Gálatas 1.6-10
Em nosso de introdução à carta de Paulo aos Gálatas,
vimos:
ð Que àqueles que querem levar Deus a sério, a carta aos
Gálatas mostra o caminho para a verdadeira liberdade. Esta liberdade genuína
não é nem legalismo nem anarquismo.
ð Que Gálatas é uma explosão de alegria e liberdade que
nos faz desfrutar de profundo significado, segurança e satisfação – a vida de
bênçãos à qual Deus chamou o seu povo.
ð Que Gálatas tem tudo a ver com o evangelho, do qual
todos necessitamos ao longo da vida inteira. É onde Paulo explica que as
verdades do evangelho modificam a vida de alto a baixo; que transformam nosso
coração, nosso modo de pensar e nossa abordagem de absolutamente tudo. E isso
quer dizer que os cristãos necessitam tanto do evangelho como os não cristãos.
ð Que Paulo escreveu essa carta para defender a
justificação pela fé e advertir essas igrejas sobre as terríveis consequências
do abandono dessa doutrina essencial. E que o problema de acrescentar alguns
preceitos da lei à fé como condição para a salvação é que os falsos mestres
estavam atacando o coração do próprio cristianismo.
ð Que o argumento de Paulo é que acrescentar alguns
preceitos da lei à fé não apenas anula a própria lei e a fé, mas também rechaça
a graça de Cristo. Essa tentativa de combinar o cristianismo com o judaísmo foi
chamada por Paulo de outro evangelho, e o apóstolo o condena sem rodeios, dizendo
que deveria ser anátema.
ð Que Paulo se apresenta como um embaixador, apresentando
suas credenciais. Seu apostolado levava o carimbo da origem divina.
ð Que sua saudação, traz à baila as verdades essenciais
do evangelho: a graça e a paz. Essas
duas palavras são uma síntese do evangelho. A paz fala da natureza da salvação,
e graça diz respeito à sua fonte.
ð E que o evangelho bíblico, o evangelho que Paulo prega
e ensina deixa claro que a salvação, do início ao fim, é obra de Deus. O
chamado, o plano, a ação, a obra são todos seus. Assim, é ele que merece toda a
glória, em todo o tempo.
Hoje, continuando nosso estudo, vamos ver Gálatas 1.6-10 com o tema: Outro Evangelho. Faremos isso em três
pontos: 1º) O outro evangelho não é o Evangelho de Jesus Cristo – v.6; 2º) O outro evangelho é
pervertido – v.7; 3º) O
outro evangelho é uma maldição – vv.8-10.
Já vimos que Paulo defendeu o seu apostolado (1.1) e o seu evangelho (1.4). Agora, ele continua fazendo uma
vigorosa defesa do evangelho (1.6-10).
Isso, porque os falsos mestres, vindo do judaísmo como embaixadores do engano,
perverteram o evangelho, proclamando que a fé em Cristo não era suficiente para
a salvação (cf. At 15.1, 5). Eles
tornavam a obra de Cristo na cruz insuficiente e acrescentavam as obras da lei
como condição indispensável para a salvação.
I. O outro
evangelho não é o Evangelho de Jesus Cristo – v.6
A primeira coisa que vemos aqui é que Paulo está
admirado, ele está perplexo em como aqueles irmãos estão deixando se levar por
um evangelho que não é o Evangelho de Cristo.[1]
Ele está admirado ao ver a rapidez que esses crentes estavam apostatando da fé.
Em vez de dar graças a Deus pela igreja no introito da sua carta, como de
costume fazia nas outras epístolas, Paulo revela seu espanto pela inconstância
e instabilidade dos gálatas. William Hendriksen diz que no tange à igreja,
Paulo demonstra consternação e não indignação, assombro e não ressentimento.
Ainda que Paulo os reprove, não os rechaça.[2]
Observemos o texto mais
detalhadamente:[3]
...tão
depressa (v.6b) – a palavra, em grego, pode significar facilmente ou rapidamente
e, às vezes, os dois. Sem dúvida, ambos os sentidos caracterizavam a resposta
dos gálatas à doutrina herética dos falsos mestres.
...passásseis (v.6c) – É
a palavra grega usada para designar a deserção militar, a qual era punida com a
morte. A forma desse verbo grego indica que os crentes gálatas estavam
desertando voluntariamente da graça para seguir o legalismo ensinado pelos
falsos mestres.
...daquele
vos chamou (v.6d) – pode ser traduzido como que
vos chamou de uma vez por todas, e refere-se à chamada para a salvação
feita por Deus.
...à graça
de Cristo (v.6e) – o ato de misericórdia livre e soberano de Deus ao conceder
a salvação por meio da morte e ressurreição de Cristo, totalmente desvinculado
de qualquer obra ou mérito humano.
...para outro evangelho (v.6f) – a
perversão pelos judaizantes do verdadeiro evangelho; eles acrescentaram condições,
cerimônias e padrões da antiga Aliança como pré-requisitos para a salvação.
O evangelho bíblico da graça é precioso. Paulo diz que
os cristãos são chamados pela graça de Cristo. Deus nos chamou; não fomos nós
que o chamamos. E Deus nos aceitou de pronto, apesar de não merecermos. Essa é
a ordem do evangelho. Deus nos aceita, então o seguimos. Era esse evangelho
glorioso que os líderes das igrejas da Galácia estavam pervertendo, e era dele
que os membros da igreja local haviam se desviado.[4]
Paulo usa aqui um trocadilho de palavras para
desmascarar o outro evangelho anunciado pelos judaizantes. Há duas palavras na
língua grega para “outro”: heteros (outro
de outra substância, diferente) e allos
(outro da mesma substância). Paulo declara ironicamente que eles se voltaram
para outro (heteros) evangelho, o qual não é outro (allos). O que os falsos mestres
pregavam era um evangelho heteros, “de tipo diferente”, e não um evangelho
allos, “do mesmo tipo”. O verdadeiro evangelho é o evangelho da graça, da
salvação pela fé em Cristo. O outro evangelho, denunciado por Paulo, é o
evangelho das obras, que acrescenta ao sacrifício de Cristo os ritos da lei,
por exemplo a circuncisão, como condição para a salvação (cf. At 15.1).
Paulo diz que esse outro evangelho é um evangelho
diferente, de outra natureza, com outro conteúdo, e não pode ser aceito como
evangelho. Esse outro evangelho não passa de um falso evangelho. Concordo com
John Stott quando diz que a mensagem dos falsos mestres não era um evangelho
alternativo; era um evangelho pervertido.
William Hendriksen ainda esclarece esse ponto ao
destacar que os gálatas estavam volvendo para um evangelho diferente, quer
dizer, a um evangelho que difere radicalmente do que haviam recebido de Paulo.
O evangelho de Paulo consistia em: “...o homem não é justificado por obras da
lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus” (cf. 2.16; Rm 3.24; Ef 2.8; Tt 3.4-7). Warren Wiersbe diz que os
judaizantes afirmavam pregar “o evangelho”, mas não é possível haver dois
evangelhos, um com base nas obras e outro com base na graça. “Eles estão
pregando outro evangelho”, escreve Paulo, “mas uma mensagem diferente – tão
diferente do verdadeiro evangelho que, afinal, não é evangelho”.
William Hendriksen corretamente defende que os crentes
gálatas não estavam se apartando meramente de uma posição teológica, mas
estavam transferindo sua lealdade daquele que em sua graça e misericórdia os
havia chamado. Warren Wiersbe tem razão ao argumentar que os cristãos da
Galácia não estavam apenas “mudando de religião” ou “mudando de igreja”; na
verdade, estavam abandonando a própria graça de Deus! Pior ainda, estavam deixando
o próprio Deus da graça!
Portanto, Paulo diz que qualquer mudança no evangelho
significa transformá-lo em algo que, na realidade, não é o evangelho (cf. v.7 NVI). Qualquer ensinamento que acrescente a manutenção da
lei mosaica cerimonial à fé em Cristo perverte o evangelho. Literalmente, a
palavra que ele escolhe usar quer dizer reverte.
Assim, se for acrescentado qualquer coisa a Cristo como um requisito para ser
aceito por Deus, reverte por completo a ordem do evangelho e o anula e esvazia.
Qualquer revisão do evangelho o reverte.[6]
A causa meritória da salvação é a obra que Cristo fez
por nós, e não a obra que fazemos para ele; e a causa instrumental da salvação
é a fé, e não os rituais da lei. Qualquer mensagem que negue e torça essa
verdade axial é uma perversão da mensagem cristã.
Os mestres do engano são identificados por duas ações
aqui: perturbavam a igreja e pervertiam o evangelho.
Warren Wiersbe explica que o termo grego traduzido
como transtornar ou perverter é usado apenas três vezes no Novo Testamento (cf.
At 2.20; G1 1.7; Tg 4.9). Significa
“fazer uma reviravolta, passar a seguir em direção contrária, inverter”. Em
outras palavras, os judaizantes haviam invertido e virado os ensinamentos em
direção contrária, levando-os de volta à lei.
III. O outro
evangelho é uma maldição – vv.8-10
A razão de Paulo tratar desse assunto de forma tão
enérgica é que estava em jogo tanto a glória de Cristo quanto a pureza da
igreja. Na linguagem de William Hendriksen, a própria essência do evangelho
corria perigo.[7]
Jonh Stott diz que há dois motivos para a indignação
de Paulo: (1º) é que a glória de
Cristo estava em jogo, pois se as obras humanas são necessárias para a
salvação, a obra de Cristo não foi suficiente (cf. 2.21); e (2º) é que o
bem-estar das almas das pessoas estava em jogo (cf. Mc 9.42).[8]
Nos vv.8, 9, Paulo
“emprega a repetição para enfatizar suas palavras. Aqueles que distorcem o
evangelho de Cristo que foi pregado por ele durante os primeiros dias da igreja
na Galácia – até mesmo se tal mestre for o próprio apóstolo”[9]
– que ele seja amaldiçoado.
Observemos o texto mais detalhadamente:[10]
v.8a – ainda que nós mesmos ou um
anjo do céu – o ponto levantado por Paulo é hipotético, apelando
para os exemplos mais improváveis de falsos ensinos (ele mesmo e anjos). Os gálatas
não deveriam receber mensageiros, não importando quão impecáveis fossem suas
credenciais, se a doutrina da salvação que eles pregavam diferisse, no mais
leve grau, da verdade de Deus revelada por meio de Cristo e dos apóstolos.
v.8b – seja anátema
– a tradução dessa palavra grega se refere a destinar alguém à destruição no
inferno eterno (cf. Rm 9.3; 1Co 12.3;
16.22). Ao longo da história, Deus destinou alguns objetos, indivíduos e
grupos de pessoas à destruição (cf. Js
6.17-18; 7.1, 25-26). O Novo Testamento oferece muitos exemplos de um
desses grupos: o dos falsos profetas (cf. Mt
24.24; Jo 8.44; 1Tm 1.20; Tt 1.16). Aqui, os judaizantes são identificados
como membros dessa infame sociedade.
v.9a – como já vo-lo dissemos – refere-se ao que Paulo ensinou na visita feita
anteriormente a essas igrejas, e não a um comentário anterior nessa epístola.
v.9b – Se alguém vos anunciar – Paulo passa do caso hipotético do v.8 (o apóstolo ou anjos celestiais pregando um falso evangelho) para
a situação real enfrentada pelos gálatas. Os judaizantes faziam exatamente isso
e deveriam ser condenados ao inferno por causa de sua heresia.
Por um lado, os falsos mestres, prometiam salvação e,
por outro, impediam as pessoas de confiarem no único que é capaz de conceder a
salvação. Por isso, Paulo descreve os falsos mestres como dignos de punição,
pois levam consigo muitas almas para o inferno[11]
(cf. Mt 24.24; Jo 8.44; 1Tm 1.20; Tt
1.16).
Hernandes Dias destaca alguns pontos importantes nos vv.8, 9: (1º) O evangelho é maior que
os apóstolos – Warren Wiersbe diz que a prova do ministério de uma pessoa
não é sua popularidade (Mt 24.11),
nem os sinais e prodígios miraculosos que ela realiza (Mt 24.23, 24), mas sim sua fidelidade à Palavra de Deus (Is 8.20; 1Tm 4.1-5; 1Jo 4.1-6). Adolf
Pohl afirma que o evangelho transfere o cristão da área da maldição para a área
da bênção, mas, por meio da apostasia, o abençoado escolhe novamente seu lugar
no âmbito da maldição. Onde quer que a lei tenha uma maldição para aqueles que
falham em cumpri-la, o evangelho tem uma maldição para aqueles que procuram
mudá-lo; (2º) o evangelho é maior do que os anjos; (3º) o evangelho é maior do
que os falsos mestres; e (4º) o evangelho pregado e recebido traz bênção,
mas o evangelho adulterado gera maldição.[12]
v.10 – [13]Os
mestres judaizantes acusaram Paulo de ajustar sua mensagem de forma que fosse
atraente aos homens e lhes ganhasse o favor. Mas, o propósito de Paulo não era agradar
aos homens, e sim, levar a eles a mensagem da salvação.
Por isso, Paulo não se intimidou diante desse ataque.
Sua resposta foi imediata. Vejamos aqui dois pontos importantes: (1º) Paulo
não negociou a verdade para procurar o favor dos homens – v.10a; e (2º) Paulo estava a serviço de
Cristo, e não dos homens – v.10b.
Concluindo –
Lições e aplicações:
1º) Dar ouvidos a
outro evangelho significa estar se desviando daquele que o chamou para o
verdadeiro evangelho (v.6); 2º) Dar
ouvidos a outro evangelho significa estar ouvindo uma heresia destruidora da fé
cristã (v.7); 3º) Dar
ouvidos a outro evangelho significa estar em perigo de maldição (vv.8, 9).
Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira - 06/03/16
[1] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015,
p. 13.
[2] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da Liberdade
Cristã, Editora Hagnos, 2011, p. 48.
[3] MacArthur, John. Gálatas – A maravilhosa Graça de Deus,
Editora Cultura Cristã, 2011, p. 11.
[4] Keller, p. 18, 19.
[5] Lopes, p. 51-53. Este comentário segue literalmente a
exposição do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários
ao ensino local.
[6] Keller, p. 19.
[7] Lopes, p. 54.
[8] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas &
Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 5.
[9] Kalisher, Meno. Liberdade em Cristo – Entendendo a
epistola de Paulo aos Gálatas, Actual Edições, 2013, p. 43.
[10] MacArthur, p. 11. Segue literalmente o comentário nas
páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[11] Kalisher, p. 43.
[12] Lopes, p. 54-58.
[13] Lopes, p. 58, 59. Segue literalmente o comentário nas
páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
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