No estudo anterior em Gálatas 2.1-10 com o tema: Somente um evangelho. Estudamos o tema
em três pontos: 1º) Somente um evangelho apostólico – vv.1-3; 2º) Somente um evangelho para
a salvação – vv.4-8; 3º) Somente
um evangelho da comunhão – vv.9, 10.
Terminamos refletindo nas palavras de Paulo aos Efésios 4.1-6.
Hoje, vamos estudar Gálatas 2.11-21.
Hernandes Dias Lopes diz que essa é uma das passagens
mais constrangedoras da Bíblia e uma das mais polêmicas dessa carta.[1]
John MacArthur afirma que essa é uma descrição dos dias mais sombrios na
história do evangelho.[2]
É verdade que tinha surgido uma séria crise. Mas Deus
não havia abandonado a sua igreja. A Paulo tinham sido reveladas as totais
implicações do evangelho; para ele, a liberdade dos gentios era uma questão de
princípios, e quando um princípio estava em jogo, ele nunca se calava. Na
verdade, Pedro e Paulo não estavam tendo uma discordância doutrinária, o que
estava acontecendo era que a conduta de Pedro era discordante dos seus
princípios, como Paulo mostra nessa passagem.[3]
Paulo evidencia que o evangelho é maior do que o
apóstolo, e demonstra que a verdade está acima da personalidade. Obviamente o
foco dessa passagem não é destacar uma disputa das vaidades pessoais. Não se
trata de um jogo de interesse pessoal. O que está em jogo nesse texto não é uma
luta pessoal por prestígio, mas a defesa da verdade, a integridade e a
credibilidade do próprio evangelho da graça.[4]
O nosso tema de hoje é: Vivendo conforme a verdade do Evangelho – 1º) Sem hipocrisia e sem medo
– vv.11-14; 2º) Justificado pela fé em
Cristo – vv.15-19; 3º)
Sem
anular a graça de Deus – vv.20, 21.
I. Vivendo
conforme a verdade do Evangelho – Sem
hipocrisia e sem medo – vv.11-14
Esta é a terceira ocasião na qual Paulo entrou em contato com Pedro.
A primeira vez ele simplesmente ficou conhecendo Pedro; na outra ele
descobriu
a unidade e igualdade que havia entre eles; desta vez ele foi levado a
discordar
dele e a repreendê-lo.[5]
Antioquia é a terceira maior cidade do Império Romano
e o lugar onde primeiramente os discípulos de Cristo foram chamados cristãos
(cf. At 11.26). Nessa grande
metrópole do mundo antigo florescia uma igreja multirracial e multicultural,
como uma das provas mais eloquentes da unidade gerada pelo evangelho. Nessa
cidade o evangelho prosperou e a partir daí alcançou o mundo.[6]
Pedro vai a essa cidade e à essa igreja – primeira igreja gentílica, e nessa visita
tropeça em seu testemunho, tornando-se inconsistente, como diz Paulo: porque era repreensível (v.11). Em outras versões: (ARA) se tornara repreensível; (NVI) por sua atitude condenável; (NTLH) porque ele estava
completamente errado; (VIVA) porque estava muito errado.
Mas, em que Pedro estava errado? Paulo explica a
situação de maneira simples. Pedro mudara seus hábitos alimentares: ele comia com os gentios; mas, depois... se foi
retirando, e se apartou deles (v.12).
Para os cristãos do primeiro século, muito mais surpreendente do que Pedro
parar de comer com os gentios seria o fato de ter começado a comer com eles.[7]
[8]William Hendriksen é da opinião que Paulo se referia à
refeição de comunhão (festa da ágape) da igreja primitiva, ao final da qual a
Ceia do Senhor era celebrada (cf. 1Co
11.17-34). Essa refeição era uma demonstração do amor fraternal,
especialmente quando os mais abastados repartiam com os crentes pobres, pelo
menos uma vez por semana, uma refeição mais substanciosa. William Barclay informa
que, para muitos crentes oriundos do escravagismo, essa era a única refeição
decente da semana. No entanto, não tardou para que o propósito dessas refeições
se desviasse. Em Corinto, por exemplo, houve uma segregação social, quando os
irmãos ricos se apartaram dos irmãos pobres (cf. 1Co 11.17-22), enquanto em Antioquia houve uma segregação racial,
quando os cristãos judeus se apartaram dos cristãos gentios (2.12).
Pedro tinha plena convicção de que os gentios
convertidos faziam parte da igreja de Cristo. Ele aprendeu sobre a
universalidade do evangelho com o próprio Jesus (cf. Jo 3.16; 4.42; 10.16; 12.32; 17.19, 20). Depois do Pentecostes, ele
mesmo abriu a porta do evangelho aos gentios, indo à casa de Cornélio, um
gentio piedoso, por orientação do Espírito, para pregar-lhes o evangelho e
recebê-los à comunhão da igreja pelo batismo (At 10.9-16, 28). O próprio Pedro defendeu sua conduta diante da
igreja de Jerusalém, mostrando que a porta do evangelho estava aberta aos
gentios tanto quanto aos judeus (At
11.1-18). De forma consistente ao evangelho e de acordo com suas próprias
convicções e prática, ao chegar em Antioquia, Pedro uniu-se aos gentios,
comendo com eles e, tendo comunhão irrestrita com eles, como irmãos em Cristo.
A teologia de Pedro continuava intacta, crendo ele que
os gentios faziam parte da igreja, mas sua atitude estava em desacordo com sua
teologia. Havia uma esquizofrenia entre sua doutrina e sua conduta; entre sua
fé e sua prática. Pedro cavou um abismo entre sua convicção e sua ação. Pedro,
temendo desagradar um grupo de judeus radicais, conhecidos como os da circuncisão (cf. At 15.1, 5), a quem Paulo chamou de falsos irmãos, acabou ferindo a
comunhão fraternal e afastando-se dos crentes gentios. Por causa dos falsos
irmãos, Pedro virou as costas para os verdadeiros irmãos.
Jonh Stott diz: Não que Pedro negasse o evangelho em
sua doutrina, pois Paulo se esmera em demonstrar que ele e os apóstolos de
Jerusalém estavam unidos quanto ao evangelho (2.1-10), e ele repete este fato nos vv.15, 16. A ofensa de Pedro contra o evangelho foi na sua conduta.
A atitude de Pedro e dos demais judeus é chamada por
Paulo de dissimulação (v.13). O termo grego sunupekrithesan significa hipocrisia. Fritz Rienecker e Cleon
Rogers explicam que o significado básico da palavra é responder de baixo, em
referência aos atores que falavam por detrás de máscaras. A palavra indica
o ocultamento do caráter sob pretensos sentimentos. Um indivíduo hipócrita é
aquele que age como um ator, representando um papel diferente da sua vida real.
Segundo Donald Guthrie, a palavra grega usada aqui é a mesma para os atores que
escondiam suas verdadeiras personalidades por trás dos papéis desempenhados. A implicação é que nem Pedro nem os demais
judeus estavam agindo sinceramente quando se apartaram. Agiram, na realidade,
contra a própria consciência e deram uma impressão totalmente falsa.
Pedro, por ser um líder, acabou por exercer uma
péssima influência sobre os demais judeus, inclusive sobre o próprio Barnabé (v.13). Um líder nunca é neutro.
Liderança é sobretudo influência. Um líder influencia sempre, para o bem ou
para o mal. Pedro, em vez de trabalhar em prol da unidade e da edificação da
igreja, laborou para a sua divisão e enfraquecimento.
Precisamos estar atentos para o fato de que, se a vida
do líder é a vida da sua liderança, os pecados do líder são os mestres do
pecado. Os pecados do líder são mais graves, mais hipócritas e mais danosos do
que o pecado das demais pessoas. São mais
graves porque o líder peca com maior conhecimento; são mais hipócritas porque o
líder condena o pecado dos outros, mas pratica os mesmos pecados que condena;
são mais danosos porque, quando o líder tropeça, mais pessoas são influenciadas
por seu fracasso.
Paulo agiu de forma firme em defesa da verdade do
evangelho (v.14). O que estava em
jogo não era uma disputa pessoal de honra ao mérito, mas a integridade do evangelho
da graça. Com sua atitude firme e leal, Paulo não perdeu a amizade de Pedro e
ainda salvou a integridade do evangelho.
A verdade do evangelho foi o eixo central da discussão
tanto em Jerusalém (2.5) como em
Antioquia (2.14). E que verdade era
essa tão importante pela qual Paulo lutou? O contexto nos mostra que é a
doutrina da justificação pela graça, por intermédio da fé (2.15-17). Distorcer essa verdade do evangelho é colocar-se sob
maldição (1.8, 9).
Esse episódio nos ensina três lições: 1ª) Líderes
importantes podem cometer grandes deslizes; 2ª) Manter a verdade na
igreja é mais importante do que manter a paz; e 3ª) Problemas entre irmãos
devem ser tratados de forma direta e pessoal.[9]
Hernandes Dias diz que o texto nos alerta para algumas atitudes preventivas, que devem estar presentes na vida da igreja: Em primeiro lugar, doutrina e prática precisam caminhar de mãos dadas; em segundo lugar, comunhão e repreensão não são excludentes, mas complementares; em terceiro lugar, o confronto honesto é melhor do que a lisonja hipócrita; e em quarto lugar, autoridade e humildade não são coisas incompatíveis.
II. Vivendo conforme a verdade do
Evangelho – Justificado pela fé em Cristo – vv.15-19
Paulo enxergou o princípio por traz da atitude
hipócrita de Pedro. E, ao lhe falar a esse respeito, aponta para o princípio,
em vez de se limitar a querer alterar seu comportamento. O raciocínio básico de
Paulo é: Deus não estabeleceu comunhão com você com base em sua etnia e cultura
(v.15). Por melhor e mais devoto que
você fosse, sua etnia e seus costumes não tiveram nada a ver com isso (v.16).[10]
Warren Wiersbe diz que esta é a primeira vez que o termo
justificação aparece na epístola (v.16)
e, provavelmente, nos textos de Paulo, uma vez que Gálatas deve ter sido a
primeira carta escrita de Paulo. A grande pergunta é: Como pode o homem ser
justo para com Deus? (Jó 9.2). A
resposta é clara: “O justo viverá pela sua fé” (Hc 2.4). Este conceito é tão vital que três livros do Novo
Testamento o explicam para nós: Romanos (1.17),
Gálatas (3.11) e Hebreus (10.38). Romanos explica o significado
de “o justo”; Gálatas explica “viverá”; e Hebreus explica “pela fé”.[11]
John Stott tem razão ao dizer que a doutrina da
justificação pela fé é central na mensagem da epístola, fundamental no
evangelho pregado por Paulo e realmente essencial no próprio cristianismo. Martinho
Lutero referiu-se à doutrina da justificação como o principal, o mais
importante, e o mais especial artigo da doutrina cristã.[12]
Justificação que dizer que, em Cristo, apesar de na
verdade sermos pecadores, não estamos debaixo de condenação. Deus nos aceita
apesar do nosso pecado. Não somos aceitáveis a ele porque nos tornamos justos
de fato – tornamo-nos justos de fato por que somos aceitáveis a Deus.[13]
Agora, Paulo deixa
claro que, se uma pessoa depois de ter recebido a salvação pela graça mediante
a fé em Cristo, voltar a traz e começar a praticar as obras da lei para sua
salvação, ela nunca entendeu de fato o evangelho e estava só procurando uma
desculpa para viver em desobediência a Deus (vv.17, 18).
Portanto, se somos justificados pela fé no que Cristo
fez, não somos justificados pelo que fazemos. A observância da lei não é o que
salva (v.16). Foi ao que Paulo se
referiu quando disse: Porque eu, pela lei, estou
morto para a lei, para viver para Deus (v.19).[14]
III. Vivendo conforme a verdade do
Evangelho – Sem anular a graça de Deus – vv.19-21
Em vez de viver no pecado e
para o pecado, uma pessoa justificada vive para Deus. A justificação abre ao homem o
caminho da intimidade com Deus. Essa vida para Deus é marcada
por quatro realidades.[15]
1º) O crente vive
para Deus morrendo para lei – v.19.
João Calvino diz que essa morte não é o fim de tudo, e sim a origem de uma vida
melhor, porque Deus nos resgata do naufrágio da lei e, mediante sua graça, nos
restaura para outra vida.
2º) O crente vive
para Deus sendo crucificado com Cristo – v.20a. Estar crucificado com Cristo arranca do isolamento toda a
nossa existência espiritual com todas as suas circunstâncias, como podemos
encontrar repetidamente em Paulo: sofrer com, morrer com, ser crucificado com,
ser sepultado com, ser ressuscitado com, tornar-se vivo com, ser glorificado
com, ser coerdeiro com e reinar com. Essa crucificação com Deus encontra-se sob
a marca da comunhão.
3º) O crente vive
para Deus quando Cristo vive nele – v.20b.
Somos salvos pela fé em Cristo (ele morreu por nós) e vivemos pela fé em Cristo
(ele vive em nós).
João Calvino diz que Cristo vive em nós de duas
maneiras: uma consiste em governar-nos por meio de seu Espírito e dirigir todas
as nossas ações; a outra, em tornar-nos participantes de sua justiça, de modo
que, embora nada possamos fazer por nós mesmos, somos aceitos aos olhos de
Deus.
4º) O crente vive para Deus confiando na graça
– v.21.
John Stott diz que os dois alicerces da religião
cristã são a graça de Deus e a morte de Cristo. O evangelho cristão é o
evangelho da graça de Deus. A fé cristã é a fé do Cristo crucificado. Assim, se
alguém insiste que a justificação é pelas obras e que se pode alcançar a
salvação por esforço próprio, está solapando os fundamentos da religião cristã.
Está anulando a graça de Deus e tornando supérflua a morte de Cristo.
Joao Calvino diz que se a morte de Cristo é a nossa
redenção, então, éramos cativos; se ela é o pagamento, então, éramos devedores;
se é a expiação, então, éramos culpados; se é a purificação, então, éramos
imundos. No sentido contrário, aquele que atribui às obras a sua purificação, o
seu perdão, a sua expiação, a sua justiça ou o seu livramento, torna inútil a
morte de Cristo.
Concluindo
A graça diz: “Não há distinção! Todos são pecadores, e
todos podem ser salvos pela fé em Cristo”. A lei diz: “Há distinção. A graça de
Deus não é suficiente; também precisamos da lei”. O argumento de Paulo é que a
volta à lei anula a cruz. Enquanto a lei diz: “Faça!”, a graça diz: “Já foi
feito!”
[1] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da Liberdade
Cristã, Editora Hagnos, 2011, p. 94.
[3] Carson, D. A. Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova,
SP, 2009, p. 1823.
[4] Lopes, p. 97.
[5] Comentário Bíblico Moody, Gálatas, p. 16.
[6] Lopes, p. 97.
[7] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015,
p. 53.
[8] Lopes, p.94-110. Este comentário segue literalmente a
exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
[9] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas &
Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 10.
[10] Keller, p. 58.
[11] Lopes, p. 114.
[12] Lopes, p. 114.
[13] Keller, p. 62.
[15] Lopes, p. 124-127. Este comentário segue literalmente
a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos
necessários ao ensino local.
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