terça-feira, 22 de março de 2016

Estudos Bíblico na Carta aos Gálatas (4) - Somente um evangelho

Gálatas 2.1-10

No estudo anterior em Gálatas 1.11-24 com o tema: O Evangelho Verdadeiro, vimos que: 1º) O evangelho verdadeiro não foi dado para agradar aos homens v.11; 2º) O evangelho verdadeiro vem diretamente de Deusvv. 12; 3º) O evangelho verdadeiro transforma o mais vil pecadorvv.13-24.

E terminamos com as seguintes lições: 1ª) O verdadeiro evangelho transforma vidas; 2ª) O verdadeiro evangelho dá uma nova missão para a vida daqueles que são transformados; e 3ª) O verdadeiro evangelho cria uma nova família, a igreja de Deus.

Hoje, vamos estudar Gálatas 2.1-10 com o tema: Somente um evangelho. Faremos isso em três pontos: 1º) Somente um evangelho apostólicovv.1-3; 2º) Somente um evangelho para a salvaçãovv.4-8; 3º) Somente um evangelho da comunhãovv.9, 10.

Paulo mostrou no capítulo 1 que o seu evangelho vinha de Deus e não dos homens. Agora, ele mostra que o seu evangelho não é diferente, mas precisamente o mesmo dos outros apóstolos. Warren Wiersbe diz que, Paulo explicou no capítulo 1 sua independência dos outros apóstolos; agora, no capítulo 2, destaca sua interdependência com respeito aos apóstolos.[1]

I. Somente um evangelho apostólico – vv.1-3

Já vimos, no primeiro estudo, que Paulo fez cinco viagens a Jerusalém depois de sua conversão. A primeira delas ocorreu três anos após sua conversão (1.17, 18; At 9.26), quando passou quinze dias com o apóstolo Pedro e com Tiago (1.18, 19). A segunda visita está relacionada ao socorro financeiro que Barnabé e ele levaram aos pobres da Judeia (At 11.29, 30; 12.25). A terceira visita tem a ver com o Concílio de Jerusalém para resolver a questão judaizante (At 15.2-29). A quarta visita foi uma passagem muito rápida ao final da segunda viagem missionária e antes da terceira viagem missionária (At 18.22). A quinta e última visita de Paulo a Jerusalém aconteceu quando ele foi levar uma oferta das igrejas da Macedônia e Acaia aos pobres da Judeia, ocasião em que o apóstolo terminou preso (At 21.17).[2]

Essa visita mencionada por Paulo aqui, pode ter sido a segunda ou a terceira visita, mas, não temos como afirmar com certeza qual delas foi. O que podemos afirmar com certeza é que “foi uma reunião com consequências enormes para todos nós, mesmo hoje”[3].

Hernandes Dias Lopes destaca nos vv.1 e 2 três pontos importantes:[4]

1º) Os companheiros de Paulo – v.1Ambos são importantes na defesa do evangelho pregado por Paulo. Barnabé foi o companheiro de Paulo na primeira viagem missionária, e Tito era filho na fé de Paulo (Tt 1.4). Barnabé, sendo judeu, estava de pleno acordo com o evangelho pregado por Paulo, evangelho esse que não foi modificado pelos apóstolos de Jerusalém (2.6-10); e Tito, sendo um gentio, foi aceito sem precisar submeter-se ao rito da circuncisão (2.3-5).

Citado oito vezes em 2Coríntios e uma vez em 2Timóteo, Tito foi o destinatário da carta do Novo Testamento que leva o seu nome (Tt 1.4). Donald Guthrie ressalta que o ponto principal da menção de Tito é dar exemplo de um gentio cristão cujo relacionamento com a circuncisão pode ser considerado típico para todos os gentios.

John Stott quando diz que Paulo levou Tito a Jerusalém não para despertar atritos, mas para estabelecer a verdade do evangelho: que judeus e gentios são aceitos por Deus nos mesmos termos, a saber, a fé em Jesus Cristo, e, portanto, todos devem ser aceitos pela igreja sem nenhuma discriminação.

2º) motivação de Paulo – v.2a. Paulo foi a Jerusalém em obediência a uma revelação divina, e não por uma convocação humana. Ele foi não para buscar aprovação dos homens, mas para obedecer a um mandato de Deus; não para receber autorização dos apóstolos de Jerusalém para pregar, mas para defender o evangelho que pregava. Como diz Calvino, Paulo não foi posto no ofício apostólico por determinação dos outros apóstolos; foi reconhecido por eles como um apóstolo.

3º) o propósito de Paulo – v.2b. O propósito dessa viagem de Paulo a Jerusalém era expor o evangelho pregado por ele entre os gentios aos cristãos de Jerusalém e aos apóstolos. O propósito de Paulo era provar que não havia uma fenda entre ele e os demais apóstolos. Não havia dois evangelhos, nem conflito entre os apóstolos. Os ministérios eram diferentes, mas o evangelho era o mesmo. Os mensageiros tinham dons e campos de atuação diferentes, mas a mensagem era a mesma.

Quando os líderes da igreja em Jerusalém reconheceram que um gentio era salvo pela fé em Cristo, sem ter sido circuncidado (v.3), em outras palavras, eles estavam dizendo que: o Evangelho que Paulo pregava e ensinava também era o Evangelho que eles pregavam e ensinavam. Caso contrário, eles teriam rejeitado a Tito e corrigido o Evangelho pregado por Paulo. Assim, temos somente um evangelho apostólico.

Como um verdadeiro cristão, Tito era a prova viva de que a circuncisão e os regulamentos mosaicos não eram pré-requisitos ou componentes necessários da salvação. A recusa dos apóstolos de requerer a circuncisão de Tito autenticou a rejeição da igreja à doutrina dos judaizantes.[5]

Portanto, a aceitação de Tito pelos crentes judeus serviu como ilustração do princípio segundo o qual o indivíduo se torna espiritualmente puro e aceitável através de Cristo, e não por meio de quaisquer feitos ou rituais. Os gentios podem tornar-se membros plenos do povo de Deus sem se tornarem judeus em costumes e cultura.[6]

II. Somente um evangelho para a salvação – vv.4-8

Paulo dedicou metade dessa narrativa relativa ao concílio de Jerusalém à explanação do resultado do concílio, expresso tanto negativa (vv.6, 10) quanto positivamente (vv.7-9). Em contraste com as afirmações dos judaizantes, o fato foi que os três (Tiago, Pedro e João) não impuseram mudanças ao seu ministério e mensagem.[7]

Observemos o texto mais detalhadamente:[8]

ð E isto por causa dos falsos irmãos (v.4a) – judaizantes, que fingiam ser verdadeiros cristãos; todavia sua doutrina, que alegava obediência a Cristo, se opunha ao judaísmo tradicional e, como exigia circuncisão e obediência à Lei Mosaica como pré-requisito para a salvação, opunha-se ao cristianismo.

ð que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa (v.4b) – a palavra, em grego, retrata espiões ou traidores entrando em segredo no acampamento do inimigo. Os judaizantes eram agentes furtivos de Satanás, enviados para o meio da igreja a fim de sabotar o verdadeiro evangelho.

ð liberdade, que temos em Cristo Jesus (v.4c) – os cristãos estão livres da lei como meio de salvação, de seus regulamentos cerimoniais externos como modo de vida e de sua maldição pela obediência à lei – uma maldição que Cristo suportou em favor de todos os cristãos (3.13). Essa liberdade não é, contudo, uma licença para pecar (5.13).

ð para nos porem em servidão (v.4d) – transmite a ideia de escravidão absoluta a um sistema de obras de justiça impossível.

ð v.5 – Paulo e Tito nunca abandonaram a sua posição sobre a salvação pela graça mediante a fé.

ð E, quanto àqueles (v.6) – outra referência a Pedro, Tiago e João.

ð que pareciam ser alguma coisa (v.6) – o privilégio único dos 12 não tornava seu apostolado mais legítimo ou autorizado que o de Paulo – Cristo comissionou os 13 (cf. Rm 2.11). John Stott enfatiza que as palavras de Paulo não são uma negação da autoridade apostólica deles, nem uma indicação de desrespeito. Paulo simplesmente está dizendo que, embora aceite o seu posto de apóstolos, não se sente intimidado por suas pessoas, como acontecia com os judaizantes.[9]

O evangelho pregado por Paulo não havia sido criado por ele nem mesmo tinha recebido dos apóstolos que vieram antes dele, mas fora recebido do próprio Senhor Jesus. Consequentemente, sua mensagem era a verdade do evangelho (2.5), a mensagem da “...nossa liberdade que temos em Cristo Jesus” (2.4), a mensagem completa e imutável.[10]

ð evangelho da incircuncisão me estava confiado (v.7) – mais bem traduzido como para o incircunciso; Paulo pregava o evangelho primeiramente para os gentios (também para judeus, em terras gentílicas, quando seu objetivo era ir à sinagoga primeiro – cf. At 13.5).

ð a Pedro o da circuncisão (v.7) – o ministério de Pedro era primeiramente aos judeus.

ð aquele que operou eficazmente em Pedro (...) esse operou também em mim (v. 8) – o Espírito Santo, que tem apenas um evangelho, capacitou tanto Pedro como Paulo em seus ministérios.

Portanto, Paulo passa da defesa do seu evangelho para o alcance do seu ministério. Deus lhe deu a graça de pregar aos gentios, enquanto deu a Pedro o privilégio de pregar aos judeus. Eles tinham ministérios diferentes, dirigidos a públicos diferentes, mas anunciavam o mesmo evangelho da graça.[11]

Hernandes destaca aqui dois pontos importantes: 1º) O ministério de Paulo aos gentios era vocação divina, e não delegação humana (v.7). Paulo não pregou aos gentios porque deliberou fazê-lo por conta própria, nem porque Pedro ou os demais apóstolos o comissionaram para esse mister. O mesmo Jesus que o chamou, esse mesmo também lhe designou o campo. Sua vocação e esfera do seu ministério foram determinados por Cristo Jesus; 2º) O ministério de Paulo aos gentios era capacitação divina, e não treinamento humano (2.8). O Senhor não apenas conduziu Paulo aos gentios, mas o capacitou eficazmente para esse trabalho, da mesma forma que fez com Pedro em relação aos judeus. O chamado vem de Deus, assim como o poder e a capacitação para exercer o ministério. Paulo não é apóstolo por vontade própria nem exerce o apostolado com poder próprio. Tanto sua vocação quanto seu poder vêm de Deus. Assim, cada um concentraria seus esforços no campo que o Espírito Santo havia lhe designado. Tiago, Pedro e João falariam aos judeus; Paulo falaria aos gentios.[12]

III. Somente um evangelho da comunhão – vv.9, 10[13]

As colunas da igreja em Jerusalém, Tiago, Cefas e João, não apenas reconheceram o apostolado de Paulo endereçado aos gentios, mas também estenderam a ele e a Barnabé a destra de comunhão, a fim de que fossem uns para os gentios, e outros, para a circuncisão.

Hernandes Dias, destaca aqui dois pontos. 1º) a liderança da igreja está unida em torno do único evangelho (v.9a) – Os apóstolos de Jerusalém e Paulo não estão em conflito, mas dando as mãos em sinal de total concordância acerca do único evangelho a ser pregado, quer entre os gentios, quer entre os judeus. Warren Wiersbe quando escreve: A grande preocupação de Paulo era com “a verdade do evangelho” (G1 2.5,14), não com a “paz da igreja”. A sabedoria que Deus envia do alto é “primeiramente pura; depois pacífica” (Tg 3.17). A “paz a qualquer custo” não era a filosofia de ministério de Paulo, e também não deve ser a nossa; 2º) a liderança da igreja reconhece a diferença de ministérios (v.9b) – Os líderes da igreja de Jerusalém selaram a unidade cristã ao darem a Paulo e a Barnabé a destra de comunhão, enquanto rechaçavam as ideias heréticas dos judaizantes.

O fato, porém, de existir um só evangelho não significa que o evangelho não tenha endereçamentos distintos. Enquanto Paulo e Barnabé são enviados aos gentios, os apóstolos são enviados aos judeus. O mesmo evangelho deve ser pregado a gentios e judeus. A mensagem é a mesma, mas a forma é diferente. O conteúdo é o mesmo, mas a abordagem é diferente. A teologia é a mesma, mas o método é diferente. Adolf Pohl corretamente sintetiza: “Um novo grupo alvo da proclamação demanda diferente apresentação, ênfase e concentração”.

Hernandes Dias vê no v.10 duas verdades: 1ª) não há conflito entre fé e obras (v.10a) – O evangelho da graça é integral. Ele provê salvação para a alma e redenção para o corpo. É transcendental e ao mesmo tempo assistencial; 2ª) não há conflito entre evangelização e ação social (v.10b). Não há conflito entre a pregação do evangelho e o cuidado dos pobres.

William Hendriksen diz que ajudar os pobres é requerido na lei de Deus (cf. Êx 23.10, 11; 30.15; Lv 19.10; Dt 15.7-11), na exortação dos profetas (cf. Jr 22.16; Dn 4.27; Am 2.6, 7) e no ensino de Jesus (cf. Mt 7.12; Lc 6.36, 38; Jo 13.29). É fruto da gratidão do crente pelos benefícios recebidos. Aqueles que recebem misericórdia tornam-se misericordiosos. Paulo diz que aqueles que recebem benefícios espirituais devem retribuir com benefícios materiais (cf. Rm 15.26, 27). Jesus é o maior exemplo de generosidade (cf. 2Co 8.9). O homem generoso receberá grande recompensa (cf. Mt 25.31-40).

Concluindo – Terminemos refletindo nas palavras de Paulo aos Efésios 4.1-6.

Rodo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós.



[1] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da Liberdade Cristã, Editora Hagnos, 2011, p. 79, 80.
[2] Lopes, p. 80.
[3] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015, p. 39.
[4] Lopes, p. 81-83. Este comentário segue literalmente a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[5] MacArthur, John. Gálatas – A maravilhosa Graça de Deus, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 20.
[6] Keller, p. 44.
[7] Carson, D. A. Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, SP, 2009, p. 1822.
[8] MacArthur, p. 20, 21. Segue literalmente o comentário nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[9] Lopes, p. 86.
[10] Lopes, p. 87.
[11] Lopes, p. 87, 88.
[12] Lopes, p. 88, 89.
[13] Lopes, p. 89-92. Este comentário segue literalmente a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.

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