Gálatas 6
No estudo anterior em Gálatas 5 com o tema: A
verdadeira liberdade do evangelho. Abordamos o assunto em dois pontos: 1º) A
verdadeira liberdade do evangelho pode ser ameaçada pelo legalismo ou pela
licenciosidade – vv.1-15; e 2º) A
verdadeira liberdade do evangelho está em andar no Espírito – vv.16-26.
Terminamos afirmando que: (1) Todo crente tem que lutar para preservar a sua liberdade
espiritual, principalmente por causa das ameaças dos falsos ensinos legalistas
e licenciosos; (2) Todo crente vive
uma luta espiritual interior da carne contra o Espírito, e que somente pela
atuação do Espírito Santo na sua vida, é que ele pode vencer essa luta
espiritual; e (3) Todo crente nasceu
pelo Espírito, vive no Espírito e será vitorioso se andar no Espírito Santo.
No capítulo cinco, Paulo ensina que o cristão deve
fazer a opção certa, entre viver na liberdade da graça ou na escravidão do
legalismo (vv.1-12) e entre viver na carne ou andar no Espírito (vv.13-26).
Agora, no capítulo 6, ele fala da
opção entre viver para si mesmo ou para os outros (vv.1-10) e entre viver para glória de si mesmo ou para a glória de
Deus (vv.11-18).[1]
Assim, no capítulo 5, Paulo tratou da vida no
Espírito, agora ele passa a falar sobre a ética do Espírito. Paulo aplica
princípios práticos de como essa vida no Espírito funciona. A lei de Cristo se
cumpre no amor, e a igreja é a comunidade do amor.[2]
O nosso tema hoje é: A prática da liberdade cristã. Abordaremos o assunto em dois
pontos: 1º) A prática da liberdade cristã em relação aos outros – vv.1-10; e 2º) A prática da liberdade
cristã para a glória de Deus –
vv.11-18.
I. A prática da liberdade cristã em relação aos outros
– vv.1-10
Para Hernandes Dias, há dois pontos importantes, aqui,
à serem destacados sobre a igreja como uma comunidade de ajuda e socorro: (1) a
igreja é uma comunidade terapêutica (vv.1-5)
e (2) uma comunidade diaconal, ou seja, de serviço (vv.6-10).
Somos livres para amar os nossos irmãos em Cristo. O
Espírito Santo produzirá em nós o fruto do amor, que se expressa por meio de cinco atitudes práticas:[3]
1) Recuperação dos irmãos caídos – v.1. Quatro lições
preciosas: 1ª) Qualquer irmão
pode ser surpreendido numa transgressão mesmo sem perceber a gravidade do seu
erro (Jo 8.4); 2ª) O irmão que pensa estar em pé deve cuidar de si mesmo para não
cair na tentação (1Co 10.12, 13); 3ª) Os irmãos espirituais (maduros que
andam no Espírito) devem restaurar ou conduzir o irmão que caiu à sua posição
anterior de integridade e pureza. “É preciso muito amor e coragem ao se
aproximar de um irmão caído e procurar ajudá-lo. Jesus compara isso a uma
cirurgia oftalmológica (Mt 7.1-5) – e
quem se sente qualificado para tal procedimento?”[4];
4ª) Toda restauração deve ser feita
com espírito de mansidão, ou seja, sem a atitude de orgulho ou superioridade
espiritual (Gl 5.23). “O cristão
guiado pelo Espírito aborda a situação com um espírito de mansidão e de amor,
enquanto o legalista demonstra uma atitude de orgulho e de condenação. O
legalista não precisa "guardar-se", pois finge que jamais seria capaz
de cometer tal pecado. No entanto, o cristão que vive pela graça sabe que
ninguém está livre de cair. Sua atitude de humildade é decorrente da consciência
das próprias fraquezas”[5].
2) Levar as cargas uns dos outros – vv.2-5. Cinco
verdades indispensáveis: 1ª)
Todos os crentes têm cargas pesadas a levar e Deus não quer que carreguem seus
fardos sozinhos (v.2a, 5); 2ª) A lei de Cristo é que cada irmão
deve ajudar o outro a levar as suas cargas (v.2a); 3ª) Todo irmão
deve olhar para si como alguém que precisa do outro, não pensar que é
autosuficiente (v.3); 4ª) Todo crente, além de ajudar a levar
as cargas pesadas uns dos outros, tem o seu fardo pessoal que somente ele pode
e deve levar (v.2a, 5); 5ª) Quem ama e ajuda o irmão cumpre a
lei de Cristo (v.2b; cf. Jo 13.34; Gl 5.14; Tg 2.8).
Paulo passa das obrigações sociais do cristão (v.2) para a responsabilidade que cada
pessoa tem por sua alma (v.5). Na
comunhão cristã, as cargas são compartilhadas uns com os outros em amor, mas há
certa carga que é peculiar ao próprio indivíduo. Warren Wiersbe alerta que
devemos ajudar uns aos outros a carregar os grandes pesos da vida, mas há
certas responsabilidades pessoais que cada pessoa deve carregar sozinha. Cada
soldado deve levar a própria mochila.[6]
3) Cuidar dos pastores – v.6. Quem recebe bens espirituais deve compartilhar e
repartir bens materiais. Esse princípio está meridianamente claro nas
Escrituras.
O apóstolo Paulo
pergunta: “Se nós vos semeamos as coisas
espirituais, será muito recolhermos de vós bens materiais?” (1Co 9.11 ARA). Os mestres fiéis que repartem
com seus alunos a Palavra de Deus devem receber deles recompensas materiais.
Calvino diz que é desditoso defraudar dos meios de sobrevivência aqueles por
cuja instrumentalidade nossa alma é alimentada; e recusar uma recompensa
terrena àqueles de quem recebemos bênçãos celestiais. O mesmo autor ainda
salienta: “Um dos artifícios de Satanás é privar de sustento os ministros
piedosos, de modo que a igreja fique destituída desse tipo de ministro”. O
apóstolo Paulo é enfático: “E rogamo-vos, irmãos, que
reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no Senhor, e
vos admoestam; E que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende
paz entre vós.” (1Ts 5.12, 13). E
Paulo ainda exorta: “Devem ser
considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem
bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino” (1Tm 5.17
ARA).[7]
Quanto a essa matéria do sustento daqueles que ensinam
a Palavra, dois extremos devem ser evitados: a ganância por parte do obreiro e
a usura por parte da igreja. Há obreiros que fazem do ministério do ensino da
Palavra um meio de enriquecimento. O propósito principal deles não é cuidar das
ovelhas de Cristo, mas apascentar a si mesmos. Paulo diz à igreja de Corinto:
“... não vou atrás dos vossos bens, mas
procuro a vós outros” (2Co 12.14 ARA). Diz ainda aos presbíteros de Éfeso: “De ninguém
cobicei prata, nem ouro, nem vestes” (At 20.33). Entretanto, há igrejas que
sonegam a seus ministros o sustento devido. A igreja de Corinto, por exemplo,
que era generosa com os falsos obreiros (2Co
11.20), sonegou a Paulo o seu sustento (2Co 11.8, 9). Nesse quesito, a igreja de Corinto acabou tornando-se
inferior às demais igrejas (2Co 12.13).[8]
4) Cuidado com o que se semeia – v.7-8. John Stott diz que há três esferas da experiência
cristã nas quais Paulo vê o princípio da semeadura e da colheita operando: 1) o
ministério cristão (6.6); 2) a
santidade crista (6.7, 8); 3) a
prática do bem do cristão (6.9, 10).[9]
v.7 – Tudo o que plantamos, nós colhemos. O homem é livre
para escolher, mas não é livre para escolher as consequências do que escolhe. Esta
é a lei da causa e efeito. Colhemos exatamente a mesma natureza daquilo que
semeamos. Querer subverter esse princípio é tentar zombar de Deus.[10]
v.8 – Só há duas
semeaduras: semeamos para a carne ou
para o Espírito; e apenas duas
colheitas: colhemos corrupção ou
vida eterna. Quem semeia para a própria carne não pode colher vida eterna;
quem semeia para o Espírito não pode colher corrupção. A raiz determina o
fruto, e não o fruto a raiz. Semear para a própria carne significa buscar a
satisfação das necessidades desta vida, sem nenhuma consideração pela vida
futura, mas semear no Espírito significa buscar os valores da vida que
permanece.
William Hendriksen diz que semear para a carne
significa deixar que a velha natureza se expresse livremente, enquanto semear
no Espírito significa deixar que o Espírito se expresse como ele quer. Já os
termos “corrupção” e “vida eterna” devem ser entendidos em um sentido duplo:
qualitativo e quantitativo. Do ponto de vista quantitativo, os dois são
parecidos: ambos durarão para sempre. A “corrupção”, por exemplo, longe de
indicar uma aniquilação, assinala uma “destruição eterna” (2Ts 1.9). A vida eterna tem de igual forma uma duração eterna (Mt 25.46). Qualitativamente, e isso
tanto a respeito da alma como do corpo, as duas expressões compõem um forte
contraste. Os que semeiam para a carne serão levantados para a vergonha e a
condenação eterna (Dn 12.2). Sua
morada será nas trevas exteriores (Mt
8.11, 12). Entretanto, aqueles que semearam para o Espírito resplandecerão
como a luz do firmamento e como as estrelas eternamente (Dn 12.3).
5) Não se cansar de fazer o bem – v.9, 10. Quatro lições
importantes:
1ª) Devemos fazer o bem a todos, priorizando os nossos
irmãos – vv.9a, 10b; 2ª) Um irmão
carente não é um problema, mas uma oportunidade de fazer o bem. “Paulo nos
instrui a não nos cansarmos de ajudar ao nosso próximo, de praticar boas ações
e de exercer generosidade, pois o vasto número de necessitados nos sucumbe; e
os pedidos que se acumulam sobre nós, vindos de todos os lados, exaurem a nossa
paciência. Nosso fervor é abrandado pela frieza de outras pessoas”[11];
3ª) Podemos nos cansar ou desistir
de fazer o bem por vários motivos – pessoais, recursos, decepção com pessoas,
etc. – v.9c. “Não é apenas o pecado
que cansa; fazer o bem também pode produzir cansaço. Nem sempre praticar o bem
traz recompensas imediatas. Nem sempre quem recebe o bem reconhece e agradece a
seu benfeitor. Por isso, muitos estão cansados na obra e da obra. Neste mundo
há os que fazem o mal, os que pagam o bem com o mal, e os que pagam o bem com o
bem e o mal com o mal. Mas nós devemos fazer o bem, pagar o mal com o bem e
jamais nos cansarmos de fazer o bem”[12];
4ª) De todo o bem que fizermos
seremos recompensados – v.9b. “A
semeadura muitas vezes é feita com lágrimas, mas a colheita é certa, segura e
jubilosa (SI 126.5, 6). Ela pode
demorar, mas não falhará. A recompensa da semeadura é prometida pelo próprio
Deus”[13].
Hernandes Dias diz que, com respeito à prática do bem,
devemos observar aqui três coisas: O tempo.
Calvino diz que nem toda estação é própria para lavrar e semear. Os
agricultores ativos e prudentes observarão o tempo apropriado e não permitirão
indolentemente que esse tempo se torne inútil. A necessidade do próximo é a
oportunidade escancarada diante dos nossos olhos. O alcance. Devemos fazer o bem a todos, e não apenas a um grupo
seleto. Não deve existir barreira étnica, cultural nem religiosa para a prática
do bem. Nosso amor deve estender-se a todos. A prioridade. Devemos fazer o bem a todos, mas a prioridade é
assistir os da família da fé. A nossa maior prioridade é nossa família, pois
aquele que não cuida da sua família é pior do que os incrédulos (1Tm 5.8). Depois devemos cuidar dos
domésticos da fé (6.10), do nosso
próximo de forma geral (6.2) e até
mesmo dos nossos inimigos (Rm 12.20).[14]
II. A
prática da liberdade cristã para a glória de Deus – vv.11-18
Nas últimas palavras da epístola, Paulo faz um
contraste entre a falsa e a verdadeira religião; entre os falsos ministros e os
ministros verdadeiros. Ele já havia deixado claro que era necessário escolher
entre a escravidão e a liberdade (5.1-12), entre a carne e o Espírito
(5.13-26), entre o viver para si mesmos e viver para os outros (6.1-10). Agora,
apresenta um quarto contraste: viver em função do louvor dos homens ou viver
para a glória de Deus (6.11-18). Com isso, o apóstolo trata da questão da
motivação.[15]
Portanto, Paulo conclui a sua carta aos Gálatas
escrevendo de próprio punho (v.11b). Frequentemente ele escrevia o
versículo final de uma epístola com sua própria mão (cf. 1Co 16.21; Cl 4.18; 2Ts 3.17). Isso parece sugerir que, nessa
altura da escrita, Paulo tomou a pena da mão do amanuense, e escreveu os oito
versículos finais da epístola em caracteres grandes e cheios, talvez para efeito
da ênfase.[16]
Tamanha é a preocupação do apóstolo que os gálatas compreendam a mensagem dessa
carta que ele toma a pena e escreve de próprio punho um parágrafo inteiro de conclusão.[17]
Para Hernandes Dias, o que Paulo quis dizer com a
expressão: “Vede com que letras grandes
vos escrevi por minha mão”, foi: 1º)
Para demonstrar sua ênfase – O que
ele está escrevendo não pode passar despercebido. É matéria de valor capital. É mensagem vital para a igreja. John Stott, entre outras coisas, é de opinião
que Paulo usou letras grandes deliberada e simplesmente por questão de ênfase,
para chamar a atenção e despertar a mente, como se, hoje em dia, usasse letras
maiúsculas ou sublinhasse as palavras; e 2º)
Para demonstrar sua deficiência física – Paulo
tinha uma grave deficiência visual (cf.
Gl 4.13-15)
e por isso não podia escrever senão usando letras grandes. Warren Wiersbe diz
que, se o apóstolo sofria mesmo de algum problema de visão, esse parágrafo de encerramento
certamente tocou ainda mais fundo no coração de seus leitores.[18]
Para Wiersbe, neste parágrafo, Paulo apresenta três
figuras distintas: o legalista (vv.12, 13), nosso Senhor Jesus Cristo (vv.14-16)
e o próprio apóstolo Paulo (vv.17, 18).
Creio que o objetivo paulino era impactar a mente
daqueles irmãos para que não cedessem aos argumentos dos judaizantes
legalistas. Temos aqui o “último apelo de Paulo para que os gálatas mantenham
confiança no evangelho para a salvação e o vivenciem dia após dia”[19].
Por isso ele usa o argumento da motivação ministerial. Porque os legalistas
queriam submeter os cristãos à circuncisão? Qual era motivação deles? Qual era
a motivação de Paulo?
1. A
motivação dos legalistas era receber a glória dos homens – vv.12, 13
Hernandes Dias afirma que esses falsos mestres
legalistas, em primeiro lugar, buscavam a aprovação dos homens para
escaparem da perseguição – v.12.[20]
Calvino conjectura que esses homens não se importavam com a edificação dos
crentes; eram guiados por desejos ambiciosos de conquistar o aplauso popular.
Esses homens bajulavam os judeus, mas perturbavam a
igreja toda em favor de seu próprio ensino e não sentiam nenhum escrúpulo em
colocar um jugo tirânico sobre a consciência das pessoas, para que ficassem
livres de inquietações físicas. O medo da cruz os levou a corromperem a genuína
pregação da cruz. Donald Guthrie afirma que os judaizantes lutavam para
alcançar um meio-termo entre a posição judaico não-cristã do judaísmo ortodoxo
e a posição cristã não judaica de Paulo.
Envolver-se com um Messias que havia sido morto na
cruz era colocar os pés numa estrada crivada de espinhos e expor-se a grande
perseguição. Esses mestres queriam circuncidar os crentes da Galácia para
livrar a própria pele. Os legalistas, que enfatizavam a circuncisão em lugar da
crucificação, granjearam muitos adeptos. Sua religião era bem aceita, pois
evitava a vergonha da cruz.
Por que a cruz de Cristo provoca perseguições e
enraivece tanto o mundo? É porque a cruz diz algumas verdades muito
desagradáveis acerca de nós mesmos, isto é, nós somos pecadores, estamos sob a
maldição da lei de Deus e não podemos salvar a nós mesmos. Cristo assumiu o
nosso pecado e a maldição exatamente porque não havia outra forma de nos vermos
livres deles. A cruz nos reduz a nada. Ela fura o balão da nossa vaidade. Fere
mortalmente o nosso orgulho e a nossa soberba. É ao pé da cruz que voltamos ao
nosso tamanho normal, diz John Stott.
Em segundo
lugar, os falsos mestres revelam suas três principais características:
arrogância, constrangimento (persuasão) e hipocrisia.
ð Por sua
arrogância eles tinham como objetivo usar os irmãos como objeto de promoção
pessoal. Na verdade, eles queriam mostrar boa aparência na carne
e se gloriarem na vossa carne (vv.12a, 13b).[21]
ð Em sua
persuasão eles constrangiam os irmãos
– v.12b. O verbo obrigar
(constranger – ARA) dá a ideia de persuasão intensa e até mesmo força
(cf. Gl 2.14). O significado é de constranger contra a vontade, e é um
termo forte. Indica que os judaizantes eram extremamente persuasivos ou
constrangedores e estavam convencendo os gálatas de que o legalismo era a
melhor escolha que poderiam fazer. Sempre que Paulo apresentava a Palavra, ele
o fazia de modo verdadeiro e sincero, sem truques de oratória nem recursos
argumentativos (cf. 1Co 2.1-5; 2Co 4,1-5).[22]
ð Os
judaizantes não eram apenas arrogantes e persuasivos, mas também hipócritas (v.13).
Exigiam dos outros aquilo que não praticavam. Falavam uma coisa e faziam outra.
Pertenciam ao mesmo grupo dos fariseus, sobre os quais Jesus disse: “...porque
dizem e não fazem” (Mt 23.3). Jesus chamou
esse grupo de hipócritas (Mt 23.13-15, 23-29) e raça de
víboras (Mt 23.33). Paulo os
condena por sua desonestidade; não tinham intenção alguma de guardar a Lei,
mesmo que pudessem. Ele desmascara esses hipócritas, mostrando que sua
reverência à lei era apenas uma máscara para encobrir seu verdadeiro objetivo:
ganhar mais convertidos para a sua causa. Tudo o que eles desejavam era ter
estatísticas para relatar e receber mais glórias para si mesmos.[23]
John Stott observa que, ao se concentrarem na circuncisão,
os judaizantes cometeram outro erro, pois a circuncisão não era apenas um
ritual exterior e físico; era também uma obra humana, realizada por um ser
humano em outro ser humano. Mais do que isso: como símbolo religioso, a
circuncisão obrigava as pessoas a guardarem a lei (At 15.5). A religião humana
começava com uma obra humana (circuncisão) e continuava com mais obras humanas
(obediência à lei).[24]
Mas, o que importa de verdade não é se uma pessoa foi
circundada ou batizada, mas se ela nasceu de novo e é nova criatura. O que
importa não é o externo, mas o interno; não é o símbolo, mas o simbolizado; não
é o batismo com água, mas o batismo do Espírito.[25]
2. A
motivação de Paulo era a glória de Deus – vv.14-18
Paulo faz um contraste entre os falsos mestres que se
gloriavam na carne, e ele, ministro verdadeiro, que se gloriava exclusivamente
na cruz de Cristo. Paulo conhecia a
Pessoa da cruz – Jesus é mencionado pelo menos 45 vezes nessa carta. Paulo conhecia o poder da cruz – a cruz
deixou de ser uma pedra de tropeço para ele e se tornou a pedra fundamental de
sua mensagem. Paulo conhecia o propósito
da cruz – esse propósito era mostrar ao mundo a Igreja de Deus, formado de
judeus e gentios.[26]
A cruz não era uma coisa da qual Paulo procurava
fugir; antes, era o motivo de seu orgulho. Enquanto os falsos mestres se
gloriavam na carne, Paulo se gloriava na cruz (v.14). Não podemos gloriar-nos em nós mesmos e na cruz ao mesmo
tempo. Temos de escolher. Só quando nos humilharmos e nos reconhecermos como
pecadores que merecem o inferno, deixaremos de nos gloriar em nós mesmos,
buscaremos a salvação na cruz e passaremos o restante de nossos dias
gloriando-nos na cruz.[27]
Arival aponta três motivos pelos quais Paulo se gloriava
na cruz:[28]
1º) Porque a cruz deu origem a uma nova criatura
(v.15) – A morte de Cristo na cruz gera novas criaturas em Cristo (2Co 5.17). Pelo poder da cruz de
Cristo, um novo homem é gerado espiritualmente (Jo 3.1-8).
2º) Porque a cruz deu origem a um novo povo
(v.16). Com a cruz um novo povo foi
formado, uma nova família foi constituída. O Israel de Deus não é mais a nação
judaica (Rm 9.1-13), mas a Igreja de
Deus que Jesus comprou na cruz com o seu sangue, composta por pessoas de todas
as nações (Ef 2.11-22; 3.6). Essa “igreja tem uma regra para a sua
orientação (v.16b). A palavra
grega para regra é kanon, que
significa uma vara de medir ou régua. Era a medida padrão do carpinteiro. A
igreja tem uma regra pela qual se orientar. É o cânon da Escritura, a doutrina
dos apóstolos, a doutrina da cruz de Cristo. Essa é a regra pela qual a igreja
deve andar e continuamente julgar-se e reformar-se. A igreja só tem paz e só
desfruta da misericórdia quando anda em conformidade com a verdade revelada de
Deus. A paz é a serenidade de coração, que é a porção de todos aqueles que têm
sido justificados pela fé (Rm 5.1). A paz e a
misericórdia são inseparáveis. Se a misericórdia de Deus não fosse manifesta a
seu povo, o povo jamais haveria gozado a paz”[29].
3º) Porque a cruz de origem a um novo estilo de
vida (v.17). Fomos
crucificados com Cristo. E nessa identificação estamos também crucificados para
o mundo e o mundo para nós. Morremos para o mundo, e o mundo morreu para nós.
Perdemos o encanto pelo mundo, e o mundo perdeu o encanto por nós. Merrill
Tenney diz que, tão certo como Cristo morreu e dessa maneira cortou a conexão
entre ele mesmo e o mundo, o crente é emancipado das cadeias com as quais o
mundo o trazia algemado. Porque o mundo está crucificado para nós, o crente
jamais precisa seguir pelo caminho do mundo, isto é, pelo caminho do pecado, da
corrupção, da morte e do julgamento. Jesus morreu para libertar-nos do mundo.
Porque estamos crucificados para o mundo, o crente rejeita as atrações e
prazeres do mundo. Por essa causa o crente torna-se uma pessoa não atraente
para o mundo.[30]
Concluindo
Paulo levava as marcas de Jesus em seu corpo e a graça
de Jesus em seu espírito. Sem dúvida essas marcas (v.17) foram os ferimentos que ele recebeu em diversas perseguições
por amor a Cristo.[31]
“Ao ler 2Co 11.18-33, não é difícil
entender essa declaração, pois Paulo sofreu fisicamente por Cristo de várias
maneiras e em vários lugares”[32].
Somente aqui se diz que ele recebeu dos judeus 195 açoites e foi três vezes fustigado
com varas pelos romanos. Paulo foi apedrejado na cidade de Listra, na província
da Galácia (At 14.19). Paulo foi
preso em Filipos, Jerusalém, Cesáreia e Roma. Seu sofrimento pelo evangelho e
os ferimentos que seus perseguidores lhe infligiram e as cicatrizes que ficaram
eram as “marcas de Jesus”. Essas eram suas verdadeiras credenciais, e isso
bastava. Por essa razão, Adolf Pohl chegou a dizer que em Paulo não somente se
podia ouvir, mas ao mesmo tempo se podia ver a mensagem da cruz.[33]
Paulo começa a carta com a graça (1.3) e a termina com a graça (6.18).
Toda a carta foi dedicada ao tema da graça de Deus, seu favor imerecido a
pecadores indignos. Essa graça só pode ser realmente desfrutada quando atinge o
nosso espírito. Portanto, devemos pedir a Deus que prepare em nossa alma uma
habitação para a sua graça.[34]
Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 17/06/16
[1] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas &
Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 25.
[2] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da liberdade,
Editora Hagnos, p. 255.
[3] Casimiro, p. 25, 26. Esse ponto segue literalmente o
comentário da lição nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
[4] Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo –
Novo Testamento 1 – Gálatas, Ed. Geográfica, 2007, p. 944.
[5] Wiersbe, p. 944.
[6] Lopes, p. 262.
[7] Lopes, p. 264, 265.
[9] Lopes, p. 264-266. Esse ponto segue literalmente o
comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
[10] O contexto mostra que Paulo ainda está tratando do
sustento dos ministros fiéis da Palavra. Deixar de investir no sustento
daqueles que se afadigam na Palavra é sonegar a semente da vida a esse solo que
produz bênçãos espirituais. De acordo com Calvino, essa passagem contém
evidência de que o costume de menosprezar os ministros fiéis não surgiu em
nossos dias. Mas esse menosprezo não ficará impune.
[11] Lopes, p. 268.
[12] Lopes, p. 267, 268.
[13] Lopes, p. 268.
[15] Lopes, p. 272.
[16] Davidson, F. Novo Comentário da Bíblia, 1963, Bible
Software theWord, Gálatas 6.11.
[17] Wiersbe, p. 948.
[18] Lopes, p. 273, 274.
[20] Lopes, p. 274-276. Esse ponto segue literalmente o
comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
[21] Casimiro, p. 27.
[22] Wiersbe, p. 949.
[24] Lopes, p. 278.
[26] Lopes, p. 278.
[27] Lopes, p. 279.
[28] Casimiro, p. 28. Esse ponto segue literalmente o
comentário da lição na página já citada, com cortes e acréscimos necessários ao
ensino local.
[29] Lopes, p. 283.
[30] Lopes, p. 279, 280.
[31] Lopes, p. 284.
[32] Wiersbe, p. 951.
[33] Lopes, p. 284.
[34] Lopes, p. 285.
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