domingo, 11 de janeiro de 2015

Introdução ao Estudo do Credo Apostólico

Salmo 78.1-8

Quero iniciar nosso estudo observando três verdades significativas no texto:

1ª) O salmista fala que a fé é aprendidav.3Os quais temos ouvido e sabido, e nossos pais no-los têm contado.

2ª) O salmista fala do compartilhamento da fév.4Não os encobriremos aos seus filhos, mostrando à geração futura os louvores do SENHOR, assim como a sua força e as maravilhas que fez.

3ª) O salmista fala de compartilhar a fé de maneira pedagógicav.4b – ... mostrando à geração futura os louvores do SENHOR, assim como a sua força e as maravilhas que fez. O salmista está falando de preparação e isso de forma didática. No caso aqui, a melhor maneira seria preparar um credo, uma confissão de fé que pudesse ser transmitida, encaminhada, ensinada de forma estruturada e sadia.

Creio que, como cristãos, devemos compartilhar a nossa fé e estarmos preparados para responder a todos os que perguntarem sobre o que cremos. Mas, nossas afirmações e respostas devem estar fundamentadas no fato de que a fé cristã é uma fé bíblica e histórica. (cf. Mt 28.18-20; 1Co 15.1-8; 1Pe 3.15)

Em nosso estudo de hoje vamos ver a definição e a origem do Credo Apostólico, sua necessidade e importância, e sua relação com a Bíblia.

I. Definição e Origem do Credo Apostólico

1. Definição

A palavra Credo vem do latim e significa eu creio ou simplesmente creio. Tal expressão fala de “uma postura de confiança perene em Deus e aparece três vezes no Credo.”[1] Credo “refere-se ao ato pelo qual o homem reconhece e confessa a realidade e o conteúdo da sua fé.”[2]

“Como a palavra indica, trata-se de uma declaração de fé. É uma tentativa de resumir os pontos principais daquilo em que os cristãos creem. Não é um texto exaustivo, nem é essa sua intenção.”[3]

Um Credo, portanto, “é um resumo de ensinos bíblicos aceitos pelos cristãos.”[4] “É a síntese dos pontos fundamentais da fé com o objetivo de afirmar ou defender a fé.”[5]

2. Origem

O Credo Apostólico não surgiu da noite para o dia, mas da necessidade da Igreja, nos primeiros séculos de sua história, “de definir os pontos fundamentais que deveriam ser aceitos por todos que desejassem filiar-se a ela.”[6] Por isso, inicialmente ele foi elaborado para a confissão de fé batismal dos que iam se tornando cristãos e tendo “sido conservado pelos cristãos, ecoado através dos séculos como uma profissão de fé em que se define a doutrina base da Igreja.”[7]

A Bíblia apresenta diversas confissões que consistem em expressões de fé, as quais eram ensinadas. Parece haver acordo entre os estudiosos no que diz respeito às evidências neotestamentárias referentes a um corpo doutrinário específico, considerado como “depósito sagrado da parte de Deus”.[8]

No Antigo Testamento encontramos: o Shemá (ouve), o credo judeu, que consistia na leitura de Dt 6.4-9; 11.13-21 e Nm 15.37-41. O Shemá era repetido três vezes ao dia, sendo usado liturgicamente na Sinagoga e, possivelmente, Dt 26.5-9.44.[9]

No Novo Testamento deparamo-nos com abundante material que indica a existência de um corpo doutrinário fixo da igreja cristã. Temos referências às tradições (2Ts 2.15), à doutrina dos apóstolos (At 2.42), à palavra da vida (Fp 2.16); à forma de doutrina (Rm 6.17), à palavra (Gl 6.6), à pregação (Rm 16.25; 1Co 1.21), à fé evangélica (Fp 1.27), à (Ef 4.5; Cl 2.6-7; 1Tm 6.20-21), às sãs palavras (2Tm 1.13), ao bom depósito (2Tm 1.14; 1Tm 6.20), à sã doutrina (2Tm 4.3; 1Tm 4.6; Tt 1.9), à verdade (Cl 1.5; 2Ts 2.13; 2Tm 2.18, 25; 4.4), à tradição (dos apóstolos) (1Co 11.2;C1 2.6; 1Ts 4.1; 2Ts 2.15), ao evangelho (1Co 15.1; Gl 1.9), à confissão (Hb 3.1; 4.14; 10.23), à fé que uma vez por todas foi entregue aos santos (Jd 3; 1Tm 1.19; Tt 1.13) e à fé santíssima (Jd 20).[10]

Outros textos parecem indicar as primeiras confissões da Igreja, tais como: Jesus, o Cristo (At 5.42); Jesus Cristo é Senhor (Fp 2.11; 1Co 12.3); Senhor e Deus (Jo 20.28); Deus e Salvador Jesus Cristo (At 2.13); Senhor e Cristo (At 2.36); Jesus Cristo Filho de Deus (At 8.37; Mt 16.16; 1Jo 4.15).[11]

Após a morte dos apóstolos, quando a igreja precisou formalizar suas crenças e seus procedimentos, forma escritas regras de fé que culminaram no Credo Apostólico, isto é, credo ou confissão de fé com base no ensino dos apóstolos.

Primitivamente, foi empregado do seguinte modo: 1) Doutrinariamente – como ensino proposicional a respeito da fé cristã, ao mesmo tempo em que combatia ênfases ou ensinamentos essencialmente errados; 2) LiturgicamenteNo Batismo – os fiéis declaravam, responsivamente, sua fé na ocasião do batismo (cf. At 8.37; Rm 10.9); Na Ceia do Senhor – a Igreja declarava sua fé através de hinos, orações e exclamações devocionais (cf. 1Co 12.3; 16.22; Fp 2.5-11); e no Culto – ao que parece, a partir do quarto século, o credo passou a ser usados nos cultos regulares, sendo recitado após a leitura das Escrituras.

Mas, naquele contexto, além do Credo Apostólico, foram elaborados outros três credos considerados importantes:

1) O Credo Atanasiano – Segundo a tradição, foi escrito por Atanásio (295-373), Bispo de Alexandria (328-373), conhecido como o Pai da Ortodoxia. A ênfase deste Credo foi à defesa da Cristologia e da doutrina da Trindade conforme foi definida nos Concílios de Nicéia (325), Constantinopla (381) e Calcedônia (451), refletindo visivelmente a teologia de Agostinho (354-430).[12]

2) O Credo Niceno-Constantinopolitano – foi elaborado no Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia (20/05/325), na Bitínia, no ano 325. O Concílio, depois de amplo debate, declarou a igualdade essencial entre o Pai e o Filho. Os ensinamentos de Ário (arianismo) foram condenados e ele foi deportado para o Ulírico. O Credo Niceno-Constantinopolitano e usado liturgicamente pela Igreja romana e pelas Igrejas Luteranas e Anglicanas.[13]

3) O Credo de Calcedônia – sua declaração teológica foi rascunhada por uma comissão presidida por Anatólio de Constantinopla (458). Calcedônia rejeitou o Nestorianismo (duas pessoas e duas naturezas) e o Eutiquianismo (uma pessoa e uma natureza), afirmando que Jesus Cristo e uma Pessoa, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem (uma pessoa e duas naturezas).[14]

Com o passar do tempo, os credos foram se tornando mais detalhados; isto por dois motivos: 1) Devido à compreensão mais aprimorada das doutrinas bíblicas; 2) Devido à necessidade de, através do ensino cristão, combater as heresias que surgiam, marcadamente, relacionadas com a Pessoa de Cristo. Os Credos também tiveram outra utilidade: Devido ao medo da perseguição, ao invés de serem escritos, eram memorizados e, quando necessário, recitados como testemunho de sua fé.[15]

Mas, uma analogia feita por P. Schaff (1819-1893) sobre o Credo Apostólico parece resumir bem o seu significado: “Como a Oração do Senhor e a Oração das orações, o Decálogo, a Lei das leis, também o Credo dos Apóstolos e o Credo dos credos.”[16]

Datado, originalmente, em seus manuscritos entre os séculos II e IV, o Credo Apostólico é o mais conhecido de todos os credos e tem sido repetidamente proferido por mais de 1.500 anos de historia. Todas as denominações que estão inseridas dentro do que chamamos de religiões cristãs o reconhecem e o proferem como um resumo fiel dos ensinos dos apóstolos. Nesse sentido, não é um credo católico romano ou evangélico, mas um resumo da fé cristã.[17]

A Reforma valorizou este Credo, sendo ele usado liturgicamente em muitas igrejas reformadas ainda na atualidade. Mas, os Credos da Reforma são as Confissões de Fé e Catecismos que surgiram no período da Reforma ou por inspiração daquele movimento, refletindo uma teologia semelhante. O que os séculos 4º e 5º foram para a elaboração dos Credos, os séculos 16 e 17 foram para a confecção das Confissões e Catecismos. A razão nos parece evidente: na Reforma, as Igrejas logo sentiram a necessidade de formalizar sua fé, apresentando sua interpretação sobre diversos assuntos que as distinguiam da igreja romana; com o passar do tempo, surgem outras denominações dentro da Reforma que discordavam entre si sobre alguns pontos, dai a necessidade de se estabelecer cada um de per si seus princípios doutrinários.[18]

II. A Necessidade e Importância do Credo Apostólico

1. Necessidade

É essencial que os crentes entendam a necessidade de confessar a sua fé (cf. Mt 10.32; Rm 10.9). Confessamos a nossa fé no batismo, na Ceia do Senhor, ao testificar aos incrédulos, ao dar bom testemunho na vida pública e privada. Toda confissão pública da fé deve ser feita com sinceridade, e deve vir acompanhada de uma vida de compromisso com os valores do reino de Deus.

Algumas igrejas evangélicas não dão valor ao Credo Apostólico, não se interessam em estudá-lo, nem em confessar a sua fé através dele. Esta atitude surge de três erros: 1º) as pessoas se enganam ao identificar o Credo com a Igreja Católica Romana, crendo que é um documento inventado por ela; 2º) como a Igreja Católica Romana tem a prática de conferir autoridade divina a muitos de suas tradições, então, se teme que ela conceda tanta importância ao Credo dos apóstolos, que se lhe estime na mesma altura que a Bíblia; e 3º) uma boa parte da igreja evangélica carece de consciência histórica. Se existe algum interesse pelo passado, este se concentra no período da Igreja primitiva, a qual se pretende chegar passando por toda a história que media entre nós e a Igreja do livro de Atos.[19]

Quero citar algumas razões que tornam necessário o Credo Apostólico para a Igreja de hoje:

1)   [20]A natureza da Igrejaa igreja de Cristo sempre foi confessante, porque a fé do coração deve ser expressa em proposições, em termos lúcidos, de forma que todos possam saber claramente em que a igreja crê.

2)   O ataque de outras tradições religiosas – a igreja de Cristo tem que possuir um norte teológico a ser seguido, ela não pode permanecer neutra em questões espirituais, éticas e morais.

3)   O espírito do tempo presente – o ambiente teológico atual é de indefinição teológica e de pluralismo religioso, onde as pessoas fogem de verdades objetivamente afirmadas.

4)   O experiencialismo vigente em nossos dias – o subjetivismo de nossa geração com seu experiencialismo desenfreado onde os sentimentos tem sido a medida de todas as coisas, chama a igreja de volta aos padrões confessionais.

5)   A pureza doutrinária – a pureza da doutrina é uma questão prioritária e fundamental para a igreja em todas as épocas, especialmente quando ela se encontra debaixo de tantos ataques. (cf. Fp 1.27; Jd 3; 2Pe 3.16)

2. Importância

Lloyd-Jones disse: Uma das primeiras coisas que você deve aprender nesta vida cristã e nesta guerra é que, se você estiver errado em sua doutrina, estará errado em todos os aspectos da sua vida. Provavelmente estará errado em sua prática e em sua conduta; e certamente estará errado em sua experiência.

Quero relacionar alguns elementos que atestam a importância do Credo:[21]

1)   Facilita a confissão publica de nossa fé.

2)   Oferece-nos de forma abreviada o resultado de um processo cumulativo da história, reunindo as melhores contribuições de diversos servos de Deus na compreensão da verdade.

3)   É uma exigência natural da própria unidade da Igreja, que exige um acordo doutrinário (Ef 4.11-14; Fp 1.27; 1Co 1.10; Jd 3; Tt 3.10; Gl 1.8, 9; 1Tm 6.3-5).

4)   Visto que o cristianismo e um modo de vida fundamentado na doutrina, o Credo oferece uma base sintetizada para o ensino das doutrinas bíblicas, facilitando a sua compreensão, a fim de que todos os crentes sejam habilitados para a obra de Deus.

5)   Preserva a doutrina bíblica das heresias surgidas no decorrer da história, revelando-se de grande utilidade, especialmente nas questões controvertidas, dando-nos uma exposição sistemática e norteadora a respeito do assunto.

6)   No que se refere a compreensão bíblica, permite distinguir as nossas Igrejas das demais.

7)   Serve como elemento regulador do ensino ministrado na Igreja bem como de seu governo, disciplina e liturgia.

8)   Serve como desafio para que continuemos nossa caminhada na preservação da doutrina e na aplicação das verdades bíblicas aos novos desafios de nossa geração, integrando-nos assim à nobre sucessão daqueles que amam a Deus e a sua Palavra e que buscam entendê-la e aplicá-la, em submissão ao Espírito, a vida da Igreja.

III. O Credo Apostólico e a Bíblia

O Credo Apostólico não possui autoridade maior do que a Bíblia. Nossa única regra de fé e pratica é a Palavra de Deus. Todas as ideias e tradições humanas, mesmo as mais excelentes, devem sujeitar-se às Sagradas Escrituras. Isso não significa que devemos desconsiderar toda a tradição, pois a fé bíblica é histórica e, portanto tradicional.

O melhor é entendermos que a Bíblia está acima da tradição, mas está última tem o seu valor. Para amadurecermos temos de olhar para as Escrituras e também para a história. Não devemos sentir vergonha de sermos chamados de tradicionais.[22]

O ato de depreciar um Credo significa deixar de usufruir das contribuições dos servos de Deus no passado referentes à compreensão bíblica e uma negação prática da direção que no passado deu o Espírito Santo à Igreja. John Stott afirmou: “Desrespeitar a tradição e a teologia histórica e desrespeitar o Espírito Santo que tem ativamente iluminado a Igreja em todos os séculos”.[23]

Por outro lado, temos de entender que o Credo tem o seu limite. O Credo é uma resposta do homem á Palavra de Deus, sumariando os artigos essenciais da fé cristã. Desta forma, eles pressupõem fé; mas não a geram; esta é obra do Espirito Santo através da Palavra. (Rm 10.17).

O Credo baseia-se na Palavra, porém não é a Palavra, nem jamais foi isso cogitado pelos seus formuladores; ele não pode substituir a Palavra de Deus; somente ela gera vida pelo poder de Deus (1Pe 1.23; Tg 1.18).

O Credo tem a sua autoridade decorrente da Palavra de Deus; em outras palavras, o seu valor não e intrínseco, mas sim extrínseco. Ele deve ser recebido e crido enquanto permanece fiel à Escritura.[24]

Concluindo – O Credo Apostólico

Creio em Deus Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto, e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao céu; está assentado à mão direita de Deus Pai Todo-poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.  Creio no Espírito Santo; na santa igreja universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.[25]

O Credo Apostólico pode ser dividido em quatro partes:

1)      Deus Pai Todo-poderoso;
2)      Deus Filho: a História da Redenção;
3)      Deus Espírito Santo;
4)      A Igreja e os benefícios que Deus nos tem concedido.

Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 10/01/15


[1] Nascimento, Misael Batista do. Os primeiros passos do discípulo, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 33.
[2] Costa, Hermisten Maia Pereira. Eu Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Parakletos, SP, 2002, p. 7.
[3] McGrath, Alister E. Creio – um estudo sobre as verdades essências da fé cristã no Credo Apostólico. Vida Nova, SP, 2013, p. 13.
[4] Nascimento, p. 33.
[5] Borges, Rev. Luciano. Estudos Bíblicos no Credo Apostólico para Escola Bíblica Dominical, Estudo 1. IPB Bethel em Limeira.
[6] Clássicos da Escola Dominical. Série “Descoberta da Fé – O Credo Apostólico”, 4ºTR73, Editora Cultura Cristã, Lição 1, p. 5.
[7] Costa, p. 7 (Prefácio de Alceu Davi Cunha).
[8] Costa, p. 25.
[9] Ibid., p. 25.
[10] Ibid., p.25, 26.
[11] Ibid., p. 26.
[12] Costa, p. 31.
[13] Ibid., p. 32-34.
[14] Ibid., p. 34-38.
[15] Ibid., p. 28.
[16] Ibid., p. 30.
[17] Patrocínio, Rev. Jorge Luiz. Série de Estudo no Credo Apostólico, Estudo 1 – Uma Análise Histórica.
[18] Costa, p. 46.
[19] http://www.monergismo.com/textos/credos/introducao_credo_apostolico.htm
[20] Campos, Heber Carlos de. A Relevância dos Credos e Confissões, Fides Reformata 2/2, 1997. (Essas cinco necessidades seguem a ordem do artigo de Heber Carlos de Campos.)
[21] Costa, p. 73-75. (Esse ponto segue a ordem do texto nas páginas indicadas)
[22] Nascimento, p. 33.
[23] Stott, John R.W. Cruz de Cristo, Editora Vida, Miami, 1991, p. 8.
[24] Costa, p. 70.
[25] Nascimento, p. 33. 

4 comentários:

  1. Parabéns.... Mas A Bíblia está acima da tradição? Precisava de um e esclarecimento, porque como se sabe, temos duas fontes da Revelação : a sagrada Tradição e a Sagrada Escritura, sendo essa segunda filha da primeira. E não só, no princípio era vida e só depois foi escrita.

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