terça-feira, 31 de março de 2015

Estudos Bíblicos da Fé Batista Livre (5) - O que cremos sobre a Obra Redentora de Cristo

Colossenses 1.12-14

Em nosso estudo anterior: O que cremos sobre a pessoa de Jesus Cristo, vimos:

ü  1º) Cremos que Jesus Cristo é verdadeiramente Deus; 2º) Cremos que Jesus Cristo é verdadeiramente homem; 3º) Cremos que em Jesus Cristo as duas naturezas, divina e humana, estão em perfeita harmonia.

Terminamos afirmando que a nossa doutrina da divindade de Cristo nos distingue () de todas as formas de naturalismo; () do deísmo; () dos cristãos liberais; e () dos Unitários e outros grupos cristãos que professam a tal doutrina da unidade e desta forma negam que há três personalidades em um único Deus (Trindade).

Hoje, dando continuidade ao estudo da Doutrina de Cristo, na sua segunda parte, vamos ver a obra de CristoSua provisão da redenção ou o que Ele fez para providenciar salvação. Nosso ensino está baseado no capítulo VI do Manual. Quando chegamos a este ponto, nos encontramos no âmago da teologia da redenção, porque nossa redenção é baseada na obra de expiação e reconciliação de Cristo.[1]

Por isso, nosso tema é: O que cremos sobre a Obra Redentora de Cristo. Veremos esse assunto em três pontos: 1º) Cremos na expiação – o significado correto; 2º) Cremos na expiação ilimitada; 3º) Cremos na exaltação de Cristo – ressureição, ascensão e intercessão.

I. Cremos na Expiação – o significado correto

[2]A questão mais importante, quando se trata da morte expiatória de Cristo, é conhecer o seu significado. O que Jesus realizou com Sua crucificação?

1. Pontos de vista inadequados com relação ao significado da morte de Cristo na cruz. Estes incluem:

a. A morte de Jesus foi um martírioEle morreu principalmente porque outras pessoas rejeitaram seus ensinamentos e o crucificaram para destruir Sua pessoa e influência.

b. A morte de Jesus serviu de influência moral sobre os outros, inspirando-os pelo seu exemplo de auto sacrifício a fazer o que é certo, a qualquer preço.

c. Jesus morreu para demonstrar o amor de DeusSua morte mostrou o quanto Deus se importa com o mundo.

d. Jesus morreu como exemplo de devoção a Deus ou a uma causa justaAo dar Sua vida por uma causa nobre, Ele serviu de exemplo a outros para que estes façam o mesmo.

e. A morte de Jesus foi principalmente uma vitória contra as forças do mal, demonstrado pela Sua ressurreiçãoDurante Sua vida e enquanto ensinava, estava em luta contra a influência de Satanás, porém, no final, foi vitorioso.

f. A morte de Jesus serviu para proteger e preservar o governo divino – Isto é conhecido como o ponto de vista governamental da expiação e precisa ser vista com mais atenção, pois alguns teólogos arminianos aceitam esta posição como sendo o sentido correto da expiação de Cristo.

2. Termos bíblicos usados para indicar o entendimento correto do significado da morte de Cristo:

Através do Novo Testamento a expiação é representada de várias formas. Três delas parecem ser as mais importantes e úteis para entender o que foi realizado com a morte e ressurreição de Cristo.

a. A morte de Jesus foi um resgate ou uma redenção. Estas duas palavras usadas frequentemente no Novo Testamento refletem a mesma ideia básica, isso é, o pagamento de um preço para conseguir liberdade. A ideia é de que a humanidade estava em escravidão ao pecado e o preço da liberdade desta escravidão e da penalidade requerida era que a penalidade fosse paga. Jesus, como o homem-Deus com humanidade perfeita, pagou a penalidade em nosso lugar. (Cf. Mt 20.28; 1Tm 2.6; Rm 3.24; Ap 5.9). Nota: As referências neotestamentárias ao sangue de Jesus indicam o derramamento de Seu sangue, portanto, a Sua morte como sacrifício a Deus como expiação pelos nossos pecados.

b. A morte de Jesus como propiciação. A ideia principal é o apaziguamento da justiça de Deus contra a humanidade devido ao seu pecado. A única maneira em que a ira santa de Deus poderia ser satisfeita seria a execução da punição. Jesus levou sobre si a ira de Deus pelos nossos pecados, no que muitas vezes é conhecido como o “clamor de abandono” na cruz (Cf. Marcos 15.34; Is 53.4-6).

c. A morte de Jesus trouxe reconciliação. O relacionamento entre Deus e a humanidade estava quebrado devido ao pecado do homem e Jesus os reconciliou. A palavra reconciliação significa que passamos a “ser um”. Em Romanos 5.1-11 temos o ensino claro sobre a reconciliação. Jesus resolveu o problema da separação entre Deus e os homens – Cf. 2Co 5.18-21; Cl 1.18-23.

3. Algumas verdades chaves sobre a natureza da morte de Cristo:

a. Sua morte foi sacrificial e isto envolve todo o Antigo Testamento – Observe a frase do Manual: “Cristo deu-se como sacrifício”. Isto é porque sua morte era uma expiação oferecida a Deus pelo pecado. Devido ao sentido da palavra expiação no Antigo Testamento que significa ser de uma cobertura pelo pecado. Com todo o pano de fundo bíblico do derramamento de sangue de um animal sacrificial, o sangue de Jesus não representa apenas a sua morte, mas uma morte sacrificial expiatória. (Cf. Hb 9.14)

b. Sua morte foi substitutiva. Ele morreu em nosso lugar. Ele não morreu pelos Seus próprios pecados, mas pelos nossos. Ele morreu em nosso lugar. Como diz o Manual: “Ele morreu por nós, sofrendo em nosso lugar”. O termo doutrinário tradicional para isto é morte vicária. Um vigário é alguém que toma o lugar de outro. (Cf. Rm 5.8)

c. Sua morte serviu de satisfação. Isto significa que ao morrer por nós, Jesus satisfez a ira de Deus por ter pagado por completo a dívida pelos nossos pecados ou satisfeito a violação de Sua lei. É por isto que Romanos 3.21-31 afirma que Deus é justo e também justificador daquele que tem fé em Jesus. Se Ele tivesse perdoado as pessoas sem a Sua justiça ser satisfeita, Ele não seria justo. Porém, como a penalidade foi paga pelo substituto, Ele pode justificar o pecador e ainda satisfazer Suas exigências justas.

Nota: Aqui temos uma das diferenças entre os arminianos. Alguns sustentam, equivocadamente, como vimos acima, o ponto de vista governamental do significado da expiação, isto é, creem que Deus poderia perdoar pecados sem pagar a penalidade e que Jesus morreu para mostrar que o governo de Deus não estava sendo ab-rogado ao fazê-lo. Para aqueles que sustentam esta posição, Jesus morreu devido ao nosso pecado para sustentar o governo de Deus; porém não tomou realmente sobre si a culpa e a punição de nossos pecados como substituto por nós. Os Batistas Livres creem, no entanto, no ponto de vista da expiação que é conhecido como satisfação penal. Isto significa que Jesus tomou o nosso lugar e suportou a plena ira de um Deus santo como penalidade pelos nossos pecados. Para aqueles que colocam sua fé na obra salvífica de Cristo, Deus não somente permitiu que seus pecados fossem “dispensados”, mas Ele mesmo, na pessoa de Seu próprio Filho, pagou a penalidade por eles. (Cf. 2Co 5.21; Gl 3.13)

II. Cremos na Expiação Ilimitada ou Geral[3]

Esse assunto, a extensão da expiação, é uma das diferenças chaves entre calvinistas e arminianos. O calvinismo defende a expiação limitada, isto é, que Jesus morreu para providenciar a redenção apenas para os que Deus escolheu salvar antes da criação do mundo. O arminianismo, e aqui se incluem os Batistas Livres, defende a expiação ilimitada, também chamada de expiação geral, isto é, que Jesus morreu para providenciar salvação para todos.

O Manual diz que “Cristo deu-se como sacrifício pelos pecados do mundo e, assim, tornou a salvação possível para todos os homens”. Isto é parte do que significa crer em livre arbítrio: como a morte redentora de Jesus providenciou a salvação de todos, todos podem livremente escolher aceitar ou rejeitar a Cristo e a salvação.

Esta é uma parte importante de nossa doutrina que nos distingue de outros grupos de cristãos. Vejamos algumas das razões pelas quais cremos que Cristo morreu por todos.

1. Razões bíblicas por que cremos na expiação ilimitada:

a. A Bíblia afirma que Deus deseja que todos sejam salvos – 2Pe 3.9; 1Tm 2.4.

b. A Bíblia afirma que Jesus morreu por todos – 1Jo 2.2; 1Tm 2.6; Hb 2.9; Jo 3.16-18; 2Co 5.14.

c. A Bíblia indica que Cristo morreu por alguns que irão perecer – 1Co 8.11; Rm 14; 2Pe 2.1.

d. A Bíblia oferece salvação a todos e ordena que o evangelho seja pregado a todos – Ap 22.17; Mc 16.15; Rm 10.13.

e. A Bíblia culpa o próprio homem pela sua condição de perdido por ter rejeitado a Cristo. Isto seria ilógico se Cristo não tivesse providenciado a expiação por eles – Rm 10.3; 2Ts 1.8; João 3.18.

f. A Bíblia indica que a provisão da expiação é tão ampla quanto à necessidade por ela, isto é, a extensão do pecado. O pecado é universal, portanto, a necessidade de expiação também o é. Analisando cuidadosamente Romanos 3.22-25, sua lógica é precisa: 1º) não há distinção; 2º) pois todos pecaram; 3º) sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé. O significado parece muito claro: o fato de não existir “distinção” se baseia no fato universal de que todos pecaram e baseado nisto, Deus providenciou a justificação.

Já mencionei três conceitos chaves para se entender o significado da morte de Cristo como redentora. É interessante notar que todos os três aparecem em contextos universais: 1º) Em 1Tm 2.6 lemos que Jesus se deu como resgate por todos; 2º) Em 1Jo 2.2 se diz que Jesus é a propiciação pelos nossos pecados, porém não somente pelos nossos, mas pelos pecados do mundo inteiro; e 3º) Em 2Co 5.19 Paulo diz que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo.

2.    Expiação ilimitada não significa salvação ilimitada ou universal

A salvação foi providenciada para todos na morte expiatória de Cristo, mas é aplicada somente aos que creem (Cf. Tt 2.11-14; Ef 1.1-13). Jesus não morreu com o propósito ou a intenção de salvar todos, senão, todos seriam salvos, já que os propósitos finais de Deus são sempre cumpridos. Porém ele morreu para providenciar uma expiação que é suficiente para e disponível a todos.

Os calvinistas gostam de dizer que há passagens no Novo Testamento que falam da obra redentora de Cristo como tendo realmente realizado a salvação daqueles para quem Ele morreu e não simplesmente “providenciado” por esta salvação. É verdade que algumas passagens parecem ensinar isto. Por exemplo:

ü Em 2 Coríntios 5.19 o significado parece ser de que Jesus realmente reconciliou aqueles por quem ele morreu, não apenas que tenha tornado a reconciliação possível. A resposta para todos os textos como este é que falam com antecipação do que é realizado somente depois que as condições são preenchidas. Se eu disser que o diagnóstico do médico salvou a minha vida, eu estaria falando desta forma. Na realidade, foi o remédio que tomei que salvou minha vida. Da mesma forma, a morte de Jesus verdadeiramente salva somente aqueles cujos benefícios foram aplicados pela fé. Portanto, o intuito da expiação foi providenciar para todos e salvar todos que pela fé creem.

III. Cremos na exaltação de Cristo – ressurreição, ascensão e intercessão.[4]

O segundo parágrafo do capítulo VI do Manual menciona brevemente a obra de Cristo que seguiu Sua morte na cruz. A exaltação começa neste ponto, iniciando-se com a ressurreição seguida pela Sua ascensão em glória onde se assenta como mediador para interceder a favor daqueles que se achegam a Ele em fé. Cremos que a exaltação faz parte da obra de mediação de Cristo. Veremos apenas três aspectos.

1. A ressurreição

A ressurreição, nesse ponto do manual, é mencionada apenas em uma frase curta: “ressuscitou para nossa justificação” (Rm 4.25). Porém, a ressurreição é tão importante à obra redentora de Cristo quanto Sua morte na cruz.
Não se deve separar os dois acontecimentos.

a. Existem pontos de vista equivocados sobre o que aconteceu: Alguns dizem que a ideia de uma ressurreição é simplesmente uma maneira de afirmar a Sua contínua influência e presença espiritual. Outros dizem que Ele não morreu de verdade, mas desmaiou e recobrou consciência no frescor da tumba. Outros ainda dizem que a estória é uma lenda que simboliza uma verdade.

b. Porém, para nós, que levamos a Bíblia a sério, a ressurreição é um fato. Há confirmação disto nas Escrituras em todos os quatro relatos dos evangelhos. Ela é a base de toda a fé cristã. Coríntios 15.17 afirma que se Cristo não ressuscitou dos mortos, nossa fé é vã.

c. Há muitas consequências maravilhosas da ressurreição. As principais são:

ð É evidência da divindade de Cristo – Rm 1.4; At 2.32-36.

ð É a garantia de nossa própria ressurreição – 1Co 15.20; At 2.24.

ð É prova do julgamento vindouro – At 10.42; 17.31.

ð É a garantia de nossa justificação (Rm 4.25), com indica o Manual. Ela assegura a aceitação do propósito de justificação do sacrifício de Cristo.

2. A ascensão – A ascensão, também, é mencionada apenas brevemente nesta parte do Manual.

a. É importante afirmar que Jesus subiu corporalmente, como foi testemunhado pelos que observavam – Atos 1.9. Enquanto eles olhavam, Jesus subiu e desapareceu nas nuvens, e eles foram informados, pelo anjo, que Ele voltará da mesma forma em que o viram subir. Sendo assim, a ascensão é real e corporal, como o será o Seu retorno. Ambas, ressurreição e ascensão, fazem parte de Sua glorificação.

b. A ascensão de Cristo aos céus tem pelo menos dois significados: 1º) Ele foi glorificado ao assento que tem de direito à destra de Deus – Ef 1.20, 21; e 2º) A ascensão marcou o início de sua função de sacerdote como intercessor à destra de Deus – Hb 4.14. Isto nos leva ao próximo aspecto de sua obra mediadora.

3. A intercessão

A função sacerdotal de Cristo como mediador-intercessor é baseada na ressurreição e ascensão.  A obra desta função sacerdotal é apresentada de diferentes maneiras no Novo Testamento:

a. Ele adentrou o santo dos santos com Seu próprio sangue – Hb 9.24. Foi uma obra única, realizada uma vez por todas.

b. Ele está judicialmente respondendo as acusações de Satanás contra aqueles que pertencem a Deus – Rm 8.33, 34.

c. Ele santifica o que oferecemos a Deus – 1Pe 2.5.

d. Ele nos sustenta e ajuda na tentação – Hb 4.15.

e. Ele nos representa como advogado a favor do perdão de nossos pecados – 1Jo 2.1.

Nota: O terceiro parágrafo deste capítulo trata sobre a salvação dos que morrem na infância, antes de atingir a idade de responsabilidade ou de quaisquer outros que talvez nunca atinjam um entendimento mental ou moral suficiente para serem pessoalmente responsabilizados tanto pelo pecado como pela resposta ao evangelho. Cremos, como está no Manual, que a salvação dos que morrem na infância é resultado da morte redentora de Cristo, isto é, são salvos pelo cancelamento da culpa pelo pecado original da raça humana em virtude da morte de Cristo. (Cf. 1Co 15.22; Mt 18.2-5; Mc 9.36, 37; Mt 19.14)

Concluindo[5]A nossa doutrina da obra de Cristo serve, também, para distinguir os Batistas Livres de vários outros grupos.

ü Ela nos distingue dos cristãos liberais que creem que a morte de Cristo foi a de um mártir, manifestando principalmente o amor de Deus. Estes não ensinam que a morte de Cristo foi sacrificial, substitutivo, necessário para satisfazer a ira de Deus e para pagar a penalidade pelo pecado.

ü Ela nos distingue de alguns arminianos que creem na visão governamental da expiação. O arminiano original, o próprio Armínio, ensinou a visão da satisfação penal da expiação, como nós o fazemos.

ü Ela nos distingue dos calvinistas que creem que Jesus morreu unicamente pelos eleitos e que não há provisão para os outros. Nossa doutrina é que Ele morreu por todos.

Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira 25/03/15



[1] Picirilli, Robert E. Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 5 – O que cremos sobre a Obra Redentora de Cristo, p. 2.
[2] Picirilli, Robert E. Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 5 – O que cremos sobre a Obra Redentora de Cristo, p. 2-4. Neste ponto o estudo segue a Lição 5, Ponto I – A Natureza da Expiação, adaptados a nossa realidade local e com cortes e acréscimos que julguei necessário, nas páginas já citadas.
[3] Picirilli, Robert E. Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 5 – O que cremos sobre a Obra Redentora de Cristo, p. 5-7. Neste ponto o estudo segue o Ponto II – A Extensão da Expiação, adaptados a nossa realidade local e com cortes e acréscimos que julguei necessário, nas páginas já citadas.
[4] Picirilli, Robert E. Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 5 – O que cremos sobre a Obra Redentora de Cristo, p. 7-10. Neste ponto o estudo segue o Ponto III – A Exaltação e Obra de Mediação de Cristo, adaptados a nossa realidade local e com cortes e acréscimos que julguei necessário, nas páginas já citadas.
[5] Picirilli, Robert E. Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 5 – O que cremos sobre a Obra Redentora de Cristo, p. 10. Neste ponto o estudo segue a conclusão de Picirilli, adaptados a nossa realidade local e com cortes e acréscimos que julguei necessário, nas páginas já citadas.

domingo, 22 de março de 2015

Estudos Bíblicos da Fé Batista Livre (4) - O que cremos sobre a pessoa de Jesus Cristo

Filipenses 2.1-11

Em nosso estudo anterior: O que cremos sobre a Criação e a Humanidade, vimos que:

ü  Que Deus criou o mundo e tudo o que nela há, que criou os seres angelicais e que Deus criou o homem.

Terminamos com a leitura e um breve comentário sobre o texto do Capitulo IV, Sessão II do Manual: Estado Primitivo do Homem e Sua Queda.[1]

Quando os teólogos examinam a doutrina de Cristo, tradicionalmente dividem este tema amplo em duas partes principais: (1) a pessoa de Cristo (quem Ele é) e (2) a obra de Cristo (Sua provisão da redenção).[2] Nosso estudo se concentra na primeira parte, sobre a pessoa do Senhor Jesus Cristo. A segunda parte trataremos no próximo ensino.

Nosso tema é O que cremos sobre a pessoa de Jesus Cristo. Veremos esse assunto em três pontos: 1º) Cremos que Jesus Cristo é verdadeiramente Deus; 2º) Cremos que Jesus Cristo é verdadeiramente homem; 3º) Cremos que em Jesus Cristo as duas naturezas, divina e humana, estão em perfeita harmonia.

Muitas pessoas e até mesmo alguns cristãos têm dificuldade em imaginar que Jesus seja de fato humano ou de fato divino. Uns negam a sua humanidade em defesa da sua divindade e, outros, na tentativa de defender a sua humanidade, negam a sua divindade. Por conta disso, negam, também a integridade e a unidade das suas duas naturezas. Mas, a Bíblia afirma que o Senhor Jesus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, bem como, a unidade da sua divindade e humanidade.

I. Cremos que Jesus Cristo é verdadeiramente Deus[3]

O primeiro parágrafo desta seção do Manual introduz o assunto, afirmando que Jesus Cristo era tanto Deus quanto homem e agiu perfeitamente em cada uma destas naturezas. Suas “divinas perfeições” se refere à Sua divindade, ao fato de que era e é realmente Deus.

Como Deus, Jesus Cristo “preencheu todos os ofícios e realizou as obras de Deus”, incluindo a obra da criação. (Cf. Jo 1.1) Como homem, Ele agiu perfeitamente como os seres humanos foram projetados para ser diante de Deus.

Teólogos cristãos tradicionalmente falam da pré-existência de Cristo. Isto significa simplesmente que como Segunda Pessoa da Trindade Ele existia eternamente antes de se encarnar em forma humana (Cf. Jo 1.1 e Filipenses 2.5-7)

A divindade do Senhor Jesus ou o fato Dele ser verdadeiramente Deus, é totalmente provada na Bíblia pelos títulos que recebe, pelos atributos que lhe são atribuídos e pelas obras que realizou.

1. Os títulos do Senhor Jesus Cristo na Bíblia demonstram sua divindade e o Manual lista vários destes títulos.

a. Salvador – Comparar Isaías 45.21 e João 4.42.

b. Jeová ou Senhor – As passagens do Antigo Testamento que usam Jeová ou Senhor (ou Yahweh) são muitas vezes aplicadas a Jesus no Novo Testamento usando o título Senhor. (Cf. Lc 1.76). Na realidade, em todo o Novo Testamento, Senhor é usado para falar de Jesus de uma maneira que os leitores judeus originais teriam entendido que Ele é um com o Deus do Antigo Testamento.

c. Senhor dos Exércitos – Conferir e Comparar Isaías 6.5 e João 12.41.

d. O primeiro e o último – Conferir e Comparar Isaías 44.6 e Apocalipse 22.13.

e. DeusHebreus 1.8.

f.  Verdadeiro Deus1 João 5.20.

g. Grande DeusTito 2.13 – o sentido literal é “nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo”.

h. Deus sobre todosRomanos 9.5.

i. Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da PazIsaías 9.6 – Estes certamente tinham a intenção de identificar o Messias prometido, Filho de Deus, como o próprio Deus. 

2. Os atributos do Senhor Jesus Cristo na Bíblia demonstram Sua divindade e o Manual, também, lista vários deles:

a.    Ele é eternoColossenses 1.17; João 1.1.

b.   Ele não muda (Ele é imutável) – Hebreus 13.8.

c.    Ele é onipresente (está em todos os lugares ao mesmo tempo) – João 3.13.

d.   Ele é onisciente (sabe todas as coisas) – João 16.30.

e.    Ele é onipotente (tem todo o poder) – Apocalipse 1.8 (“Todo-Poderoso”).

f.     Ele é santoAtos 3.14.

g. Ele deve ser adoradoHebreus 1.6 – Jesus aceitou o tipo de adoração que a Bíblia claramente indica que dever ser reservada a Deus apenas. (Cf. Hb 1.6 e Jo 5.23.)

3. As obras atribuídas ao Senhor Jesus Cristo na Bíblia demonstram a Sua divindade e, o Manual, também, lista várias obras que somente Deus pode realizar, mas que foram atribuídas na Bíblia a Ele.

a.    Ele criou toda a criação – João 1.3.

b.   Ele preserva ou sustenta a existência da criação – Hebreus 1.3.

c.    Ele governa o universo – Isaías 9.6.

d.   Ele é o redentorEfésios 1.7.

e.    Ele será o juiz final de todos – 2Timóteo 4.1.

Gostaria de enfatizar que Jesus Cristo está intimamente associado a Deus no Novo Testamento. A conexão é tão próxima que seria blasfêmia se Ele não fosse Deus, plenamente equivalente ao Pai de todas as maneiras. As fórmulas trinitárias, por exemplo, são um exemplo desta conexão (Cf. Mt 28.19-20). Até as saudações simples nas cartas do Novo Testamento seriam equivocadas se Jesus Cristo não fosse um com o Pai. (Cf. 1Co 1.3)

Erickson fala de várias implicações da divindade do Senhor Jesus, e cita quatro delas: 1) Podemos ter conhecimento real de Deus (Jo 14.9); 2) A redenção está a nossa disposição; 3) Deus e a humanidade foram religados; e 4) É correto adorar a Cristo.[4]

Ele é o “único Filho” de Deus – somente ele é gerado pelo Pai. Ele “nosso Senhor” – deve ser adorado como Deus. (João 1.12; Romanos 8.15; Filipenses 2.9-11)

II. Cremos que Jesus Cristo é verdadeiramente homem

A segunda sessão do quarto capítulo do Manual, que fala desse assunto, enfatiza a encarnação do Filho de Deus, mas, não deixa de esclarecer todas as implicações da humanidade do Senhor Jesus Cristo.

1. O fato do Deus encarnado – O verbo (a palavra encarnada) que João afirma existir desde o princípio, num dado momento da história veio aqui fazer sua habitação – Jo 1.14. Essa é a suprema declaração do Deus que se fez homem e são palavras irrebatíveis.[5]

Assim, a existência humana de Jesus se iniciou com a encarnação, palavra que literalmente significa em carne, isto é, a Eterna Segunda Pessoa da Trindade se tornou um verdadeiro ser humano. Este foi o último cumprimento do nome que lhe foi dado em Isaías 7.14Emanuel, que significa Deus conosco. (Ver Hb 2.14).[6]

Além da natureza física, Jesus possuía o mesmo tipo de qualidades emocionais e intelectuais que todos os homens possuem – ele pensava, raciocinava e tinha toda a gama de sensações humanas.[7] (Cf. Jo 13.23; Mt 9.36; 14.14; 15.32; 20.34; 26.37; Jo 15.11; 17.13; Hb 12.2; Mc 3.5; 10.14)

2. O modus operandi – A maneira pela qual isto se realizou foi através do nascimento virginal. Este foi um acontecimento milagroso e sobrenatural. De forma misteriosa, além da nossa compreensão, o Espírito de Deus trouxe vida ao óvulo no útero de Maria sem o envolvimento de um pai humano.[8] (Cf. Lc 1.26-35; Mt 1.18-25)

O Credo Apostólico afirma: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria...”. A terceira pessoa da Trindade tornou-se homem para nos representar diante de Deus e oferecer ao Pai plena obediência (cumprindo Mandamentos) tomando sobre si o castigo que era destinado a nós (assumir as maldições e sentenças da lei). (Cf. Fp 2.5-8; 2Co 5.21; Gl 3.10, 13; 1Co 15.3)

É importante destacar que a obra do Espírito Santo em relação ao nascimento de Jesus foi dupla: 1º) O Espírito Santo operou a concepção da natureza humana no ventre de Maria; e 2º) O Espírito Santo santificou esta natureza humana logo no início de sua existência e assim a conservou livre da poluição do pecado.[9]

3. A impecabilidade do Senhor Jesus – A exceção na encarnação foi a “corrupção e o pecado”. Em outras palavras, quando Jesus foi concebido, Ele não participou da culpa, condenação e depravação da raça humana que já foi descrita previamente. Ele não teve uma natureza pecaminosa e nem cometeu pecado – Hebreus 4.15.[10] (Cf. Hb 7.26; 9.14; Jo 6.69; 2Pe 2.2; 1Jo 3.5; 2Co 5.21)

Sobre o controverso assunto se Jesus poderia ou não pecar, Picirilli faz a seguinte colocação: Pela perspectiva de sua divindade, Ele não poderia, mas pela perspectiva de sua humanidade, Ele poderia ter pecado. Não obstante, é certo que não pecou e que não poderia haver redenção se tivesse pecado.[11]
Jesus mesmo alegou, de forma tanto explicita como implícita, ser justo. Ele perguntou aos seus ouvintes: Quem dentre vós me convence de pecado? (Jo 8.46a) Ninguém respondeu.[12]

4. O estado de humilhação – O Manual diz que Ele “condescendeu em humilhar-se ao assumir a natureza humana”. Isto significa que ele estava sujeito às necessidades e limitações físicas humanas, que incluíam o cansaço e a fome (Jo 4.6). Ele também estava sujeito à tentação de todas as formas em que os seres humanos são tentados (Hb 4.15). Por experiência, Ele “aprendeu” e demonstrou o significado de obediência perfeita (Hb 5.8). No final, foi capaz de se humilhar no sofrimento e na morte (Hb 2.9).[13]

III. Cremos que em Jesus Cristo as duas naturezas, divina e humana, estão em perfeita harmonia

Teólogos cristãos tradicionalmente falam da personalidade teantrópica de Jesus. Esta palavra significa que Ele era verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Costuma-se falar dele como homem-Deus, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, e expressá-lo como uma pessoa com duas naturezas. Ele tinha uma natureza humana e uma natureza divina.[14]

[15]Conforme disse o teólogo contemporâneo J. I. Packer: “Temos aqui dois mistérios pelo preço de um – a pluralidade de Pessoas na unidade de Deus e a união de Deus com a humanidade, na Pessoa de Jesus Cristo... Nada na ficção é tão fantástico como o que acontece na verdade da Encarnação.

O Credo de Calcedônia, formulado em 345 d.C. na cidade de Calcedônia, uma declaração que estabeleceu claramente aquilo que devemos receber e no que devemos crer sobre esse assunto, resumiu em cinco verdades principais o ensino bíblico sobre a duas naturezas do Senhor Jesus Cristo: 1ª) Jesus tem duas naturezas – Ele é Deus e Homem; 2ª) Cada natureza é absolutamente completa, sendo Ele verdadeiro Deus e verdadeiro Homem; 3ª) Cada natureza permanece distinta; 4ª) Cristo é uma só Pessoa; 5ª) As coisas que são verdadeiras a uma só natureza são, contudo, verdadeiras na Pessoa de Cristo.

Devemos entender que as duas naturezas de Cristo permanecem distintas, retendo suas exatas propriedades. Mas, o que significa isto? Duas coisas: 1ª) Elas não alteram as propriedades essenciais uma da outra; e 2ª) nem se fundem, num misterioso tipo de natureza.

Assim, a união da divindade e humanidade de Cristo numa só Pessoa faz com que todos nós tenhamos a necessidade do mesmo Salvador:

1. Porque Jesus é Deus, Ele é Onipotente e jamais poderá ser derrotado. Ele é Deus, sendo, portanto, o único Salvador adequado. Porque Ele é Deus, os crentes estão seguros de que jamais perecerão. Estamos seguros porque Ele é Deus e todas as pessoas Lhe prestarão contas, quando Ele regressar para julgar o mundo.

2. Porque Jesus é Homem, Ele experimentou as mesmas coisas que experimentamos. Porque Ele é Homem, pode vir em nosso socorro, como o nosso Fiel Sumo Sacerdote, quando chegamos ao limite de nossas fraquezas humanas. Porque Ele é Homem, podemos nos relacionar com Ele, pois Ele não está longe de nós e nem fica alheio às nossas necessidades. Porque Ele é Homem, não podemos nos queixar de que Deus não conheça os problemas pelos quais estamos passando. Ele os experimentou em primeira mão.

Concluindo

Nossa doutrina da divindade de Cristo nos distingue (1º) de todas as formas de naturalismo, que diz que não há uma realidade sobrenatural – tudo é natureza; (2º) do deísmo, que diz que Deus não intervém no universo desde que o criou e o preparou para funcionar de acordo com as leis da natureza sem a sua providência ativa; (3º) de todas as religiões que não reconhecem a redenção em Cristo; (4º) dos cristãos liberais, que nega a divindade de Cristo e (5º) dos Unitários e outros grupos cristãos que professam a tal doutrina da unidade e desta forma negam que há três personalidades em um único Deus (Trindade).[16]

Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira 20/03/2015




[1] Manual de Fé e Prática dos Batistas Livres do Brasil, 4ª Edição, 2014, 2ª Parte – A Fé dos Batistas Livres, p. 12.
[2] Picirilli, Robert E. Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 4 – O que cremos sobre a Pessoa de Cristo, p. 2.
[3] Picirilli, Robert E. Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 4 – O que cremos sobre a Pessoa de Cristo, p. 2-4. Neste ponto o estudo segue a Lição 4, Ponto I – A Divindade de Cristo, adaptados a nossa realidade local e com cortes e acréscimos que julguei necessário, nas páginas já citadas.
[4] Erickson, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática, Vida Nova, 2008, p. 284.
[5] Lima, Leandro Antônio de. Revista Expressão – Essência da Fé Parte 4 – O que a Bíblia ensina sobre Jesus Cristo, Editora Cultura Cristã – Lição 3, p. 20.
[6] Picirilli, p. 5.
[7] Erickson, p. 287, 288.
[8] Picirilli, p. 5.
[9] Berkhof, L. Manual de Doutrina Cristã, Ed. Luz para o Caminho, 1985, Campinas – SP, p. 171.
[10] Picirilli., p.5.
[11] Picirilli, p. 7.
[12] Erickson, p. 295.
[13] Picirilli, p. 5.
[14] Ibid., p. 6.
[15] Piper, John. http://solascriptura-tt.org/Cristologia/ComoPodeJesusSerHomemEDeus-JPiper.htm - Este ponto segue o artigo de John Piper no site citado, adaptados a nossa realidade local e com cortes e acréscimos que julguei necessário.
[16] Picirilli, p. 7.