverar, continuar, andar sempre em fé. Aqueles que possuem fé genuína vivem e morrem pela fé”[1].

Hoje, no capítulo 12, vamos ver sobre o segredo da perseverança em três pontos: 1º) Continuar vivendo pela fé – vv.1-4; 2º) Aceitar a disciplina divina – vv.5.-; e 3º) Entender os privilégios e responsabilidades do crente – vv.18-29.

I. Continuar vivendo pela fé – vv.1-4

Esse é um assunto que o autor tem insistido desde o início – permanecer na fé. Então, após falar sobre o testemunho dos heróis da fé do Antigo Testamento, ele diz, “portanto (v.1a), ou seja, à luz do que acabei de falar, tenho mais uma coisa a dizer[2].

1. v.1 – A sugestão, aqui, é que a vida cristã é mais uma maratona do que uma corrida de curta distância. E, nessa carreira há uma grande nuvem de testemunhas (v.1a), isto é, aqueles que já terminaram a corrida e estão torcendo por nós. Mas, o que nós vemos neles, e não o que eles veem em nós, é que é o ponto central do autor. Eles são testemunhas da verdadeira fé para nós porque Deus testemunhou da fé deles nas páginas da Bíblia.[3]

Para continuar é preciso deixar todo o embaraço (v.1b), isto é, deixar tudo aquilo que atrapalhe a vida cristã. Algumas coisas que necessitam ser largadas não são em si mesmas erradas, mas se impedem a afetividade espiritual, enfraquecem a fé, abalam o zelo, reduzem a força para resistir à tentação e tendem a escravizar, precisam com urgência serem deixadas de lado.
E o pecado que tão de perto nos rodeia (v.1c), ou seja, “tudo que quebre os Dez Mandamentos ou não reflita o seu espírito, tudo que não se alinhe com a Palavra de Deus e tudo que difira do caráter de Jesus Cristo é pecado”[4] e precisa ser deixado de vez.

E corramos com paciência a carreira que nos está proposta (v.1d). A palavra carreira, segundo Donald Guthrie, significa uma prova rigorosa de resistência. O que fazer para permanecer na corrida: 1º) Olhar ao redor e se inspirar naqueles que já completaram a prova; 2º) Olhar para si mesmo; e 3º) Olhar para frente (v.2).

2. v.2-3 – O autor agora dá três razões para focar a atenção em Jesus e sempre tê-lo em mente: 1ª) A fé cristã vem dele e por ele é sustentada até o fim (v.2a); 2ª) Aprender do seu exemplo (v.2b); e 3ª) Entender o que acontecerá se não estiver olhando para ele (v.3) – é importante observar que as palavras do v.3 sugerem que a desistência pode ocorrer em uma de duas formas: algumas pessoas desistem da fé em colapso repentino e total ou experimentam uma queda gradativa de energia, perdendo a força pouco a pouco até cair de vez. Ambas são igualmente perigosas, porque as duas levam as pessoas a desistirem totalmente da fé em Cristo.[5]

3. v.4 – Aqui temos uma palavra de consolo, onde os irmãos são informados de que não sofreram, em seu combate contra o pecado, como Jesus Cristo sofreu – até ao sangue. (cf. Jo 16.33) “Jesus Cristo não somente nos inspira, mas nos capacita a perseverar na fé”[6].

Portanto, “temos de nos dispor com determinação a prosseguir espiritualmente, venha o que vier. Isso requer que estejamos próximos do Senhor Jesus Cristo, em quem pensamos sempre, cujo exemplo seguimos e de cuja força dependemos completa e constantemente”[7].

II. Aceitar a disciplina divina – vv.5-17

O autor, agora, modifica sua ilustração da corrida, passando agora a falar da família em sua argumentação sobre a perseverança na fé. Ela usa a família para falar sobre a disciplina de Deus em relação aos seus filhos. Toda família para funcionar bem precisa de ordem e disciplina. E na família de Deus também é assim. Por isso, se uma pessoa se diz filho de Deus e está sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos (v.8). Assim, devemos suportar a disciplina de Deus, o Pai, por quatro razões:[8]

1. Primeira – a disciplina é um ensino bíblico (vv.5, 6). O autor cita Provérbios 3.11, 12 para enfatizar e fundamentar que a disciplina divina é uma doutrina bíblica. A expressão filhos refere-se a filhos adultos, que foram adotados pelo Pai (cf. Rm 8.14-18; Gl 4.1-7). A disciplina bíblica é instrutiva, corretiva e preventiva.
2. Segunda – A disciplina divina é necessária (vv.7-10). A experiência comprova a necessidade de disciplina por três razões: 1ª) ela é necessária para comprovar a filiação do crente na família de Deus – somos filhos por isso somos corrigidos – v.7; 2ª) ela é necessária por que prova o amor de Deus por seus filhos – v.6, 8, 9 (cf. 2Co 12.7-10); e 3ª) ela é necessária para o aperfeiçoamento espiritual do filho de Deusv.10.

3. Terceira – A disciplina divina produz benefícios (vv.11-13). Num primeiro momento a disciplina gera tristezas e questionamentos. Mas, com o tempo, observamos que a disciplina gera justiça e paz na vida daqueles que são disciplinados (v.11). A disciplina deve nos motivar a vencer o desanimo, caminhar na retidão e curar as feridas da alma (vv.12, 13; cf. Is 35.3).

Olyott faz o seguinte comentário sobre a disciplina: Não podemos desprezar a disciplina do Senhor (v.5) nem desanimar quando ela nos sobrevém (v.5b). Devemos, em vez disso, submetermo-nos a ela (v.9b) e considerá-la como prova convincente de que ele nos aceita como seus filhos (v.7), pois quer tão somente o bem. Devemos ver especificamente que Deus a designou para desenvolver em nós um caráter santo (vv.10b, 11).[9]

4. Quarta – A disciplina divina produz reações (vv.14-17).

a. v.14 – Questões específicas e positivas em que os crentes devem se concentrar em meio a disciplina do Senhor:

1ª) Questãoaproveitar esse tempo para aprender a viver em paz com as pessoas (v.14a). Muitos dos nossos problemas vêm das pessoas. Elas nos ferem, perseguem e testam a nossa paciência até o limite. Deus permite isso para que os crentes aprendam a viver bem com o próximo e serem mais afáveis, razoáveis, compassivos, carinhosos, altruístas e atenciosos. Certamente uma das provas essenciais da vida nova em Cristo está no modo pelo qual os crentes vivem uns com os outros[10]; 2ª) Questãoaproveitar esse tempo para concentrar-se na santidade do caráter cristão (v.14b). Na vida existem pensamentos, motivações, atitudes, hábitos, prioridades, amores, ódios, confiança, opiniões e muitas outras coisas que entristecem a Deus. Ele permite essas coisas na vida dos seus filhos para que percebam a falsidade de muitos desses pensamentos, palavras, ações e atitudes. Por isso o progresso em santidade não é opcional, mas absoluta necessidade, pois sem ela ninguém, absolutamente, ninguém verá o Senhor.[11]

b. vv.15-17 – reações negativas que os crentes não devem ter em meio a provação e disciplina do Senhor, pois elas representam um perigo à fé: 1ª) Apostasiav.15a; 2ª) Amargura e ressentimentov.15b; 3ª) Profanaçãov.16, 17 – Esaú é usado como exemplo de profano, “que escolheu desprezar as coisas de Deus e descobriu-se condenado a trilhar o caminho que havia escolhido – viver e morrer sem Deus”[12].

III. Entender os privilégios e responsabilidades do crente – vv.18-29

Agora, “o autor prossegue da advertência para o encorajamento, lembrando os irmãos dos privilégios que são seus pela graça de Deus. Porém, esses privilégios requerem uma resposta constante de fé e obediência”[13].

a. vv.18-21 – Os israelitas se aproximaram de Deus no monte Sinai para ouvir os termos da aliança dele e descobrir o que significava servi-lo como uma nação santa[14] (cf. Êx 19.5, 6). Temos aqui três verdades ensinadas: 1ª) a absoluta majestade de Deus; 2ª) a impossibilidade de acessá-lo sem Jesus; e 3ª) e o poder absoluto da Sua presença (cf. Dt 5.25). Mas o fenômeno central e mais significativo foi a voz que falou naquela ocasião[15] (v.19; cf. Êx 19.16-24).

b. vv.22-24 – Aqui temos uma visão da companhia definitiva e completa do povo de Deus, reunido em torno de Cristo nos lugares celestiais (cf. Ef 2.6, 7; Ap 7). Todos os que fazem parte da família de Deus, por Jesus Cristo, tem os seguintes privilégios: Pela fé chegaram à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos (v.22); Tem seus nomes inscritos nos céus (v.23a); Estão na presença de Deus, o juiz de todos, por isso enfrentarão o juízo final sem temor (v.23b); Foram aperfeiçoados espiritualmente por Cristo (v.23c); Tem a garantia das promessas em Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel (v.24).

c. vv.25-28 – O Deus que falou no Sinai é o mesmo que fala hoje da Jerusalém Celestial. Não há diferença entre o Deus do Antigo Testamento e o Deus do Novo Testamento. Deus usa, hoje, a pregação e o ensino da sua Palavra para falar ao seu povo e ao mundo inteiro, não dar ouvidos à sua voz é selar a própria condenação (v.25). Quando vier a hora do juízo final, Deus abalará não só a terra, senão também o céu (v.26; cf. Ag 2.6). Somente as coisas que não são abaladas permanecerão (v.27), isto e, o reino que Cristo compartilha com aqueles que continuam a confiar nele (v.28a).[16]

d. vv.28, 29 – A resposta adequada do crente à oferta generosa de Deus de um reino inabalável é que sejamos agradecidos. Tal gratidão é a base e a motivação para que assim sirvamos a Deus agradavelmente, com reverência e piedade. O verbo grego latreuein, traduzido como servimos também pode ser traduzida como adoremos. O autor também insiste que o serviço ou adoração cristã deve ser caracterizada por reverência e piedade (santo temor), e fundamenta sua argumentação com uma descrição de Deus como fogo consumidor. Isso faz citando Dt 4.24 (cf. Dt 9.3; Is 33.14). A certeza da graça de Deus nunca deve nos cegar para a verdade de que um juízo terrível aguarda os apostatas.[17]


Concluindo

Tudo quanto conhecemos, exceto as realidades e seres espirituais, passará. Devemos tornar nossa prioridade principal tratar com Deus, agradecendo-o por sua misericórdia, passando todos os nossos dias em seu serviço, reverenciando-o e vivendo uma vida em piedoso temor a Ele.

Paulo em Rm 12.1, 2, disse exatamente isso:

Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável,
e perfeita vontade de Deus.

Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira 12/11/15



[1] Olyott, Stuart. A Carta aos Hebreus bem explicadinha, Editora Cultura Cristã, 2012, p. 111.
[2] Ibid., p. 111.
[3] Carson, D. A. Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, SP, 2009, p. 2019, 2023.
[4] Olyott, p. 113.
[5] Ibid., p. 116.
[6] Casimiro, Arival Dias. Revista Exposição Bíblica – Estudos Expositivos na Carta aos Hebreus, Z3 Editora, 2013, 12ª Lição, p. 57.
[7] Olyott, p. 116.
[8] Casimiro, p. 57-59. No esboço desse ponto, sigo o comentário da lição nas páginas citadas, com cortes e acréscimos que julguei necessário.
[9] Olyott, p. 119.
[10] Comentário Bíblico Moody, Hebreus, p. 57.
[11] Olyott, p. 120, 121.
[12] Ibid., p. 121.
[13] Carson, p. 2026.
[14] Ibid., p. 2026.
[15] Ibid., p. 2026.
[16] Ibid., p. 2027
[17] Ibid., p. 2027.