sábado, 12 de abril de 2014

Os relacionamentos dos cristãos: com Deus e com o próximo (2)

Mateus 5.7-12

ð Em nosso estudo anterior, vimos o significado da expressão bem-aventurança: aquela alegria ou felicidade interior, independentemente das coisas externas da vida.

ð Vimos, também, que a expressão bem-aventurados aparece nove vezes nesse texto e chamou muita a atenção dos ouvintes primários e a nossa também.

ð Vimos, ainda, as quatro verdades que a Bíblia ensina sobre as bem-aventuranças: PrimeiraBem-aventurança é algo que somente Deus pode dar – Sl 144.15; SegundaBem-aventurança é um estado que Deus deseja que seu povo desfrute – Gn 1.27, 28; Nm 6.24-26; TerceiraBem-aventurança não depende das circunstancias da vida – Fp 4.10, 11; 2Co 7.4; 12.10; QuartaBem-aventurança está relacionada à obediência a Palavra de Deus – Lc 11.27, 28; Sl 1.1.

ð Observamos que, a primeira bem-aventurança e a última fazem a mesma promessa – “porque deles é o reino dos céus” – Mt 5.3, 10. Sobre esse reino prometido por Jesus, consideramos quatro fatos: PrimeiroEle é um reino eterno; Segundo Ele é um reino espiritual; TerceiroEle é um reino contemporâneo; QuartoEle é um reino dinâmico.

ð E, assim, passamos a estudar as bem-aventuranças em dois pontos: 1º) As primeiras quatro, tratam do relacionamento do cristão com Deus; e 2º) As últimas quatro, do relacionamento do cristão com o seu próximo.

ð Terminamos com citação a Lutero que afirmou: É preciso ter uma fome e sede de justiça que jamais possam ser reprimidas, ou sustadas, ou saciadas, que não procurem nada e não se importem com nada a não ser com a realização e a manutenção do que é justo, desprezando tudo o que possa impedir a sua consecução. Se você não puder tornar o mundo completamente piedoso, então faça o que você puder.

Hoje, vamos considerar o segundo e último ponto de nosso estudo sobre as bem-aventuranças: O relacionamento do cristão com o seu próximo.

II. O relacionamento do cristão com o seu próximo – 5.7-12

1. v.7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.

O teólogo Richard Lenski afirma que o substantivo eleos no grego, traduzido por misericórdia, sempre trata da dor, da miséria e do desespero, que são resultados do pecado e com isso ele faz uma distinção entre misericórdia e graça, pois graça, charis no grego no NT, sempre lida com o pecado e com a culpa propriamente ditos. A primeira concede alívio; a segunda, perdão; a primeira cura e ajuda, a segunda purifica e reintegra.[1]

Assim, ser um cristão misericordioso é colocar o seu coração na compaixão pelo sofrimento alheio, começando pela situação moral e espiritual e indo até a questão socioeconômica. Ser misericordioso, também, é estar pronto para perdoar.

Nosso Deus é um Deus misericordioso e dá provas de misericórdia continuamente; os cidadãos do seu reino também devem demonstrar misericórdia. Naturalmente, o mundo, pelo menos quando é fiel à sua própria natureza, é cruel, como também a Igreja frequentemente o tem sido em seu mundanismo.[2]

A BLH traduz esse versículo do seguinte modo: Felizes os que tratam os outros com misericórdia — Deus os tratará com misericórdia também! Jon Stott afirma sobre essa passagem assim: “Não que possamos merecer a misericórdia através da misericórdia, ou o perdão através do perdão, mas porque não podemos receber a misericórdia e o perdão de Deus se não nos arrependermos, e não podemos pro­clamar que nos arrependemos de nossos pecados se não formos misericordiosos para com os pecados dos outros. Nada nos impulsiona mais ao perdão do que o maravilhoso conhecimento de que nós mesmos fomos perdoados. Nada prova mais claramente que fomos perdoados do que a nossa própria prontidão em perdoar. Perdoar e ser perdoado, demonstrar misericórdia e receber misericórdia andam indissoluvelmente juntos...”.[3]

Devemos ser misericordiosos por que:[4]

ð Deus, nosso Pai, é misericordioso (Lc 6.36. Depois, leia Sl 136).
ð Jesus, nosso Salvador, foi compassivo e misericordioso (Lc 4.40).
ð Somos o povo eleito de Deus (Cl 3.12-13).
ð Práticas religiosas sem misericórdia não agradam a Deus (Mt 23.23).

O mundo, quando à parte da influência cristã, costuma ser extremamente individualista e egoísta; as pessoas não dão a mínima para a dor e a calamidade dos outros; não sabem o que é misericórdia.

Qual é a bênção referida nesta bem-aventurança? “... alcançarão misericórdia”. Não nos tornamos merecedores da misericórdia de Deus quando exercemos misericórdia, ou do seu perdão quando perdoamos. A misericórdia e o perdão de Deus são expressões da sua graça, e graça é favor imerecido. Todavia, ninguém pode receber a misericórdia e o perdão de Deus sem se arrepender dos seus pecados e crer em Cristo, e ninguém pode dizer sinceramente que se arrependeu dos seus pecados e não ser misericordioso, perdoando os pecados dos outros. Nada nos encoraja mais a ser misericordiosos com outros, para ajudar ou perdoar, do que saber que Deus, misericordiosamente e graciosamente nos abençoa e perdoa cada dia. (Lm 3.22-23). A prova maior de que fomos perdoados é a nossa disposição para perdoar. Esta quinta bem-aventurança pode ser relacionada com a terceira: “Bem-aventurados os mansos...” (RA) ou “Felizes as pessoas humildes...” (BLH). O “manso” ou “humilde” também é “misericordioso”, pois, admitindo os próprios pecados, tem misericórdia dos outros, quando pecam.

2. v.8Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.

Obviamente Jesus estava falando de pureza interior, e esta afeta: 1) O comportamento moral. Veja a oração de Davi depois de cometer adultério (Sl 51.4,6,7); 2) A prática religiosa. Veja o que Jesus disse aos lideres religiosos de sua época, porque não eram puros de coração. Mt 23.25-28. Isto é hipocrisia! 3) Os relacionamentos – O coração puro garante um relacionamento confiável.

A relação entre uma coisa e outra está clara no Sl 24.3-5. Vivemos numa época em que ser limpo de coração ou puro é um desafio!

Qual é a bênção referida nesta bem-aventurança? “... eles verão a Deus”. Deus é espírito e não pode ser visto (1Tm 1.7). Não obstante, esta passagem garante que os crentes verdadeiros, os limpos de coração, “verão a Deus”. Como? Estas palavras têm duas explicações: 1ª) Desde já, subjetivamente, com os olhos da féEf 1.17-18; e 2ª) No futuro mediante uma compreensão mais aperfeiçoada que teremos de Deus, em sua presença, nos céus1Co 13.12.[5]

3. v.9Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.

[6]A sequência de ideias – “os que têm o coração puro” e “os pacificadores” é natural, pois uma das causas mais frequentes de conflito entre as pessoas é a falta de verdade, de sinceridade, e transparência. O pacificador tem que atentar para três coisas:

1ª) O caráter pacificador é obra do Espírito Santo (Gl 5.22-23).

2ª) O pacificador paga um preço alto para viver em paz com as pessoas. Deus pagou o preço maior (Jo 3.16; 2Co 5.18-19). Não existe paz barata!

3ª) O pacificador, mesmo pagando o preço, não terá paz com todos à sua volta (Rm 12.18).

Qual é a bênção referida nesta bem-aventurança? “... serão chamados filhos de Deus”. Ver Mt 5.43-45. Deus, nosso Pai, é “Deus da paz” (Rm 15.33). Seus filhos devem ser da paz também. Jesus foi e é “Príncipe da Paz” (Is 9.6). Seus seguidores devem ser pacificadores como ele foi. Um exemplo do espírito nada pacificador dos discípulos, no começo, e do espírito pacificador de Jesus está em Lc 9.51-56.

4. v.10-12Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.

Por mais que nos esforcemos por viver em paz com as pessoas, sempre haverá os que se recusam a viver em paz conosco. Alguns opõem-se a nós e nos perseguem. Fazem isso justamente porque somos cristãos, porque somos diferentes, porque temos fome e sede de justiça ou de fazer a vontade e Deus (v.10), ou simplesmente porque somos seguidores de Jesus (v.11). Ver Jo 15.18-20.

Como devemos reagir? Com regozijo! (Mt 5.11-12). Jesus mencionou três razões para isto. E estas, juntas, são a bênção relacionada com esta bem-aventurança. Os cristãos podem e devem regozijar-se quando perseguidos por sua fé:

1ª) Porque “deles é o reino dos céus”. Isto significa, primeiramente, que eles têm o privilégio de viver na esfera do reino, conhecendo e obedecendo a vontade de Deus. E isto é bem-aventurança! É a mesma bênção prometida aos “pobres de espírito”. Significa, também, que “uma grande recompensa ou herança está guardada para eles, nos céus”.

2ª) Porque a perseguição acontece quando e porque estamos fazendo a vontade de Deus e seguindo a Cristo (v.11). Os cristãos, às vezes, são punidos ou perseguidos merecidamente, por agirem mal, e, todavia, atribuem tal “perseguição” ao fato de serem crentes. Mas não é o caso. Ver 1Pe 2.12.

3ª) Porque a perseguição é um sinal de genuinidade, um certificado de autenticidade cristã, “pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (v. 12b). Ver Lc 6.22-23 e 26, notando os termos “os profetas” e “os falsos profetas”. O chamado Irmão André (conhecido como Contrabandista de Deus), falando no Brasil sobre a Igreja Perseguida, nos antigos países comunistas, manifestou sua estranheza ante o fato que, no Ocidente, a Igreja não é perseguida, e citou 2Tm 3.12.

Essa perseguição é pela busca de ser um cristão autêntico e procurar tomar as decisões baseados nos princípios bíblicos. Contudo, precisamos perseverar e permanecer no propósito de ser um filho de Deus. A perseguição irá acontecer, mas não devemos desistir. Felizes são os que vivem desta maneira.

Concluindo

Nas bem-aventuranças, Jesus apresenta um desafio fundamental ao mundo não-cristão e ao seu ponto de vista, e exige que seus discípulos adotem o seu sis­tema de valores, totalmente diferente. Como Thielicke disse, "qualquer pessoa que entre em comunhão com Jesus tem de passar por uma reavaliação de valores".

Tal inversão dos valores humanos é básica na religião bíblica. Os métodos do Deus das Escrituras parecem uma confusão para os homens, pois exaltam o humilde e humilham o orgulhoso; chamam de primeiros, os últimos, e de últimos, os primeiros; atribuem grandeza ao servo, despedem o rico de mãos vazias e declaram que os mansos serão seus herdeiros. A cultura do mundo e a contracultura de Cristo estão em total desarmonia uma com a outra. Resumindo, Jesus parabeniza aqueles que o mundo mais despreza, e chama de "bem-aventurados" aqueles que o mundo rejeita.[7]


Pr. Walter Almeida Jr.
Limeira, 28/12/13.



[1] Stott, John R. W. Contracultura Cristã, A mensagem do Sermão do Monte, ABU Editora, 1981, p. 23.
[2] Ibid., p. 23.
[3] Ibid., p. 23.
[7] Stott, p. 27.

Nenhum comentário:

Postar um comentário