domingo, 22 de fevereiro de 2015

Estudos Bíblicos da Fé Batista Livre - Introdução ao Estudo da Doutrina Batista Livre

Deuteronômio 32.1-4

A partir de hoje, vamos estudar os vinte e dois capítulos da declaração doutrinária dos Batistas Livres, em doze lições. Faremos isso com base no Manual de Fé e Prática dos Batistas Livres do Brasil[1], na segunda parte intitulada de A Fé dos Batistas Livres do Brasil, e nas lições do Pr. Robert E. Picirilli[2], traduzidas pelo Pr. Kenneth Eagleton[3].

Mas, antes de caminharmos nos estudos da doutrina, vamos olhar de forma panorâmica a história dos Batistas Livres, citando apenas os pontos importantes, como introdução ao estudo da fé Batista Livre.

Veremos isso em três pontos: 1º) A história dos Batistas; 2º) Os Batistas Livres; e 3º) As doutrinas que vamos estudar.

I. A história dos Batistas

Entre os séculos XV e XVI surge na Europa o movimento da Reforma, pela insatisfação com o desvio da Igreja Católica Romana e a deterioração das verdades bíblicas da fé. Nesse momento de profunda inquietação espiritual começaram a se levantar vozes que pediam que a Igreja voltasse ao Cristianismo das Escrituras. Do ponto de vista da fé, a Reforma se definia pelos seguintes lemas: “Somente as Escrituras”, “Somente a fé”, “Somente a Graça”, “Somente Cristo”, e “Somente a Deus Glória”. E posteriormente “uma igreja reformada está sempre se reformando”.

O movimento foi liderado por homens como Lutero, na Alemanha; Zwinglio, no norte da Suíça; Calvino, em Genebra; também os Valdenses e Huguenotes na França, além de outros. Uma data considerada marcante é 31 de Outubro de 1517, quando Lutero afixou na porta da Igreja em Wittenberg suas 95 teses contra a venda de indulgências.

Na Inglaterra, a volta à Bíblia já vinha sendo pregada desde o século XV por John Wycliffe, pedindo correções nas doutrinas da Igreja.  Outra influência foi William Tyndale (1494-1536) que traduziu o Novo Testamento para o Inglês, também desejoso de reformar a Igreja. Foi nessa época que os sábios das universidades inglesas de Oxford e Cambridge leram e foram influenciados pelas obras de Lutero.

Durante esses anos de reforma e turbulência na Inglaterra, surgiram grupos que não estavam satisfeitos, mesmo, com as reformas introduzidas na Igreja Anglicana. Eles queriam uma Igreja mais pura do ponto de vista bíblico. E por isso foram chamados de Puritanos. Entre os Puritanos havia alguns que queriam não somente uma reforma doutrinaria baseada na Bíblia, mas também queriam uma Igreja independente do Estado. Esses Puritanos foram chamados de Separatistas. O entendimento dos Separatistas era que a Igreja precisava buscar o modelo Apostólico de Igreja conforme o ensino do Novo Testamento na Bíblia.  E, pelo Novo Testamento entenderam que a Igreja não podia estar ligada ou submissa ao Estado, e nem a fé ser imposta por leis. Eles argumentavam que ninguém deveria tornar-se cristão por força, mas sim por crer de livre consciência.

Assim, em torno de 1600, nasceu na Inglaterra um movimento liderado por um sacerdote, John Smith, e um advogado, Thomas Helwys, ambos líderes da igreja naquele país. Ameaçados, inclusive pelo monarca, o Rei James I, o movimento considerado separatista passou a sofre perseguição e, juntamente com outras quarenta pessoas, Smith e Helwys, mudaram-se para a Holanda em 1607. Essa mudança possibilitou o contato com o ensino do teólogo holandês Jacob Arminius (Jacó ou Tiago Armínio), pai do Arminianismo, em contraste com a linha do teólogo francês João Calvino, pai do Calvinismo.[4]

Na Holanda, assim como na Suíça e sul da Alemanha, havia surgido um movimento reformador chamado Anabatistas (rebatizadores). Era um movimento que tinha suas variações, mas que na sua essência pregava uma volta às Escrituras, bem como o batismo apenas de quem podia professar a fé por si mesmo, e por isso se opunham ao batismo infantil.

Em 1609, como resultado da busca pela liberdade religiosa e do ensino de Armínio, nasceu, em Amsterdã, na Holanda, a primeira Igreja Batista. A transição ocorreu, então, da Igreja Anglicana para o movimento Puritano, para o Movimento Separatista, para o Anabatista e, finalmente, para o Batista Geral (Batista do Livre Arbítrio).[5]

Por divergências no campo teológico, Smith e Helwys, se separaram. Esse rompimento fez com que Helwys e uma pequena congregação retornassem a Inglaterra, logo após a publicação, em 1611, da primeira confissão de fé batista, a Declaração de Fé do Povo Inglês Remanescente de Amsterdã.[6]

Assim, em 1612, sob a liderança do Dr. Thomas Helwys, é fundada em Spitalfield, nos arredores de Londres, uma igreja com as características já bem definidas do movimento que seria denominado de Batista. Os participantes desse movimento inicial afirmaram a Bíblia como a autoridade maior e final da verdade Divina. Baseados nela criam e pregavam a salvação pela graça, recebida apenas pela fé no perdão vindo do sacrifício de Cristo. Sendo a graça recebida pelo crer, afirmavam a vida cristã como uma experiência livre da consciência de cada pessoa. Por isso defendiam que a fé e a Igreja cristã deveriam ser independentes, e exigiam do governo a liberdade de consciência e de culto. Esse grupo foi chamado, também, de Batistas Gerais por aceitarem o ensino de Armínio sobre a salvação.

Por volta de 1616, Henry Jacob, pastor Separatista, de linha puritana, fundou uma Igreja Independente em Londres. Em 1633 em uma segunda divisão daquela igreja, um grupo, na defesa do batismo somente de crentes e por imersão, se juntou ao Pr. John Spilsbury e fundaram uma Igreja Calvinista que foi chamada de Particular e considerada por uma linha de historiadores como a primeira igreja calvinista naquele lugar e de linha batista. Deles, o início do grupo chamado de os Batistas Particulares.

Assim, o movimento Batista continuou a crescer e em 1660 havia 300 igrejas na Inglaterra, agrupando-se nesses dois ramos, os gerais e os particulares, dependendo da posição que tinha sobre a doutrina da eleição.  Em 1834 é organizada a primeira Igreja Batista na Alemanha, e de lá o movimento se espalhou para a Escandinávia e Europa Oriental.

Convém citar que o nome Batista começou a ser usado definitivamente entre 1640 e 1650. Antes essas igrejas eram chamadas de “Os Irmãos”, “Igrejas Batizadas” ou “Igrejas de modo Batizadas”.

Muitos grupos Batistas, desejando uma liberdade que não tinham na Europa, imigraram para a colônia americana (EUA). Eles vinham da Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda.  Mais tarde outros vieram da Alemanha.

II. Os Batistas Livres

O Pr. Roger Williams, para escapar da perseguição religiosa, imigrou da Inglaterra para a colônia americana em 1631, estabelecendo-se em Massachusetts (hoje um estado). Em 1636 ele fundou a colônia de Rhode Island (hoje outro estado americano), e lá a cidade de Providence, onde colocou no documento de sua fundação a declaração de liberdade religiosa.  Roger Williams organizou a Primeira Igreja Batista de Providence em 1639 e outro ilustre servo de Deus, o batista John Clark, organizou a Igreja Batista de Newport, também em Rhode Island conhecida desde 1648, ambas de linha Batista Geral, isto é, de linha teológica arminiana.

Embora as igrejas batistas que estavam sendo plantadas nos Estados Unidos fossem de linha arminiana, com o nome batista livre, só em 1727 foi organizada a Primeira Igreja Batista Livre sob o ministério do Pr. Paul Palmer, no condado de Chowan, na Carolina do Norte.

Embora a grande força do movimento se concentrasse na região das Carolinas, ao sul, Batistas do Livre Arbítrio no sudeste também eram encontrados, em particular nos estados da Geórgia, Alabama, Florida e Tennesse.[7]

Em 1935, depois de muitas lutas, perdas e vitórias, os que se mantiveram firmes como batistas livres, representantes do Norte e do Sul, organizaram a Associação Nacional do Batistas Livres dos Estados Unidos. Essa associação adotou o Manual de Fé e Prática dos Batistas Livres, que constitui a exposição do entendimento que os Batistas Livres têm sobre as Sagradas Escrituras. O Manual é, portanto, o conjunto das doutrinas Batistas Livres e reflete a posição oficial da denominação.[8]

A partir de 1935 a denominação deu início, também, a um movimento de expansão de fronteiras com a criação da Junta de Missões Estrangeiras. A sua primeira missionária foi Laura Belle Barnard, que foi enviada para a Índia. Em 1936, Thomas Willey e sua família foram enviados para o Panamá, que em 1939 foram para Cuba. Nos anos 50 os Batistas livres foram para o Japão, para Costa do Marfim (África) e vieram para o nosso Brasil. Nos anos 60 foram para o Uruguai e voltaram para o Panamá. Na década de 70 foram para a França e a Espanha. Nos anos 90 os Batistas Livres da Índia enviaram missionários para o Nepal. Em 2007 chegamos na Bulgária. E, a partir daí, não paramos de enviar missionários para todas as partes do mundo onde Deus abre as portas.

Aqui no Brasil as Igrejas Batistas Livres foram organizadas a partir de 1958, com a Primeira Igreja Batista Livre de Campinas sendo a primeira delas. Hoje temos Igrejas no sudeste e uma congregação em Brasília, Distrito Federal.

III. As doutrinas que vamos estudar

Três perguntas: 1ª) O que é a doutrina batista livre? 2ª) Que tipo de doutrinas encontramos no Manual de Fé e Prática dos Batistas Livres? e 3ª) Em que doutrinas os batistas livres diferem das outras denominações?

1. O que é a Doutrina Batista Livre?

Em resumo, é o corpo de crenças que unem os Batistas Livres em uma denominação. Estas crenças indicam o nosso entendimento das verdades básicas da fé cristã como encontradas na Bíblia. Elas são mencionadas sucintamente no Manual que citei acima, um documento que expressa nossos ensinamentos, sem modificações desde a organização da Associação Nacional do Batistas Livres dos Estados Unidos (National Association of Free Will Baptists) em 1935.[9] O Manual “é a expressão do nosso entendimento do ensino das Escrituras, sendo, no entanto, necessariamente submisso à Bíblia[10].

2. Que tipo de doutrinas encontramos no Manual de Fé e Prática dos Batistas Livres?

No Manual de Fé e Prática dos Batistas Livres há dois tipos de doutrinas:[11]

1º) Temos as doutrinas que são comuns entre nós e os cristãos de outras denominações. Não achamos que uma pessoa precisa ser Batista Livre para ser considerada cristã. Reconhecemos que há muitas denominações que diferem conosco em vários pontos de doutrina, mas que todos os cristãos concordam em um maior número de pontos do que discordam.

Talvez você já tenha ouvido alguém dizer que poderiam se tornar cristão se todos os cristãos concordassem entre si. Na verdade, os cristãos realmente concordam com as principais doutrinas da fé. Concordam em quem é Deus, na pecaminosidade humana e na necessidade de salvação, em como Deus providenciou salvação pela obra redentora de Jesus Cristo, na importância do viver santo e no destino final dos redimidos e dos perdidos. Todos os cristãos que levam a sério a Bíblia como sendo a Palavra de Deus falam com uma só voz sobre tais assuntos.

2º) Há também algumas doutrinas nas quais os Batistas Livres creem e nas quais nem todos os cristãos concordam. Estas (ou uma combinação específica delas) são as crenças que nos tornam distintos dos cristãos de outras denominações, inclusive alguns tipos de batistas. Estes são os distintivos denominacionais.

Somos uma denominação e não temos vergonha disto. Afinal, a palavra denominação simplesmente significa nome. Denominações não são uma maldição, como dizem alguns. Elas oferecem uma maneira conveniente para que aqueles que têm a mesma visão das coisas possam se reunir e trabalhar juntos.

3. Em que doutrinas os Batistas Livres diferem das outras denominações?

Colocando de outra forma: Quem são os Batistas Livres? Vamos ver um breve esboço para ajudá-lo a entender como nos encaixamos naquela comunidade ampla de pessoas que usam o nome cristão.[12]

1º) Somos cristãos – isso nos distingue dos cristãos nominais, pois cremos e defendemos as doutrinas fundamentais e históricas da fé cristã como têm sido expressas nos principais credos do cristianismo ortodoxo.

2º) Somos cristãos Protestantes – isso nos distingue dos ramos do cristianismo da Igreja Católica Romana e da Igreja Ortodoxa. Esta é a herança da liberdade de consciência diante de Deus, sendo cada cristão um sacerdote diante Dele.

3º) Somos cristãos fundamentais – isso nos distingue dos liberais, pois levamos a sério a Bíblia como a Palavra de Deus e as crenças históricas da fé cristã. Para nós a Bíblia é a única regra de fé e prática.

4º) Somos cristãos arminianos – isso nos distingue dos cristãos calvinistas, pois cremos e defendemos teologicamente, o ensino do teólogo da Reforma, James Arminius (Jacó ou Tiago Armínio) em sua visão de como a salvação é providenciada e obtida. O Arminianismo da Reforma, ou seja, os pontos de vista do próprio Armínio e seus defensores originais. Arminianos, no entanto, creem que Jesus morreu por todos e que Deus escolheu salvar todos os que creem.

5º) Somos cristãos batistas – isso nos distingue de todas as denominações que não são batistas. Historicamente defendemos a posição de liberdade de cada cristão individualmente como crente-sacerdote, a liberdade de cada igreja local para administrar os seus próprios negócios, batismo apenas para aqueles que têm capacidade de compreensão para tomar uma decisão pessoal por Cristo e a imersão como sendo o modo mais propício de respeitar o simbolismo do batismo.

Concluindo

Para nós cada pessoa é livre perante Deus, em todas as questões de consciência, e tem o direito de abraçar ou rejeitar a religião, bem como de testemunhar de sua fé religiosa, respeitando os direitos dos outros.

Mantemos um corpo de confissões teológicas comumente chamadas de fé da reforma – aquelas verdades da Palavra de Deus que foram afirmadas pela igreja primitiva e reavivadas pela Reforma Protestante. Verdades Bíblicas, tais como Sola Fide (justificação somente pela fé), Sola Gratia (salvação somente pela graça de Deus), Solo Christo (Cristo somente, o Salvador dos pecadores), Sola Scriptura (a Bíblia, e somente ela, como base de fé e prática), Soli Deo Gloria (a Deus somente, toda a glória na salvação dos pecadores) e o lema Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est (Igreja Reformada está Sempre se Reformando).

Termino com as palavras de Armínio:

Deus permita que possamos todos nós concordar plenamente naquelas coisas que são necessárias para a Sua glória e para a salvação da igreja e que, em outras coisas, se não puder haver harmonia de opiniões, que ao menos possa haver harmonia de sentimentos, e que possamos “guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz”.[13]


Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 21/02/15



[1] Manual de Fé e Prática dos Batistas Livres do Brasil. Quarta edição, 2014, Aliança Batista Livre do Brasil.
[2] Robert E. Picirilli (PhD) é professor emérito de Welch College (anteriormente Free Will Baptist Bible College), autor de Discipleship: The Expression of Saving Faith (Discipulado: A Expressão da Fé Salvadora),Randall House, 2013; Grace, Faith & Free Will: Contrasting Views of Salvation − Calvinism and Arminianism (Graça, Fé e o Livre Arbítrio: Visões Contrastantes da Salvação − Calvinismo e Arminianismo), Randall House, 2002), Teacher, Leader, Shepherd: The New Testament Pastor (Professor, Líder e Pastor: o Pastor do Novo Testamento, Randall House, 2007) e Paul, the Apostle (Paulo, o Apóstolo, Moody, 1986).
[3] Kenneth Eagleton Jr. é Pastor, Diretor Pedagógico da Escola Teológica Batista Livre e Diretor da Missão Batista Livre do Brasil e da América Latina.
[4] Eagleton, Kenneth P. Junior. O Pão que Permanece, Missão Batista Livre do Brasil, p. 8, 9.
[5] Ibid., p. 9.
[6] Ibid., p. 9.
[7] Eagleton, p. 11.
[8] Eagleton, p. 15.
[9] Picirilli, Robert E. Introdução ao Estudo da Doutrina Batista Livre, Lição 1, p. 1.
[10] Jr., Kenneth Eagleton. Declaração de Princípios e Diretrizes da Aliança Batista Livre do Brasil, 2013, p. 3.
[11] Picirilli, p. 1, 2. (Pergunta e respostas)
[12] Picirilli, p. 2, 3 (Pergunta e respostas)
[13] Picirilli, Robert E. Graça, Fé e Livre Arbítrio, 2002, The Randall House Publications, p. 6.

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