domingo, 3 de abril de 2016

Estudos Bíblico na Carta aos Gálatas (5) - Vivendo conforme a verdade do Evangelho

Gálatas 2.11-21

No estudo anterior em Gálatas 2.1-10 com o tema: Somente um evangelho. Estudamos o tema em três pontos: 1º) Somente um evangelho apostólicovv.1-3; 2º) Somente um evangelho para a salvaçãovv.4-8; 3º) Somente um evangelho da comunhãovv.9, 10. Terminamos refletindo nas palavras de Paulo aos Efésios 4.1-6.

Hoje, vamos estudar Gálatas 2.11-21.

Hernandes Dias Lopes diz que essa é uma das passagens mais constrangedoras da Bíblia e uma das mais polêmicas dessa carta.[1] John MacArthur afirma que essa é uma descrição dos dias mais sombrios na história do evangelho.[2]

É verdade que tinha surgido uma séria crise. Mas Deus não havia abandonado a sua igreja. A Paulo tinham sido reveladas as totais implicações do evangelho; para ele, a liberdade dos gentios era uma questão de princípios, e quando um princípio estava em jogo, ele nunca se calava. Na verdade, Pedro e Paulo não estavam tendo uma discordância doutrinária, o que estava acontecendo era que a conduta de Pedro era discordante dos seus princípios, como Paulo mostra nessa passagem.[3]

Paulo evidencia que o evangelho é maior do que o apóstolo, e demonstra que a verdade está acima da personalidade. Obviamente o foco dessa passagem não é destacar uma disputa das vaidades pessoais. Não se trata de um jogo de interesse pessoal. O que está em jogo nesse texto não é uma luta pessoal por prestígio, mas a defesa da verdade, a integridade e a credibilidade do próprio evangelho da graça.[4]

O nosso tema de hoje é: Vivendo conforme a verdade do Evangelho1º) Sem hipocrisia e sem medovv.11-14; 2º) Justificado pela fé em Cristovv.15-19; 3º) Sem anular a graça de Deusvv.20, 21.

I. Vivendo conforme a verdade do Evangelho – Sem hipocrisia e sem medo – vv.11-14

Esta é a terceira ocasião na qual Paulo entrou em contato com Pedro.
A primeira vez ele simplesmente ficou conhecendo Pedro; na outra ele descobriu
a unidade e igualdade que havia entre eles; desta vez ele foi levado a discordar
dele e a repreendê-lo.[5]

Antioquia é a terceira maior cidade do Império Romano e o lugar onde primeiramente os discípulos de Cristo foram chamados cristãos (cf. At 11.26). Nessa grande metrópole do mundo antigo florescia uma igreja multirracial e multicultural, como uma das provas mais eloquentes da unidade gerada pelo evangelho. Nessa cidade o evangelho prosperou e a partir daí alcançou o mundo.[6]

Pedro vai a essa cidade e à essa igreja – primeira igreja gentílica, e nessa visita tropeça em seu testemunho, tornando-se inconsistente, como diz Paulo: porque era repreensível (v.11). Em outras versões: (ARA) se tornara repreensível; (NVI) por sua atitude condenável; (NTLH) porque ele estava completamente errado; (VIVA) porque estava muito errado.

Mas, em que Pedro estava errado? Paulo explica a situação de maneira simples. Pedro mudara seus hábitos alimentares: ele comia com os gentios; mas, depois... se foi retirando, e se apartou deles (v.12). Para os cristãos do primeiro século, muito mais surpreendente do que Pedro parar de comer com os gentios seria o fato de ter começado a comer com eles.[7]

[8]William Hendriksen é da opinião que Paulo se referia à refeição de comunhão (festa da ágape) da igreja primitiva, ao final da qual a Ceia do Senhor era celebrada (cf. 1Co 11.17-34). Essa refeição era uma demonstração do amor fraternal, especialmente quando os mais abastados repartiam com os crentes pobres, pelo menos uma vez por semana, uma refeição mais substanciosa. William Barclay informa que, para muitos crentes oriundos do escravagismo, essa era a única refeição decente da semana. No entanto, não tardou para que o propósito dessas refeições se desviasse. Em Corinto, por exemplo, houve uma segregação social, quando os irmãos ricos se apartaram dos irmãos pobres (cf. 1Co 11.17-22), enquanto em Antioquia houve uma segregação racial, quando os cristãos judeus se apartaram dos cristãos gentios (2.12).

Pedro tinha plena convicção de que os gentios convertidos faziam parte da igreja de Cristo. Ele aprendeu sobre a universalidade do evangelho com o próprio Jesus (cf. Jo 3.16; 4.42; 10.16; 12.32; 17.19, 20). Depois do Pentecostes, ele mesmo abriu a porta do evangelho aos gentios, indo à casa de Cornélio, um gentio piedoso, por orientação do Espírito, para pregar-lhes o evangelho e recebê-los à comunhão da igreja pelo batismo (At 10.9-16, 28). O próprio Pedro defendeu sua conduta diante da igreja de Jerusalém, mostrando que a porta do evangelho estava aberta aos gentios tanto quanto aos judeus (At 11.1-18). De forma consistente ao evangelho e de acordo com suas próprias convicções e prática, ao chegar em Antioquia, Pedro uniu-se aos gentios, comendo com eles e, tendo comunhão irrestrita com eles, como irmãos em Cristo.

A teologia de Pedro continuava intacta, crendo ele que os gentios faziam parte da igreja, mas sua atitude estava em desacordo com sua teologia. Havia uma esquizofrenia entre sua doutrina e sua conduta; entre sua fé e sua prática. Pedro cavou um abismo entre sua convicção e sua ação. Pedro, temendo desagradar um grupo de judeus radicais, conhecidos como os da circuncisão (cf. At 15.1, 5), a quem Paulo chamou de falsos irmãos, acabou ferindo a comunhão fraternal e afastando-se dos crentes gentios. Por causa dos falsos irmãos, Pedro virou as costas para os verdadeiros irmãos.

Jonh Stott diz: Não que Pedro negasse o evangelho em sua doutrina, pois Paulo se esmera em demonstrar que ele e os apóstolos de Jerusalém estavam unidos quanto ao evangelho (2.1-10), e ele repete este fato nos vv.15, 16. A ofensa de Pedro contra o evangelho foi na sua conduta.

A atitude de Pedro e dos demais judeus é chamada por Paulo de dissimulação (v.13). O termo grego sunupekrithesan significa hipocrisia. Fritz Rienecker e Cleon Rogers explicam que o significado básico da palavra é responder de baixo, em referência aos atores que falavam por detrás de máscaras. A palavra indica o ocultamento do caráter sob pretensos sentimentos. Um indivíduo hipócrita é aquele que age como um ator, representando um papel diferente da sua vida real. Segundo Donald Guthrie, a palavra grega usada aqui é a mesma para os atores que escondiam suas verdadeiras personalidades por trás dos papéis desempenhados. A implicação é que nem Pedro nem os demais judeus estavam agindo sinceramente quando se apartaram. Agiram, na realidade, contra a própria consciência e deram uma impressão totalmente falsa.

Pedro, por ser um líder, acabou por exercer uma péssima influência sobre os demais judeus, inclusive sobre o próprio Barnabé (v.13). Um líder nunca é neutro. Liderança é sobretudo influência. Um líder influencia sempre, para o bem ou para o mal. Pedro, em vez de trabalhar em prol da unidade e da edificação da igreja, laborou para a sua divisão e enfraquecimento.

Precisamos estar atentos para o fato de que, se a vida do líder é a vida da sua liderança, os pecados do líder são os mestres do pecado. Os pecados do líder são mais graves, mais hipócritas e mais danosos do que o pecado das demais pessoas. São mais graves porque o líder peca com maior conhecimento; são mais hipócritas porque o líder condena o pecado dos outros, mas pratica os mesmos pecados que condena; são mais danosos porque, quando o líder tropeça, mais pessoas são influenciadas por seu fracasso.

Paulo agiu de forma firme em defesa da verdade do evangelho (v.14). O que estava em jogo não era uma disputa pessoal de honra ao mérito, mas a integridade do evangelho da graça. Com sua atitude firme e leal, Paulo não perdeu a amizade de Pedro e ainda salvou a integridade do evangelho.

A verdade do evangelho foi o eixo central da discussão tanto em Jerusalém (2.5) como em Antioquia (2.14). E que verdade era essa tão importante pela qual Paulo lutou? O contexto nos mostra que é a doutrina da justificação pela graça, por intermédio da fé (2.15-17). Distorcer essa verdade do evangelho é colocar-se sob maldição (1.8, 9).

Esse episódio nos ensina três lições: 1ª) Líderes importantes podem cometer grandes deslizes; 2ª) Manter a verdade na igreja é mais importante do que manter a paz; e 3ª) Problemas entre irmãos devem ser tratados de forma direta e pessoal.[9]

Hernandes Dias diz que o texto nos alerta para algumas atitudes preventivas, que devem estar presentes na vida da igreja: Em primeiro lugar, doutrina e prática precisam caminhar de mãos dadas; em segundo lugar, comunhão e repreensão não são excludentes, mas complementares; em terceiro lugar, o confronto honesto é melhor do que a lisonja hipócrita; e em quarto lugar, autoridade e humildade não são coisas incompatíveis.

II. Vivendo conforme a verdade do Evangelho Justificado pela fé em Cristo vv.15-19

Paulo enxergou o princípio por traz da atitude hipócrita de Pedro. E, ao lhe falar a esse respeito, aponta para o princípio, em vez de se limitar a querer alterar seu comportamento. O raciocínio básico de Paulo é: Deus não estabeleceu comunhão com você com base em sua etnia e cultura (v.15). Por melhor e mais devoto que você fosse, sua etnia e seus costumes não tiveram nada a ver com isso (v.16).[10]

Warren Wiersbe diz que esta é a primeira vez que o termo justificação aparece na epístola (v.16) e, provavelmente, nos textos de Paulo, uma vez que Gálatas deve ter sido a primeira carta escrita de Paulo. A grande pergunta é: Como pode o homem ser justo para com Deus? (Jó 9.2). A resposta é clara: “O justo viverá pela sua fé” (Hc 2.4). Este conceito é tão vital que três livros do Novo Testamento o explicam para nós: Romanos (1.17), Gálatas (3.11) e Hebreus (10.38). Romanos explica o significado de “o justo”; Gálatas explica “viverá”; e Hebreus explica “pela fé”.[11]

John Stott tem razão ao dizer que a doutrina da justificação pela fé é central na mensagem da epístola, fundamental no evangelho pregado por Paulo e realmente essencial no próprio cristianismo. Martinho Lutero referiu-se à doutrina da justificação como o principal, o mais importante, e o mais especial artigo da doutrina cristã.[12]

Justificação que dizer que, em Cristo, apesar de na verdade sermos pecadores, não estamos debaixo de condenação. Deus nos aceita apesar do nosso pecado. Não somos aceitáveis a ele porque nos tornamos justos de fato – tornamo-nos justos de fato por que somos aceitáveis a Deus.[13]

Agora, Paulo deixa claro que, se uma pessoa depois de ter recebido a salvação pela graça mediante a fé em Cristo, voltar a traz e começar a praticar as obras da lei para sua salvação, ela nunca entendeu de fato o evangelho e estava só procurando uma desculpa para viver em desobediência a Deus (vv.17, 18).

Portanto, se somos justificados pela fé no que Cristo fez, não somos justificados pelo que fazemos. A observância da lei não é o que salva (v.16). Foi ao que Paulo se referiu quando disse: Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus (v.19).[14]

III. Vivendo conforme a verdade do Evangelho Sem anular a graça de Deus vv.19-21

Em vez de viver no pecado e para o pecado, uma pessoa justificada vive para Deus. A justificação abre ao homem o caminho da intimidade com Deus. Essa vida para Deus é marcada por quatro realidades.[15]

1º) O crente vive para Deus morrendo para leiv.19. João Calvino diz que essa morte não é o fim de tudo, e sim a origem de uma vida melhor, porque Deus nos resgata do naufrágio da lei e, mediante sua graça, nos restaura para outra vida.

2º) O crente vive para Deus sendo crucificado com Cristov.20a. Estar crucificado com Cristo arranca do isolamento toda a nossa existência espiritual com todas as suas circunstâncias, como podemos encontrar repetidamente em Paulo: sofrer com, morrer com, ser crucificado com, ser sepultado com, ser ressuscitado com, tornar-se vivo com, ser glorificado com, ser coerdeiro com e reinar com. Essa crucificação com Deus encontra-se sob a marca da comunhão.

3º) O crente vive para Deus quando Cristo vive nelev.20b. Somos salvos pela fé em Cristo (ele morreu por nós) e vivemos pela fé em Cristo (ele vive em nós).

João Calvino diz que Cristo vive em nós de duas maneiras: uma consiste em governar-nos por meio de seu Espírito e dirigir todas as nossas ações; a outra, em tornar-nos participantes de sua justiça, de modo que, embora nada possamos fazer por nós mesmos, somos aceitos aos olhos de Deus.

4º) O crente vive para Deus confiando na graçav.21.

John Stott diz que os dois alicerces da religião cristã são a graça de Deus e a morte de Cristo. O evangelho cristão é o evangelho da graça de Deus. A fé cristã é a fé do Cristo crucificado. Assim, se alguém insiste que a justificação é pelas obras e que se pode alcançar a salvação por esforço próprio, está solapando os fundamentos da religião cristã. Está anulando a graça de Deus e tornando supérflua a morte de Cristo.

Joao Calvino diz que se a morte de Cristo é a nossa redenção, então, éramos cativos; se ela é o pagamento, então, éramos devedores; se é a expiação, então, éramos culpados; se é a purificação, então, éramos imundos. No sentido contrário, aquele que atribui às obras a sua purificação, o seu perdão, a sua expiação, a sua justiça ou o seu livramento, torna inútil a morte de Cristo.

Concluindo

A graça diz: “Não há distinção! Todos são pecadores, e todos podem ser salvos pela fé em Cristo”. A lei diz: “Há distinção. A graça de Deus não é suficiente; também precisamos da lei”. O argumento de Paulo é que a volta à lei anula a cruz. Enquanto a lei diz: “Faça!”, a graça diz: “Já foi feito!”




[1] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da Liberdade Cristã, Editora Hagnos, 2011, p. 94.
[2] MacArthur, John. Bíblia de Estudo MacArthur, SBB, 2010, p. 1588.
[3] Carson, D. A. Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, SP, 2009, p. 1823.
[4] Lopes, p. 97.
[5] Comentário Bíblico Moody, Gálatas, p. 16.
[6] Lopes, p. 97.
[7] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015, p. 53.
[8] Lopes, p.94-110. Este comentário segue literalmente a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[9] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas & Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 10.
[10] Keller, p. 58.
[11] Lopes, p. 114.
[12] Lopes, p. 114.
[13] Keller, p. 62.
[14] Keller, p. 62.
[15] Lopes, p. 124-127. Este comentário segue literalmente a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.

Nenhum comentário:

Postar um comentário