No estudo anterior em Gálatas 4.12-20 com o tema: O ministério do evangelho da graça,
expomos o texto e vimos que Paulo colocou seu ministério em risco ao falar a
verdade aos gálatas sobre a justificação pela fé somente e sobre o engano do
ensino dos judaizantes. Mas, para ele valeu a pena, pois seu objetivo era que Cristo seja
formado em vós (v.19).
Hoje, em Gálatas
4.21-31, veremos que “ao continuar comparando graça e lei, fé e obras,
nesse trecho de Gálatas, Paulo emprega uma história do Antigo Testamento como
uma analogia, ou ilustração, do que vinha ensinando. De modo claro ele
confronta os dois filhos de Abraão – Ismael e Isaque”[1].
Paulo está usando seu último argumento para provar a
justificação pela graça, mediante a fé, no lugar da salvação pelas obras da
lei. O contexto ainda mostra que Paulo está refutando os falsos mestres
judaizantes que perturbavam a igreja e adulteravam a verdade. Pois, diante da
pressão dos judaístas (6.12,13), os crentes da Galácia já haviam concordado em
se deixar circuncidar (5.2). O argumento de Paulo é que quem queria a
circuncisão na prática queria a lei (5.3) e queria estar sob a lei (4.21).[2]
John Stott fala que são três os estágios no argumento
desse parágrafo: 1º) o histórico –
vv.22, 23 – onde Paulo lembra a seus leitores que Abraão teve dois filhos:
Ismael, filho de uma escrava, e Isaque, filho de uma mulher livre; 2º) o alegórico – vv.24-27 – quando ele
argumenta que esses dois filhos e suas mães representam duas religiões: uma
religião de servidão, que é o judaísmo, e uma religião de liberdade, que é o
cristianismo; e 3º) o pessoal
– vv.28-31 – onde ele aplica a sua
alegoria a nós. Se somos cristãos, não somos como Ismael (escravos), mas como
Isaque (livres). Finalmente, o apóstolo demonstra o que devemos esperar se nos
parecemos com Isaque.[3]
William Barclay diz que, para os rabinos judeus toda
passagem da Escritura possuía quatro significados: 1) PeshaP – o significado
simples e literal; 2) Remaz – o significado sugerido; 3) Derush
– o significado implícito, que se deduzia por investigação; 4) Sod
– o sentido alegórico. As primeiras letras dessas quatro palavras – PRDS – são as consoantes da palavra “paraíso” (paradise em inglês), e segundo os rabinos, quando alguém conseguia
penetrar esses quatro significados diferentes, alcançava a glória do paraíso.[4]
Alegorizar é procurar um sentido oculto ou obscuro que
se acha por trás do significado mais evidente do texto, mas lhe está distante e
na verdade dissociado. Em outras palavras, o sentido literal é uma espécie de
código que precisa ser decifrado para revelar o sentido mais importante e
oculto. Segundo esse método, o literal é superficial, e o alegórico é o que
apresenta o verdadeiro significado.[5]
R. E. Howard diz que Paulo usou métodos rabínico sem
virtude do seu desejo de enfrentar seus oponentes no nível deles e por ter sido
essa sua formação educacional. Dessa forma, nesse caso, a alegoria foi uma
ilustração confirmatória da verdade que, por argumentação, Paulo já havia
provado convincentemente. Mesmo porque, o texto não endossa o método alegórico
como a maneira normativa de interpretarmos as Escrituras. O verdadeiro
significado da Escritura é o natural e o óbvio. Certamente Paulo não quis dizer
que Moisés escreveu a história para que ela fosse transformada em uma alegoria.[6]
Hoje, nosso tema é: A graça do evangelho da graça. Vamos abordá-lo em três pontos: 1º) Ismael e Isaque – duas realidades
espirituais – vv.21-23; 2º) Agar e Sara – duas alianças – vv.24-27; e 3º) Aplicações espirituais – vv.28-31.
I. Ismael e
Isaque – duas realidades espirituais – vv.21-23
Paulo ensinou aos irmãos da Galácia que eles passaram
à plena condição de filhos de Abraão no momento em que creram em Cristo. Os
falsos mestres estavam ensinando que precisavam se submeter a todas as leis do
Antigo Testamento, incluindo a circuncisão, para de fato se tornarem filhos de
Abraão.
1.
v.21 – Aqui,
as palavras de Paulo são endereçadas às pessoas cuja religião é legalista, que
imaginam que o caminho a Deus é por meio da observância de certas regras. São
indivíduos que transformam o evangelho em lei e supõem que o seu relacionamento
com Deus depende de uma obediência restrita a regulamentos, tradições e cerimônias.
São até crentes professos, mas que vivem escravizados por esses preceitos. Ele diz
que, estar sob a lei é o caminho da servidão, pois a verdade dos fatos é que
aqueles que estão sob a lei estão debaixo de escravidão. Isso porque a própria
lei da qual querem ser servos se levantará como seu juiz para condená-los.[7]
2.
v.22 – Paulo
confronta aqueles que cultivavam uma falsa esperança no seu parentesco com
Abraão para dizer que o patriarca tinha dois filhos, porém de mães diferentes e
de naturezas diferentes. Ismael era filho de Hagar, uma mulher escrava, e
nasceu segundo a carne. Isaque era filho de Sara, a mulher livre, e nasceu
segundo a promessa.[8]
3.
v.23 – John
Stott diz que Isaque não nasceu segundo a natureza, mas, antes, contra a
natureza. Seu pai tinha 100 anos de idade e sua mãe, que fora estéril, tinha
mais de 90 anos (cf. Hb 11.11).
Ismael nasceu segundo a natureza, mas Isaque contra a natureza,
sobrenaturalmente, por meio de uma promessa excepcional de Deus.[9]
Ismael é símbolo da lei, e Isaque é símbolo da graça.
Um nasceu segundo a carne, e o outro segundo a promessa. Essas duas diferenças
entre os filhos de Abraão, Ismael tendo nascido escravo segundo a natureza, e
Isaque tendo nascido livre segundo a promessa, Paulo considera “alegóricas”. Todos
são escravos por natureza, até que no cumprimento da promessa de Deus sejam
libertados. Portanto, todos são Ismaéis ou Isaques, sejam escravos por natureza
ou livres pela graça de Deus.[10]
Arival diz que os dois filhos ilustram os nossos dois nascimentos: o nascimento
físico e o novo nascimento (Jo 3.6).[11]
Donald Guthrie tem razão em dizer que Ismael foi o
resultado da confiança de Abraão no planejamento humano em vez da confiança na
promessa de Deus. William Hendriksen diz que, quando Paulo afirma que Ismael
“nasceu segundo a carne”, ele tem duas coisas em mente: que Ismael nasceu
segundo um propósito carnal (Gn 16.2) e em virtude da capacidade física que
Abraão e Hagar tinham (Gn 16.4). Adolf Pohl complementa que Abraão e Sara
tentaram empurrar a aliança para a linhagem de Ismael e é nesse sentido que
agem “segundo a carne”, a saber, distantes de Deus.[12]
Warren Wiersbe diz que Isaque ilustra o cristão em
vários aspectos: ele nasceu pelo poder de Deus, trouxe alegria, cresceu e foi
desmamado, e acabou perseguido.[13]
As bênçãos espirituais são dádivas da graça, e não resultado do esforço humano.
As riquezas eternas são confiadas aos filhos, ou seja, aqueles que recebem a
Cristo como Salvador, e não aos escravos que vivem sob a tirania da lei (Rm
8.17).[14]
II. Agar e
Sara – duas alianças – vv.24-27
Tendo apresentado Ismael e Isaque como dois filhos de Abraão,
representando aqueles que vivem na escravidão sob a lei e aqueles que vivem na
liberdade sob a graça, Paulo agora apresenta as duas mulheres de Abraão, bem
como as duas Jerusaléns, símbolos da antiga e da nova aliança. Assim, as duas
mulheres, Hagar e Sara, bem como as duas Jerusaléns, a terrena e a celestial,
representam as duas alianças, a antiga e a nova.[15]
1.
vv.24, 25 – Hagar
é a mulher escrava que gera para a escravidão. Ela é tipificada pelo monte
Sinai e pela Jerusalém terrena. Representa aqueles que confiam na lei para a
sua salvação. Cinco vezes nesta seção, Hagar é chamada de “escrava” (4.22, 23, 30,
31). Hagar não era mulher de Abraão, mas foi dada a ele como tal, para dessa
relação temporária nascer um filho, com a vã expectativa de que fosse o filho
da promessa.[16]
Warren Wiersbe tem razão quando diz que Hagar tentava
fazer o que só Sara poderia realizar, e por isso fracassou. A lei não pode dar
vida (3.21), nem justiça (2.21), nem o dom do Espírito (3.2), nem uma herança
espiritual (3.18). Isaque era o herdeiro de Abraão, mas Ismael não participou
dessa herança (Gn 21.10). Portanto, Hagar, a escrava, é o monte Sinai e a
Jerusalém atual. Ela é o símbolo da antiga aliança, na qual o homem está
debaixo da lei e é escravo dela.[17]
2.
vv.26, 27 – Sara,
a mulher livre, é símbolo da Jerusalém lá do alto. E a mãe de todos os filhos
da promessa, aqueles que nasceram do Espírito. Sara é o símbolo daqueles que
nasceram do alto, de cima, do Espírito. Os filhos de Sara têm o céu como origem
e destino. Eles nasceram do céu, são cidadãos do céu, estão-se preparando para
o céu e irão para o céu. Sara representa todos aqueles que foram salvos pela fé
em Cristo, independentemente das obras da lei.[18]
R. E. Howard conclui esse ponto, dizendo que a
comunidade judaica (que vive pela lei) é filha da Jerusalém na Palestina, mas a
comunidade cristã (que vive pela fé) é filha da Jerusalém eterna.[19]
Portanto, a lei não pode dar vida nem fertilidade; o
legalismo é estéril. Se as igrejas tivessem capitulado ao legalismo, teriam
ficado estéreis, mas, porque permaneceram firmes na graça, mostraram-se
prolíficas e se propagaram por todo o mundo.[20]
III.
Aplicações espirituais – vv.28-31
Paulo evoca os eventos
históricos, explica-os e agora faz as devidas aplicações.[21]
1)
Paulo faz uma declaração categórica – v.28. Paulo chama os crentes da Galácia de irmãos e diz a
eles que, embora pressionados e seduzidos pelos falsos mestres, eles eram filhos
da promessa, haviam nascido do Espírito, e não da carne, mas sobrenaturalmente.
Eram membros da família de Deus, e não apenas adeptos de uma religião
legalista.
2)
Paulo fala de uma certeza esclarecedora – v.29. Os legalistas sempre se levantaram, se levantam e se
levantarão para perseguir a igreja de Deus. Essa tensão jamais deixou de
existir. E uma guerra sem trégua. John Stott tem razão quando afirma que a
perseguição da verdadeira igreja, a descendência espiritual de Abraão, nem
sempre vem do mundo, mas dos religiosos, ou seja, da igreja nominal, os filhos
de Ismael.
3)
Paulo fala de uma ordem expressa – v.30. Assim como Sara deu ordem a Abraão para lançar fora
de casa Hagar e Ismael, também devemos lançar fora da nossa vida espiritual
toda espécie de legalismo carnal. Warren Wiersbe acertadamente escreve: E
impossível a lei e a graça, a carne e o Espírito entrarem em acordo e
conviverem. Deus não pediu a Hagar e a Ismael que voltassem de vez em quando
para fazer uma visita; foi um rompimento permanente. Os judaizantes do tempo de
Paulo - e de nossos dias - tentam conciliar Sara com Hagar e Isaque com Ismael,
uma conciliação contrária à Palavra de Deus. E impossível misturar a lei com a
graça, a fé com as obras e a justificação que Deus concede com a tentativa
humana de merecer a justificação.
4)
Paulo fala de uma constatação inequívoca – v.31. Paulo conclui seu argumento demolidor dizendo para
os crentes da Galácia que somos filhos da graça, e não da lei; de Sara, e não
de Hagar; da livre, e não da escrava. Consequentemente, nossa conduta deve
expressar nossa fé. Se somos filhos da livre, devemos tomar posse da nossa
liberdade em vez de viver como escravos, pois apenas em Cristo podemos herdar
as promessas, receber a graça e desfrutar da liberdade de Deus.
Concluindo
A graça do evangelho da graça está em que:
1)
Deus salva o
pecador, seja ele quem for – religioso legalista ou sem religião.
2)
A graça de
Deus é absolutamente suficiente para a salvação.
3)
A graça de
Deus recebida pela fé torna os crentes em filhos de Deus e livres da condenação
da lei e do pecado.
Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 21/05/16
[1] MacArthur, John. Gálatas – A maravilhosa Graça de
Deus, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 67.
[2] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da liberdade,
Editora Hagnos, p. 197, 198.
[3] Lopes, p. 198, 199.
[4] Lopes, p. 199.
[5] Lopes, p. 199.
[7] Lopes, p. 198.
[8] Lopes, p. 200.
[10] Lopes, p. 201.
[11] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas &
Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 19.
[12] Lopes, p. 202.
[13] Lopes, p. 203.
[15] Lopes, p. 204.
[16] Lopes, p. 205.
[17] Lopes, p. 206, 207.
[18] Lopes, p. 207.
[20] Lopes, p. 210.
[21] Lopes, p. 201-213. Esse ponto segue literalmente o
comentário do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
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