terça-feira, 22 de março de 2016

Estudos Bíblico na Carta aos Gálatas (4) - Somente um evangelho

Gálatas 2.1-10

No estudo anterior em Gálatas 1.11-24 com o tema: O Evangelho Verdadeiro, vimos que: 1º) O evangelho verdadeiro não foi dado para agradar aos homens v.11; 2º) O evangelho verdadeiro vem diretamente de Deusvv. 12; 3º) O evangelho verdadeiro transforma o mais vil pecadorvv.13-24.

E terminamos com as seguintes lições: 1ª) O verdadeiro evangelho transforma vidas; 2ª) O verdadeiro evangelho dá uma nova missão para a vida daqueles que são transformados; e 3ª) O verdadeiro evangelho cria uma nova família, a igreja de Deus.

Hoje, vamos estudar Gálatas 2.1-10 com o tema: Somente um evangelho. Faremos isso em três pontos: 1º) Somente um evangelho apostólicovv.1-3; 2º) Somente um evangelho para a salvaçãovv.4-8; 3º) Somente um evangelho da comunhãovv.9, 10.

Paulo mostrou no capítulo 1 que o seu evangelho vinha de Deus e não dos homens. Agora, ele mostra que o seu evangelho não é diferente, mas precisamente o mesmo dos outros apóstolos. Warren Wiersbe diz que, Paulo explicou no capítulo 1 sua independência dos outros apóstolos; agora, no capítulo 2, destaca sua interdependência com respeito aos apóstolos.[1]

I. Somente um evangelho apostólico – vv.1-3

Já vimos, no primeiro estudo, que Paulo fez cinco viagens a Jerusalém depois de sua conversão. A primeira delas ocorreu três anos após sua conversão (1.17, 18; At 9.26), quando passou quinze dias com o apóstolo Pedro e com Tiago (1.18, 19). A segunda visita está relacionada ao socorro financeiro que Barnabé e ele levaram aos pobres da Judeia (At 11.29, 30; 12.25). A terceira visita tem a ver com o Concílio de Jerusalém para resolver a questão judaizante (At 15.2-29). A quarta visita foi uma passagem muito rápida ao final da segunda viagem missionária e antes da terceira viagem missionária (At 18.22). A quinta e última visita de Paulo a Jerusalém aconteceu quando ele foi levar uma oferta das igrejas da Macedônia e Acaia aos pobres da Judeia, ocasião em que o apóstolo terminou preso (At 21.17).[2]

Essa visita mencionada por Paulo aqui, pode ter sido a segunda ou a terceira visita, mas, não temos como afirmar com certeza qual delas foi. O que podemos afirmar com certeza é que “foi uma reunião com consequências enormes para todos nós, mesmo hoje”[3].

Hernandes Dias Lopes destaca nos vv.1 e 2 três pontos importantes:[4]

1º) Os companheiros de Paulo – v.1Ambos são importantes na defesa do evangelho pregado por Paulo. Barnabé foi o companheiro de Paulo na primeira viagem missionária, e Tito era filho na fé de Paulo (Tt 1.4). Barnabé, sendo judeu, estava de pleno acordo com o evangelho pregado por Paulo, evangelho esse que não foi modificado pelos apóstolos de Jerusalém (2.6-10); e Tito, sendo um gentio, foi aceito sem precisar submeter-se ao rito da circuncisão (2.3-5).

Citado oito vezes em 2Coríntios e uma vez em 2Timóteo, Tito foi o destinatário da carta do Novo Testamento que leva o seu nome (Tt 1.4). Donald Guthrie ressalta que o ponto principal da menção de Tito é dar exemplo de um gentio cristão cujo relacionamento com a circuncisão pode ser considerado típico para todos os gentios.

John Stott quando diz que Paulo levou Tito a Jerusalém não para despertar atritos, mas para estabelecer a verdade do evangelho: que judeus e gentios são aceitos por Deus nos mesmos termos, a saber, a fé em Jesus Cristo, e, portanto, todos devem ser aceitos pela igreja sem nenhuma discriminação.

2º) motivação de Paulo – v.2a. Paulo foi a Jerusalém em obediência a uma revelação divina, e não por uma convocação humana. Ele foi não para buscar aprovação dos homens, mas para obedecer a um mandato de Deus; não para receber autorização dos apóstolos de Jerusalém para pregar, mas para defender o evangelho que pregava. Como diz Calvino, Paulo não foi posto no ofício apostólico por determinação dos outros apóstolos; foi reconhecido por eles como um apóstolo.

3º) o propósito de Paulo – v.2b. O propósito dessa viagem de Paulo a Jerusalém era expor o evangelho pregado por ele entre os gentios aos cristãos de Jerusalém e aos apóstolos. O propósito de Paulo era provar que não havia uma fenda entre ele e os demais apóstolos. Não havia dois evangelhos, nem conflito entre os apóstolos. Os ministérios eram diferentes, mas o evangelho era o mesmo. Os mensageiros tinham dons e campos de atuação diferentes, mas a mensagem era a mesma.

Quando os líderes da igreja em Jerusalém reconheceram que um gentio era salvo pela fé em Cristo, sem ter sido circuncidado (v.3), em outras palavras, eles estavam dizendo que: o Evangelho que Paulo pregava e ensinava também era o Evangelho que eles pregavam e ensinavam. Caso contrário, eles teriam rejeitado a Tito e corrigido o Evangelho pregado por Paulo. Assim, temos somente um evangelho apostólico.

Como um verdadeiro cristão, Tito era a prova viva de que a circuncisão e os regulamentos mosaicos não eram pré-requisitos ou componentes necessários da salvação. A recusa dos apóstolos de requerer a circuncisão de Tito autenticou a rejeição da igreja à doutrina dos judaizantes.[5]

Portanto, a aceitação de Tito pelos crentes judeus serviu como ilustração do princípio segundo o qual o indivíduo se torna espiritualmente puro e aceitável através de Cristo, e não por meio de quaisquer feitos ou rituais. Os gentios podem tornar-se membros plenos do povo de Deus sem se tornarem judeus em costumes e cultura.[6]

II. Somente um evangelho para a salvação – vv.4-8

Paulo dedicou metade dessa narrativa relativa ao concílio de Jerusalém à explanação do resultado do concílio, expresso tanto negativa (vv.6, 10) quanto positivamente (vv.7-9). Em contraste com as afirmações dos judaizantes, o fato foi que os três (Tiago, Pedro e João) não impuseram mudanças ao seu ministério e mensagem.[7]

Observemos o texto mais detalhadamente:[8]

ð E isto por causa dos falsos irmãos (v.4a) – judaizantes, que fingiam ser verdadeiros cristãos; todavia sua doutrina, que alegava obediência a Cristo, se opunha ao judaísmo tradicional e, como exigia circuncisão e obediência à Lei Mosaica como pré-requisito para a salvação, opunha-se ao cristianismo.

ð que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa (v.4b) – a palavra, em grego, retrata espiões ou traidores entrando em segredo no acampamento do inimigo. Os judaizantes eram agentes furtivos de Satanás, enviados para o meio da igreja a fim de sabotar o verdadeiro evangelho.

ð liberdade, que temos em Cristo Jesus (v.4c) – os cristãos estão livres da lei como meio de salvação, de seus regulamentos cerimoniais externos como modo de vida e de sua maldição pela obediência à lei – uma maldição que Cristo suportou em favor de todos os cristãos (3.13). Essa liberdade não é, contudo, uma licença para pecar (5.13).

ð para nos porem em servidão (v.4d) – transmite a ideia de escravidão absoluta a um sistema de obras de justiça impossível.

ð v.5 – Paulo e Tito nunca abandonaram a sua posição sobre a salvação pela graça mediante a fé.

ð E, quanto àqueles (v.6) – outra referência a Pedro, Tiago e João.

ð que pareciam ser alguma coisa (v.6) – o privilégio único dos 12 não tornava seu apostolado mais legítimo ou autorizado que o de Paulo – Cristo comissionou os 13 (cf. Rm 2.11). John Stott enfatiza que as palavras de Paulo não são uma negação da autoridade apostólica deles, nem uma indicação de desrespeito. Paulo simplesmente está dizendo que, embora aceite o seu posto de apóstolos, não se sente intimidado por suas pessoas, como acontecia com os judaizantes.[9]

O evangelho pregado por Paulo não havia sido criado por ele nem mesmo tinha recebido dos apóstolos que vieram antes dele, mas fora recebido do próprio Senhor Jesus. Consequentemente, sua mensagem era a verdade do evangelho (2.5), a mensagem da “...nossa liberdade que temos em Cristo Jesus” (2.4), a mensagem completa e imutável.[10]

ð evangelho da incircuncisão me estava confiado (v.7) – mais bem traduzido como para o incircunciso; Paulo pregava o evangelho primeiramente para os gentios (também para judeus, em terras gentílicas, quando seu objetivo era ir à sinagoga primeiro – cf. At 13.5).

ð a Pedro o da circuncisão (v.7) – o ministério de Pedro era primeiramente aos judeus.

ð aquele que operou eficazmente em Pedro (...) esse operou também em mim (v. 8) – o Espírito Santo, que tem apenas um evangelho, capacitou tanto Pedro como Paulo em seus ministérios.

Portanto, Paulo passa da defesa do seu evangelho para o alcance do seu ministério. Deus lhe deu a graça de pregar aos gentios, enquanto deu a Pedro o privilégio de pregar aos judeus. Eles tinham ministérios diferentes, dirigidos a públicos diferentes, mas anunciavam o mesmo evangelho da graça.[11]

Hernandes destaca aqui dois pontos importantes: 1º) O ministério de Paulo aos gentios era vocação divina, e não delegação humana (v.7). Paulo não pregou aos gentios porque deliberou fazê-lo por conta própria, nem porque Pedro ou os demais apóstolos o comissionaram para esse mister. O mesmo Jesus que o chamou, esse mesmo também lhe designou o campo. Sua vocação e esfera do seu ministério foram determinados por Cristo Jesus; 2º) O ministério de Paulo aos gentios era capacitação divina, e não treinamento humano (2.8). O Senhor não apenas conduziu Paulo aos gentios, mas o capacitou eficazmente para esse trabalho, da mesma forma que fez com Pedro em relação aos judeus. O chamado vem de Deus, assim como o poder e a capacitação para exercer o ministério. Paulo não é apóstolo por vontade própria nem exerce o apostolado com poder próprio. Tanto sua vocação quanto seu poder vêm de Deus. Assim, cada um concentraria seus esforços no campo que o Espírito Santo havia lhe designado. Tiago, Pedro e João falariam aos judeus; Paulo falaria aos gentios.[12]

III. Somente um evangelho da comunhão – vv.9, 10[13]

As colunas da igreja em Jerusalém, Tiago, Cefas e João, não apenas reconheceram o apostolado de Paulo endereçado aos gentios, mas também estenderam a ele e a Barnabé a destra de comunhão, a fim de que fossem uns para os gentios, e outros, para a circuncisão.

Hernandes Dias, destaca aqui dois pontos. 1º) a liderança da igreja está unida em torno do único evangelho (v.9a) – Os apóstolos de Jerusalém e Paulo não estão em conflito, mas dando as mãos em sinal de total concordância acerca do único evangelho a ser pregado, quer entre os gentios, quer entre os judeus. Warren Wiersbe quando escreve: A grande preocupação de Paulo era com “a verdade do evangelho” (G1 2.5,14), não com a “paz da igreja”. A sabedoria que Deus envia do alto é “primeiramente pura; depois pacífica” (Tg 3.17). A “paz a qualquer custo” não era a filosofia de ministério de Paulo, e também não deve ser a nossa; 2º) a liderança da igreja reconhece a diferença de ministérios (v.9b) – Os líderes da igreja de Jerusalém selaram a unidade cristã ao darem a Paulo e a Barnabé a destra de comunhão, enquanto rechaçavam as ideias heréticas dos judaizantes.

O fato, porém, de existir um só evangelho não significa que o evangelho não tenha endereçamentos distintos. Enquanto Paulo e Barnabé são enviados aos gentios, os apóstolos são enviados aos judeus. O mesmo evangelho deve ser pregado a gentios e judeus. A mensagem é a mesma, mas a forma é diferente. O conteúdo é o mesmo, mas a abordagem é diferente. A teologia é a mesma, mas o método é diferente. Adolf Pohl corretamente sintetiza: “Um novo grupo alvo da proclamação demanda diferente apresentação, ênfase e concentração”.

Hernandes Dias vê no v.10 duas verdades: 1ª) não há conflito entre fé e obras (v.10a) – O evangelho da graça é integral. Ele provê salvação para a alma e redenção para o corpo. É transcendental e ao mesmo tempo assistencial; 2ª) não há conflito entre evangelização e ação social (v.10b). Não há conflito entre a pregação do evangelho e o cuidado dos pobres.

William Hendriksen diz que ajudar os pobres é requerido na lei de Deus (cf. Êx 23.10, 11; 30.15; Lv 19.10; Dt 15.7-11), na exortação dos profetas (cf. Jr 22.16; Dn 4.27; Am 2.6, 7) e no ensino de Jesus (cf. Mt 7.12; Lc 6.36, 38; Jo 13.29). É fruto da gratidão do crente pelos benefícios recebidos. Aqueles que recebem misericórdia tornam-se misericordiosos. Paulo diz que aqueles que recebem benefícios espirituais devem retribuir com benefícios materiais (cf. Rm 15.26, 27). Jesus é o maior exemplo de generosidade (cf. 2Co 8.9). O homem generoso receberá grande recompensa (cf. Mt 25.31-40).

Concluindo – Terminemos refletindo nas palavras de Paulo aos Efésios 4.1-6.

Rodo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós.



[1] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da Liberdade Cristã, Editora Hagnos, 2011, p. 79, 80.
[2] Lopes, p. 80.
[3] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015, p. 39.
[4] Lopes, p. 81-83. Este comentário segue literalmente a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[5] MacArthur, John. Gálatas – A maravilhosa Graça de Deus, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 20.
[6] Keller, p. 44.
[7] Carson, D. A. Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, SP, 2009, p. 1822.
[8] MacArthur, p. 20, 21. Segue literalmente o comentário nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[9] Lopes, p. 86.
[10] Lopes, p. 87.
[11] Lopes, p. 87, 88.
[12] Lopes, p. 88, 89.
[13] Lopes, p. 89-92. Este comentário segue literalmente a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Estudos Bíblicos na Carta aos Gálatas (3) - O Evangelho Verdadeiro

Gálatas 1.11-24

No estudo anterior em Gálatas 1.6-10 com o tema: Outro Evangelho, vimos que: 1º) O outro evangelho não é o Evangelho de Jesus Cristov.6; 2º) O outro evangelho é pervertidov.7; 3º) O outro evangelho é uma maldiçãovv.8-10.

E terminamos com as seguintes lições e aplicações: 1º) Dar ouvidos a outro evangelho significa estar se desviando daquele que o chamou para o verdadeiro evangelho (v.6); 2º) Dar ouvidos a outro evangelho significa estar ouvindo uma heresia destruidora da fé cristã (v.7); 3º) Dar ouvidos a outro evangelho significa estar em perigo de maldição (vv.8, 9).

Hoje, vamos estudar Gálatas 1.11-24 com o tema: O Evangelho Verdadeiro. Faremos isso em três pontos: 1º) O evangelho verdadeiro não foi dado para agradar aos homens v.11; 2º) O evangelho verdadeiro vem diretamente de Deusvv. 12; 3º) O evangelho verdadeiro transforma o mais vil pecadorvv.13-24.

Meno Kalisher diz que, esses versículos permitem que comparemos (1) Aquilo que era mais importante para Paulo antes que ele cresse em Cristo (suas prioridades eram semelhantes às dos falsos profetas); e (2) Aquilo que se tornou mais importante depois de seu encontro com Cristo.[1]

Também, mais uma vez, Paulo defende seu evangelho, mostrando de forma eloquente que este não é segundo o homem e não foi aprendido de homem algum. Nem a fonte do seu evangelho nem o método pelo qual Paulo o recebeu eram humanos. O evangelho lhe veio por revelação de Jesus Cristo. Isto não diz respeito a uma revelação geral, disponível a todos que a recebessem, mas a uma revelação especial e pessoal para Paulo.[2] (cf. v.10)

I. O evangelho verdadeiro não foi dado para agradar aos homens – v.11

Paulo afirmou ser divina a origem de sua comissão apostólica (1.10), agora ele afirma ser de origem divina o seu evangelho apostólico (1.11). Nem a sua missão nem a sua mensagem derivavam de homem algum; ambas lhe vieram diretamente de Deus e de Jesus Cristo.[3]

Pelo fato de fazer tudo com o propósito de ganhar pessoas para Cristo (cf. 1Co 9.22), Paulo era acusado pelos seus opositores de pregar o evangelho por interesse pessoais, ou de buscar o favor humano. Eles diziam que Paulo queria agradar e ser querido por todos.[4]
Paulo tinha plena consciência de a quem estava servindo. Quem é servo de Cristo não busca holofotes. Quem é servo de Cristo não depende de elogios nem se desencoraja com as críticas. Quem é servo de Cristo não está atrás de sucesso nem de glórias humanas. Quem é servo de Cristo não muda a mensagem para atrair os ouvintes. O propósito do ministério de Paulo não era agradar aos homens, mas servir a Cristo.[5]

II. O evangelho verdadeiro vem diretamente de Deus – v. 12

Paulo explicou à igreja dos coríntios que, entre sua ressurreição e ascensão, Jesus apareceu a Cefas [Pedro] e, depois, aos doze (...). Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim (1Co 15.5-8). Paulo testemunhou o Cristo ressurreto de modo único quando viajava para Damasco, a fim de prender cristãos (cf. At 9). São registradas aparições do Senhor a Paulo em Atos 18.9; 22.17-21; 23.11; e 2Coríntios 12.1-4.[6]

Donald Guthrie diz que o evangelho pregado por Paulo não foi forjado pelo intelecto humano. Não é um sistema filosófico, nem uma fé religiosa criada por algum gênio religioso. Não era nem mesmo um desenvolvimento humano da religião judaica. O evangelho de Paulo não é humano, mas divino; não é natural, mas sobrenatural. Seu molde ou padrão era outro. Outra espécie de mente estava por detrás dele.[7]

Na qualidade de servo de Cristo, a apóstolo só podia proclamar a mensagem do Evangelho. Embora ele a pregasse, não lhe dera origem, nem qualquer outro homem.[8]

Paulo conheceu o evangelho que pregava por meio de revelação divina, ou seja, diretamente de Deus (cf. v.12; Ef 3.1-8). Mais adiante ele diz que o evangelho que pregava não era uma tradição de homens, contudo, não estava em desacordo com o evangelho pregado pelos apóstolos que estavam em Jerusalém (cf. Gl 1.17; 2.7-10).[9]

O evangelho é de Cristo, vem de Cristo e glorifica a Cristo. Sua origem não é terrena, mas celestial; não é humana, mas divina; não está focada no homem, mas em Cristo. Jesus Cristo foi tanto o agente por meio do qual veio a revelação quanto o conteúdo da própria revelação. Por isso, os gálatas têm diante de si, no evangelho de Paulo, uma grandeza incondicional, na qual não há nada para revisar, diminuir ou acrescentar.[10]

III. O evangelho verdadeiro transforma o mais vil pecador – vv.13-24

O evangelho que Paulo pregava era o mesmo que havia transformado a sua vida. Ele havia experimentado pessoalmente o poder do evangelho, por isso podia afirmar não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). E isso estabelece um princípio espiritual: só deve pregar o evangelho que for transformado pelo evangelho.[11]
Paulo apresenta sete aspectos da sua conversão:

1.    Deus transformou completamente a sua vidavv.13, 14 – Paulo era um religioso file à sua religião, o judaísmo. Foi perseguido e devastador da igreja de Cristo. Mas, Jesus transformou a sua vida em um encontro pessoal com ele (cf. At 9.1-19). De perseguidor do evangelho, Paulo passou a ser perseguido por causa do evangelho.

Observemos alguns detalhes do texto:[12]

ð judaísmo (v.13) – o sistema religioso judaico das obras de justiça, que não é inteiramente baseado no texto do Antigo Testamento, mas nas interpretações e tradições rabínicas; de fato, Paulo argumenta que um entendimento apropriado do Antigo Testamento somente pode levar a Cristo e a seu evangelho da graça mediante a fé (cf. G1 3.6-29).

William Hendriksen diz que o judaísmo de que Paulo fala não era a revelação do Antigo Testamento, cujas linhas – históricas, tipológicas, psicológicas e proféticas – convergiam a Belém, ao Calvário e ao Monte dos Oliveiras. Ao contrário, era aquela religião que sepultava a santa lei de Deus sob o peso das tradições humanas, o corpo inteiro da lei oral que suplementava a lei escrita (Mt 5.21-48; 15.3,6; 23.1-36).[13]

ð perseguia (v.13) – o tempo desse verbo grego enfatiza o persistente e contínuo esforço de Paulo para causar prejuízo e, finalmente, exterminar os cristãos.

ð excedia em judaísmo a muitos da minha idade (v.14a) – a palavra grega para excedia significa cortava à frente. Seu sentido é muito parecido com abrir um caminho através de uma floresta. Paulo tomou seu caminho conhecido no judaísmo (cf. Fp 3.5-6) e, por ver os judeus cristãos como obstáculos a seu progresso, trabalhou para derrubá-los.

ð extremamente zeloso (v.14) – Paulo demonstrou zelo a ponto de perseguir e oprimir os cristãos.

ð tradições de meus pais (v.14) – o ensino oral acerca da lei do Antigo Testamento, comumente conhecido como Halakah. Essa coleção de interpretações da lei trazia basicamente a mesma autoridade da lei (Torá), ou ainda maior; seus regulamentos eram tão desesperadamente complexos e opressivos que até mesmo os mais astutos estudiosos rabínicos não podiam dominá-la por sua interpretação nem por sua conduta.

Adolf Pohl diz que as perseguições desmedidas brotam do zelo desmedido pelas tradições paternas (cf. Fp 3.6). Paulo se revelou como antagonista implacável do evangelho não apesar de ser, mas precisamente porque era, um judeu exemplar, um fariseu de puro-sangue.[14]

2.    Deus o transformou porque o escolheuvv.15, 16. Ao destacar que a transformação ocorrida em sua vida não havia sido causada pelos judeus nem pela igreja, mas, sim, por um milagre espiritual operado pelo próprio Deus, mais uma vez Paulo defende seu apostolado, pela legitimidade de sua conversão.

Temos aqui quatro pontos fundamentais.[15]

1º) a eleiçãoquando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou (v.15a). Não foi Paulo quem escolheu a Deus, mas foi Deus quem o escolheu. Deus separou Paulo não apenas para a salvação, mas também com um propósito especial: que ele fosse o instrumento a levar essa salvação aos gentios (cf. At 9.15; 22.15; 26.16-18). Calvino destaca aqui três passos: (1) a predestinação eterna; (2) a destinação desde o ventre; e (3) a chamada, que é o efeito e o cumprimento dos dois primeiros passos.

2º) o chamado da graça – ... e me chamou pela sua graça. (v.15b). O mesmo Deus que escolhe é também o Deus que chama. Há dois chamados: um externo e outro interno, um dirigido aos ouvidos e outro ao coração. O próprio Paulo ensinou em sua Epístola aos Romanos: “Aos que [Deus] predestinou, a esses também chamou...” (Rm 8.30). John Stott destaca que Paulo não merecia misericórdia, nem a pedira. Mas a misericórdia fora ao seu encontro, e a graça o chamara.

3º) a revelação sobrenaturalMas, quando aprouve a Deus... ...Revelar seu Filho em mim (vv.15a, 16a). Deus revelou Jesus a Paulo e essa revelação não foi apenas no nível intelectual, mas, sobretudo, no nível experimental. John Stott tem razão quando escreve: “Paulo perseguia a Cristo porque cria que este era um impostor. Agora os seus olhos estavam abertos para ver Jesus não como um charlatão, mas como o Messias dos judeus, Filho de Deus e o Salvador do mundo”.

4º) a missão transcultural – ... para que o pregasse entre os gentios... (v.16b). O propósito de Deus era revelar seu Filho Jesus a Paulo e por intermédio de Paulo; o apóstolo deveria conhecer o Filho de Deus e torna-lo conhecido não apenas aos judeus (cf. At 9.15; 26.20, 23), mas também e, sobretudo, aos gentios (cf. At 13.47; 15.12; 18.6; 22.21; 26.17; 28.28; Rm 11.13; Gl 2.2; Ef 3.1, 6, 8; 1Tm 2.7; 2Tm 1.11; 4.17).

John Stott diz que Saulo de Tarso fora um oponente fanático do evangelho. Mas Deus se agradou fazer dele um pregador do mesmo evangelho ao qual ele antes se opunha tão ferozmente. Sua escolha antes de nascer, sua vocação histórica e a revelação de Cristo nele, tudo isso foi obra de Deus. Portanto, nem a sua missão apostólica nem sua mensagem vinha dos homens.

3.    Deus lhe deu uma nova famíliavv.18-23. Observe que após a sua conversão, Paulo passou a integrar a família da fé. Ele deixou de fazer parte da sinagoga e do sinédrio, para pertencer à igreja de Deus, o corpo de Cristo. Depois de falar do seu passado como perseguidor da igreja, e do seu presente como homem a quem Deus revelou Cristo e comissionou para proclamar Cristo aos gentios, Paulo passa a descrever como foi sua convocação para o apostolado. Ele faz uma cuidadosa síntese dos primeiros anos do seu ministério, com o propósito de mostrar que era impossível ter recebido o conteúdo do seu evangelho de qualquer homem ou mesmo dos apóstolos que estavam em Jerusalém.[16]

4.    Deus foi glorificado através da vida de Paulov.24. As igrejas glorificavam a Deus a seu respeito tanto pela sua conversão como pela sua pregação e, se o faziam, era porque o evangelho que proclamava era e é o único evangelho verdadeiro, evangelho crido pelos judeus crentes e combatido pelos falsos mestres judaizantes. John Stott diz: “As igrejas da Judeia não glorificam a Paulo, mas a Deus em Paulo, reconhecendo que este era um troféu extraordinário da graça de Deus”.[17]

Concluindo – Três lições:

1)   O verdadeiro evangelho transforma vidas;
2)   O verdadeiro evangelho dá uma nova missão para a vida daqueles que são transformados;
3)   O verdadeiro evangelho cria uma nova família, a igreja de Deus.

Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira – 13/03/16




[1] Kalisher, Meno. Liberdade em Cristo – Entendendo a Epístola de Paulo aos Gálatas, Actual Edições, 2013, p. 47.
[2] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da Liberdade Cristã, Editora Hagnos, 2011, p. 59.
[3] Lopes, p. 60.
[4] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas & Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 6.
[5] Lopes, p. 59.
[6] MacArthur, John. Gálatas – A maravilhosa Graça de Deus, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 18.
[7] Lopes, p. 60.
[8] Comentário Bíblico Moody. Gálatas, p. 8.
[9] Casimiro, p. 6.
[10] Lopes, p. 60.
[11] Casimiro, p. 6, 7. Esse ponto segue literalmente o comentário nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[12] MacArthur, p. 19. Esse ponto segue literalmente o comentário na página já citada, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[13] Lopes, p. 65.
[14] Lopes, p. 66.
[15] Lopes, p. 67-70. Este comentário segue literalmente a exposição do livro, nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[16] Lopes, p. 71.
[17] Lopes, p. 77.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Estudos Bíblicos na Carta aos Gálatas (2) - Outro Evangelho

Gálatas 1.6-10

Em nosso de introdução à carta de Paulo aos Gálatas, vimos:

ð Que àqueles que querem levar Deus a sério, a carta aos Gálatas mostra o caminho para a verdadeira liberdade. Esta liberdade genuína não é nem legalismo nem anarquismo.
ð Que Gálatas é uma explosão de alegria e liberdade que nos faz desfrutar de profundo significado, segurança e satisfação – a vida de bênçãos à qual Deus chamou o seu povo.
ð Que Gálatas tem tudo a ver com o evangelho, do qual todos necessitamos ao longo da vida inteira. É onde Paulo explica que as verdades do evangelho modificam a vida de alto a baixo; que transformam nosso coração, nosso modo de pensar e nossa abordagem de absolutamente tudo. E isso quer dizer que os cristãos necessitam tanto do evangelho como os não cristãos.
ð Que Paulo escreveu essa carta para defender a justificação pela fé e advertir essas igrejas sobre as terríveis consequências do abandono dessa doutrina essencial. E que o problema de acrescentar alguns preceitos da lei à fé como condição para a salvação é que os falsos mestres estavam atacando o coração do próprio cristianismo.
ð Que o argumento de Paulo é que acrescentar alguns preceitos da lei à fé não apenas anula a própria lei e a fé, mas também rechaça a graça de Cristo. Essa tentativa de combinar o cristianismo com o judaísmo foi chamada por Paulo de outro evangelho, e o apóstolo o condena sem rodeios, dizendo que deveria ser anátema.
ð Que Paulo se apresenta como um embaixador, apresentando suas credenciais. Seu apostolado levava o carimbo da origem divina.
ð Que sua saudação, traz à baila as verdades essenciais do evangelho: a graça e a paz. Essas duas palavras são uma síntese do evangelho. A paz fala da natureza da salvação, e graça diz respeito à sua fonte.
ð E que o evangelho bíblico, o evangelho que Paulo prega e ensina deixa claro que a salvação, do início ao fim, é obra de Deus. O chamado, o plano, a ação, a obra são todos seus. Assim, é ele que merece toda a glória, em todo o tempo.

Hoje, continuando nosso estudo, vamos ver Gálatas 1.6-10 com o tema: Outro Evangelho. Faremos isso em três pontos: 1º) O outro evangelho não é o Evangelho de Jesus Cristov.6; 2º) O outro evangelho é pervertidov.7; 3º) O outro evangelho é uma maldiçãovv.8-10.

Já vimos que Paulo defendeu o seu apostolado (1.1) e o seu evangelho (1.4). Agora, ele continua fazendo uma vigorosa defesa do evangelho (1.6-10). Isso, porque os falsos mestres, vindo do judaísmo como embaixadores do engano, perverteram o evangelho, proclamando que a fé em Cristo não era suficiente para a salvação (cf. At 15.1, 5). Eles tornavam a obra de Cristo na cruz insuficiente e acrescentavam as obras da lei como condição indispensável para a salvação.

I. O outro evangelho não é o Evangelho de Jesus Cristo – v.6

A primeira coisa que vemos aqui é que Paulo está admirado, ele está perplexo em como aqueles irmãos estão deixando se levar por um evangelho que não é o Evangelho de Cristo.[1] Ele está admirado ao ver a rapidez que esses crentes estavam apostatando da fé. Em vez de dar graças a Deus pela igreja no introito da sua carta, como de costume fazia nas outras epístolas, Paulo revela seu espanto pela inconstância e instabilidade dos gálatas. William Hendriksen diz que no tange à igreja, Paulo demonstra consternação e não indignação, assombro e não ressentimento. Ainda que Paulo os reprove, não os rechaça.[2]

Observemos o texto mais detalhadamente:[3]

...tão depressa (v.6b) – a palavra, em grego, pode significar facilmente ou rapidamente e, às vezes, os dois. Sem dúvida, ambos os sentidos caracterizavam a resposta dos gálatas à doutrina herética dos falsos mestres.

...passásseis (v.6c) – É a palavra grega usada para designar a deserção militar, a qual era punida com a morte. A forma desse verbo grego indica que os crentes gálatas estavam desertando voluntariamente da graça para seguir o legalismo ensinado pelos falsos mestres.

...daquele vos chamou (v.6d) – pode ser traduzido como que vos chamou de uma vez por todas, e refere-se à chamada para a salvação feita por Deus.

...à graça de Cristo (v.6e) – o ato de misericórdia livre e soberano de Deus ao conceder a salvação por meio da morte e ressurreição de Cristo, totalmente desvinculado de qualquer obra ou mérito humano.

...para outro evangelho (v.6f) – a perversão pelos judaizantes do verdadeiro evangelho; eles acrescentaram condições, cerimônias e padrões da antiga Aliança como pré-requisitos para a salvação.

O evangelho bíblico da graça é precioso. Paulo diz que os cristãos são chamados pela graça de Cristo. Deus nos chamou; não fomos nós que o chamamos. E Deus nos aceitou de pronto, apesar de não merecermos. Essa é a ordem do evangelho. Deus nos aceita, então o seguimos. Era esse evangelho glorioso que os líderes das igrejas da Galácia estavam pervertendo, e era dele que os membros da igreja local haviam se desviado.[4]

II. O outro evangelho é pervertido – v.7[5]

Paulo usa aqui um trocadilho de palavras para desmascarar o outro evangelho anunciado pelos judaizantes. Há duas palavras na língua grega para “outro”: heteros (outro de outra substância, diferente) e allos (outro da mesma substância). Paulo declara ironicamente que eles se voltaram para outro (heteros) evangelho, o qual não é outro (allos). O que os falsos mestres pregavam era um evangelho heteros, “de tipo diferente”, e não um evangelho allos, “do mesmo tipo”. O verdadeiro evangelho é o evangelho da graça, da salvação pela fé em Cristo. O outro evangelho, denunciado por Paulo, é o evangelho das obras, que acrescenta ao sacrifício de Cristo os ritos da lei, por exemplo a circuncisão, como condição para a salvação (cf. At 15.1).

Paulo diz que esse outro evangelho é um evangelho diferente, de outra natureza, com outro conteúdo, e não pode ser aceito como evangelho. Esse outro evangelho não passa de um falso evangelho. Concordo com John Stott quando diz que a mensagem dos falsos mestres não era um evangelho alternativo; era um evangelho pervertido.

William Hendriksen ainda esclarece esse ponto ao destacar que os gálatas estavam volvendo para um evangelho diferente, quer dizer, a um evangelho que difere radicalmente do que haviam recebido de Paulo. O evangelho de Paulo consistia em: “...o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus” (cf. 2.16; Rm 3.24; Ef 2.8; Tt 3.4-7). Warren Wiersbe diz que os judaizantes afirmavam pregar “o evangelho”, mas não é possível haver dois evangelhos, um com base nas obras e outro com base na graça. “Eles estão pregando outro evangelho”, escreve Paulo, “mas uma mensagem diferente – tão diferente do verdadeiro evangelho que, afinal, não é evangelho”.

William Hendriksen corretamente defende que os crentes gálatas não estavam se apartando meramente de uma posição teológica, mas estavam transferindo sua lealdade daquele que em sua graça e misericórdia os havia chamado. Warren Wiersbe tem razão ao argumentar que os cristãos da Galácia não estavam apenas “mudando de religião” ou “mudando de igreja”; na verdade, estavam abandonando a própria graça de Deus! Pior ainda, estavam deixando o próprio Deus da graça!

Portanto, Paulo diz que qualquer mudança no evangelho significa transformá-lo em algo que, na realidade, não é o evangelho (cf. v.7 NVI). Qualquer ensinamento que acrescente a manutenção da lei mosaica cerimonial à fé em Cristo perverte o evangelho. Literalmente, a palavra que ele escolhe usar quer dizer reverte. Assim, se for acrescentado qualquer coisa a Cristo como um requisito para ser aceito por Deus, reverte por completo a ordem do evangelho e o anula e esvazia. Qualquer revisão do evangelho o reverte.[6]

A causa meritória da salvação é a obra que Cristo fez por nós, e não a obra que fazemos para ele; e a causa instrumental da salvação é a fé, e não os rituais da lei. Qualquer mensagem que negue e torça essa verdade axial é uma perversão da mensagem cristã.

Os mestres do engano são identificados por duas ações aqui: perturbavam a igreja e pervertiam o evangelho.

Warren Wiersbe explica que o termo grego traduzido como transtornar ou perverter é usado apenas três vezes no Novo Testamento (cf. At 2.20; G1 1.7; Tg 4.9). Significa “fazer uma reviravolta, passar a seguir em direção contrária, inverter”. Em outras palavras, os judaizantes haviam invertido e virado os ensinamentos em direção contrária, levando-os de volta à lei.

III. O outro evangelho é uma maldição – vv.8-10

A razão de Paulo tratar desse assunto de forma tão enérgica é que estava em jogo tanto a glória de Cristo quanto a pureza da igreja. Na linguagem de William Hendriksen, a própria essência do evangelho corria perigo.[7]

Jonh Stott diz que há dois motivos para a indignação de Paulo: () é que a glória de Cristo estava em jogo, pois se as obras humanas são necessárias para a salvação, a obra de Cristo não foi suficiente (cf. 2.21); e () é que o bem-estar das almas das pessoas estava em jogo (cf. Mc 9.42).[8]

Nos vv.8, 9, Paulo “emprega a repetição para enfatizar suas palavras. Aqueles que distorcem o evangelho de Cristo que foi pregado por ele durante os primeiros dias da igreja na Galácia – até mesmo se tal mestre for o próprio apóstolo”[9] – que ele seja amaldiçoado.

Observemos o texto mais detalhadamente:[10]

v.8aainda que nós mesmos ou um anjo do céu – o ponto levantado por Paulo é hipotético, apelando para os exemplos mais improváveis de falsos ensinos (ele mesmo e anjos). Os gálatas não deveriam receber mensageiros, não importando quão impecáveis fossem suas credenciais, se a doutrina da salvação que eles pregavam diferisse, no mais leve grau, da verdade de Deus revelada por meio de Cristo e dos apóstolos.

v.8bseja anátema – a tradução dessa palavra grega se refere a destinar alguém à destruição no inferno eterno (cf. Rm 9.3; 1Co 12.3; 16.22). Ao longo da história, Deus destinou alguns objetos, indivíduos e grupos de pessoas à destruição (cf. Js 6.17-18; 7.1, 25-26). O Novo Testamento oferece muitos exemplos de um desses grupos: o dos falsos profetas (cf. Mt 24.24; Jo 8.44; 1Tm 1.20; Tt 1.16). Aqui, os judaizantes são identificados como membros dessa infame sociedade.

v.9acomo já vo-lo dissemos – refere-se ao que Paulo ensinou na visita feita anteriormente a essas igrejas, e não a um comentário anterior nessa epístola.

v.9bSe alguém vos anunciar Paulo passa do caso hipotético do v.8 (o apóstolo ou anjos celestiais pregando um falso evangelho) para a situação real enfrentada pelos gálatas. Os judaizantes faziam exatamente isso e deveriam ser condenados ao inferno por causa de sua heresia.

Por um lado, os falsos mestres, prometiam salvação e, por outro, impediam as pessoas de confiarem no único que é capaz de conceder a salvação. Por isso, Paulo descreve os falsos mestres como dignos de punição, pois levam consigo muitas almas para o inferno[11] (cf. Mt 24.24; Jo 8.44; 1Tm 1.20; Tt 1.16).

Hernandes Dias destaca alguns pontos importantes nos vv.8, 9: () O evangelho é maior que os apóstolos – Warren Wiersbe diz que a prova do ministério de uma pessoa não é sua popularidade (Mt 24.11), nem os sinais e prodígios miraculosos que ela realiza (Mt 24.23, 24), mas sim sua fidelidade à Palavra de Deus (Is 8.20; 1Tm 4.1-5; 1Jo 4.1-6). Adolf Pohl afirma que o evangelho transfere o cristão da área da maldição para a área da bênção, mas, por meio da apostasia, o abençoado escolhe novamente seu lugar no âmbito da maldição. Onde quer que a lei tenha uma maldição para aqueles que falham em cumpri-la, o evangelho tem uma maldição para aqueles que procuram mudá-lo; () o evangelho é maior do que os anjos; () o evangelho é maior do que os falsos mestres; e () o evangelho pregado e recebido traz bênção, mas o evangelho adulterado gera maldição.[12]

v.10[13]Os mestres judaizantes acusaram Paulo de ajustar sua mensagem de forma que fosse atraente aos homens e lhes ganhasse o favor. Mas, o propósito de Paulo não era agradar aos homens, e sim, levar a eles a mensagem da salvação.

Por isso, Paulo não se intimidou diante desse ataque. Sua resposta foi imediata. Vejamos aqui dois pontos importantes: () Paulo não negociou a verdade para procurar o favor dos homens – v.10a; e () Paulo estava a serviço de Cristo, e não dos homensv.10b.

Concluindo – Lições e aplicações:

1º) Dar ouvidos a outro evangelho significa estar se desviando daquele que o chamou para o verdadeiro evangelho (v.6); 2º) Dar ouvidos a outro evangelho significa estar ouvindo uma heresia destruidora da fé cristã (v.7); 3º) Dar ouvidos a outro evangelho significa estar em perigo de maldição (vv.8, 9).

Pr. Walter Almeida Jr.
IBL Limeira - 06/03/16





[1] Keller, Timothy. Gálatas para você, Vida Nova, 2015, p. 13.
[2] Lopes, Hernandes Dias. Gálatas – A carta da Liberdade Cristã, Editora Hagnos, 2011, p. 48.
[3] MacArthur, John. Gálatas – A maravilhosa Graça de Deus, Editora Cultura Cristã, 2011, p. 11.
[4] Keller, p. 18, 19.
[5] Lopes, p. 51-53. Este comentário segue literalmente a exposição do livro nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[6] Keller, p. 19.
[7] Lopes, p. 54.
[8] Casimiro, Arival Dias. Estudos Bíblicos Gálatas & Tiago – Liberdade, Fé e Prática, Z3 Editora, 2011, p. 5.
[9] Kalisher, Meno. Liberdade em Cristo – Entendendo a epistola de Paulo aos Gálatas, Actual Edições, 2013, p. 43.
[10] MacArthur, p. 11. Segue literalmente o comentário nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.
[11] Kalisher, p. 43.
[12] Lopes, p. 54-58.
[13] Lopes, p. 58, 59. Segue literalmente o comentário nas páginas já citadas, com cortes e acréscimos necessários ao ensino local.