Mateus
5-7 (5.1, 2)
O Sermão do Monte “parece encerrar a
essência do ensino de Jesus. Ele torna a justiça atrativa; envergonha o nosso
fraco desempenho; gera sonhos de um mundo melhor”.[1]
Creio que ele, Jesus Cristo, ao proferi-lo,
desejava que o mesmo fosse obedecido. “De fato, se a Igreja tivesse aceitado
realisticamente os seus padrões e valores, como aqui demonstrados, e tivesse
vivido segundo eles, ela teria sido a sociedade alternativa que sempre
tencionou ser, e poderia oferecer ao mundo uma autêntica contracultura
cristã”.[2]
O Sermão encontra-se no Evangelho de
Mateus, logo no começo do ministério público de Jesus. Imediatamente após o
seu batismo e tentação, Cristo começou a anunciar as boas novas de que o reino
de Deus, há muito prometido no período do Velho Testamento, estava agora às
portas. Ele mesmo viera para inaugurá-lo. Com ele nascia a nova era e o reinado
de Deus irrompia na História.
Jesus enfatizou que os seus verdadeiros
discípulos, os cidadãos do reino de Deus, tinham de ser inteiramente
diferentes. Não deveriam tomar como padrão de conduta as pessoas que os
cercavam, mas sim Deus, e assim provar serem filhos genuínos do seu Pai
celestial.[3]
Para John Stott, o texto-chave do Sermão do Monte é Mateus 6.8: "Não vos
assemelheis, pois, a eles."
E este tema foi desenvolvido através de
todo o Sermão do Monte. O caráter deles teria de ser completamente diferente
daquele que era admirado pelo mundo – as bem-aventuranças. Deveriam brilhar
como luzes nas trevas reinantes. A justiça deles teria de exceder à dos
escribas e fariseus, tanto no comportamento ético quanto na devoção religiosa,
enquanto que o seu amor deveria ser maior, e a sua ambição mais nobre do que a dos
pagãos vizinhos.[4]
Não há um parágrafo no Sermão do Monte em
que não se trace este contraste entre o padrão cristão e o não cristão. Às
vezes, Jesus contrasta os seus discípulos com os gentios ou com as nações
pagãs. Assim, os pagãos amam-se e saúdam-se uns aos outros, mas os cristãos têm
de amar os seus inimigos (5.44-47); os pagãos oram segundo um modelo, com
"vãs repetições", mas os cristãos devem orar com a humilde reflexão
de filhos do seu Pai celestial (6.7-13); os pagãos estão preocupados com as suas
próprias necessidades materiais, mas os cristãos devem buscar primeiro o reino
e a justiça de Deus (6.23, 33).
Em outros pontos, Jesus contrasta os seus
discípulos, não com os gentios, mas com os judeus, ou seja, não com pessoas
pagãs, mas com pessoas religiosas; especificamente, com os escribas e fariseus
que, são dois grupos de pessoas totalmente diferentes, pois os escribas são os
mestres da teologia que tiveram alguns anos de estudo; os fariseus, por outro
lado, não são teólogos, mas sim grupos de leigos piedosos de todas as camadas
da sociedade. Certamente Jesus opõe a moral cristã à casuística ética dos
escribas (5.21-48) e a devoção cristã à piedade hipócrita dos fariseus (6.1-18).
Assim, os discípulos de Jesus têm de ser
diferentes: tanto da igreja nominal, como do mundo secular; tanto dos
religiosos, como dos irreligiosos. O Sermão do Monte é o esboço mais completo,
em todo o Novo Testamento, do sistema de valores cristãos, um padrão ético, uma
devoção religiosa, uma atitude para com o dinheiro, uma ambição, um estilo de
vida e uma teia de relacionamentos: tudo completamente diferente do mundo que
não é cristão.[5]
Martyn Loyd-Jones afirma que nenhuma outra coisa nos ensina tão
intensamente a absoluta necessidade de novo nascimento, bem como a necessidade
do Espírito Santo e de sua atuação em nosso íntimo, como o estudo do Sermão do
Monte.
Creio que três perguntas básicas formam-se
imediatamente na mente de quem lê e estuda o Sermão do Monte: Primeira, o Sermão do Monte é um autêntico pronunciamento de Jesus? Foi realmente pregado por ele? Segunda, o seu conteúdo é relevante para o mundo contemporâneo, ou é totalmente
fora de moda? Terceira, os seus padrões são atingíveis, ou devemos
esquecê-los por serem em larga escala um ideal impraticável?
Primeira
pergunta a ser respondida: O Sermão do
Monte é um autêntico pronunciamento de Jesus? Foi realmente pregado por ele?
O Sermão do Monte está registrado em Mateus 5-7 e Lucas 6.20-49. Eles não são idênticos por conta do objetivo do
escritor e seu público alvo. Temos em Mateus um registro mais amplo com 107
versículos e em Lucas um registro mais sintético, com 30 versículos apenas.
Cada um contém matérias
que estão ausentes no outro e muitas semelhanças. “Os dois sermões
começam com bem-aventuranças, terminam com a parábola dos dois construtores, e
no meio contêm a regra áurea, a ordem para amar os nossos inimigos e oferecer
a outra face, a proibição de julgar as pessoas, e as vivas ilustrações da trave
no olho e da árvore com os seus frutos. Esta matéria comum aos dois sermões,
com um começo e um final em comum, sugere que os dois são versões do mesmo
sermão”.[6]
Tanto
Mateus como Lucas apresentam o sermão como de Cristo, e pretendem que seus
leitores o entendam assim. “Ambos lhe dão um contexto histórico e geográfico
preciso, atribuindo-o ao começo do ministério de Jesus na Galiléia e declarando
que ele o transmitiu no monte ou numa planura sobre os montes. Mateus
registra a reação de perplexidade das multidões, quando Jesus terminou de
proferi-lo, destacando que foi por causa da autoridade com que ele falava. E
ambos dizem que, quando terminou, entrou em Cafarnaum”.[7]
O Sermão começa assim: E Jesus, vendo a multidão,
subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos;... (Mt
5.1)
Segunda
pergunta a ser respondida: O conteúdo do
Sermão do Monte é relevante para o mundo contemporâneo, ou é totalmente fora de
moda?
Tanto Mateus (5.1) como Lucas (6.20), nos
informam que Jesus dirigiu esse sermão aos seus discípulos, embora estivessem
presentes religiosos e uma multidão de gentios. Por isso, foi ao monte e
assentou-se para ensiná-los. Ele precisava focar só nos discípulos para melhor
instruí-los.
É de suma importância entender que o Sermão
do Monte não é para não cristãos. Ele destina-se aos cristãos, àqueles que já
entregaram suas vidas ao Senhor Jesus reconhecendo-O como único Senhor e
Salvador e de suas vidas.
O Sermão destina-se a pessoas regeneradas.
Não foi elaborado para ter uma mera aplicação social ou para ser um estilo de
vida de uma pessoa qualquer. Ele representa a síntese do que Deus espera de um
cristão.
A sua relevância para a nossa época e para
todas as gerações está no fato de que o Sermão do Monte é um ensino que, sendo
vivido, levará a pessoa a um estilo de vida de qualidade, que o conduzirá à
estabilidade e felicidade. Mas, esse sermão não é uma lista de deveres que
funcionam automaticamente, antes é um conjunto de ensinos que quer dar à pessoa
um estilo novo de vida. E esse viver de qualidade e felicidade tem inicio com
um relacionamento com Jesus. Na verdade, nenhum dos ensinos do Sermão de Jesus
podem ser praticados plenamente sem este pré-requisito: um relacionamento
pessoal com Jesus.[8]
Terceira
pergunta a ser respondida: Os padrões do
Sermão do Monte são atingíveis, ou devemos esquecê-los por serem em larga
escala um ideal impraticável?
Ao longo do tempo temos ouvido e lido duas
posições extremistas sobre o Sermão do Monte. De um lado temos os que dizem que
seus ideais são nobres, mas inatingíveis, atraentes à imaginação, mas
impossíveis de serem cumpridos. Do outro lado temos os superficiais que afirmam
que a veracidade dos padrões éticos expressos no Sermão são comuns a todas as
religiões e fáceis de praticar. A verdade não se encontra nas posições extremadas,
pois os padrões do Sermão não são rapidamente executáveis por todos nem
completamente inatingíveis para todos.[9]
Eles são praticáveis, mas apenas por
aqueles que já experimentaram o novo nascimento, condição indispensável para
ver e entrar no Reino de Deus, pois a justiça descrita no Sermão começa no
interior da pessoa. “Ainda que se manifeste de forma exterior e visível por
meio de palavras, atos e relacionamentos, ela permanece em essência na justiça
do coração”[10].
Assim,
sendo o Sermão do Monte um autêntico ensino de Jesus, relevante e praticável em
nosso tempo pelos que nasceram de novo e se tornaram seus verdadeiros
discípulos “é a parte mais conhecida e importante do ensino de Jesus, um resumo
do que ele desejava que os seus seguidores fossem e fizessem”[11].
Então,
vamos estudá-lo em suas divisões naturais, usando o texto do Evangelho de Mateus 5-7. Nosso esboço será o
seguinte:
1. O caráter do cristão – Mt 5.3-12. As bem-aventuranças, no começo do Sermão,
enfatizam oito aspectos do caráter cristão e as bênçãos que Deus promete aos
que cultivam estas qualidades.
2. A influência do cristão – Mt 5.13-16. As metáforas do sal
e da luz falam da influência que os cristãos podem e devem exercer no mundo.
3. A justiça do cristão – Mt 5.17-48. O Novo Testamento
ensina que o pecador é perdoado e salvo pela graça de Deus, e isto quando se
arrepende dos seus pecados e crê em Cristo; não esforçando-se para obedecer à
Lei (Rm 3.24, 28; Ef 2.8-9). Mas, e então? O cristão fica dispensado de obedecer
à Lei? Não. O Sermão do Monte ensina que Cristo não veio para abolir a Lei, mas
para cumpri-la e para dar aos seus seguidores a graça de viverem uma justiça ou
padrão de vida ética e moral que excederia à daqueles que, sem Cristo,
esforçam-se para obedecer à Lei.
4. A piedade do Cristão – Mt 6.1-18. Os cristãos não
devem acomodar-se nem com a religião hipócrita dos escribas e fariseus, nem com
a idolatria e formalismo dos pagãos. Devem ser fiéis a Deus e sinceros.
5. A ambição do Cristão – Mt 6.19-34. O “mundanismo” (modo
de pensar e agir característico do mundo ímpio) não se presta para os cristãos.
Estes têm que ser diferentes dos não cristãos tanto nas devoções como nas
ambições. Não devem se preocupar demais com as coisas materiais.
6. Os relacionamentos do Cristão – Mt
7.1-20. Os
cristãos têm uma rede de relacionamentos, todos dependentes do relacionamento
que eles têm com Deus e com Cristo.
7. As bases do Cristão – Mt. 7.21-27. Firmam-se na autoridade do pregador, Cristo. Não basta
chamá-lo de “Senhor” (vs. 21-23) ou ouvir seus ensinos (vs. 24-27). É preciso
obedecê-lo, praticar seus ensinos. As multidões ficaram admiradas com a
autoridade com que Jesus ensinava (vs. 28-29).
É a esta autoridade que devemos nos submeter.[12]
Hoje, vamos estudar Mateus 5.1, 2. Se observarmos os capítulos anteriores do Evangelho
de Mateus veremos que ele inicia narrando o nascimento de Jesus, fala sobre João
Batista, sobre o Batismo e tentação de Jesus e, em seguida, sobre como Jesus
chama seus discípulos e ensinava e curava o povo. Aqui, no capítulo 5, Mateus,
inicia o Sermão do Monte. Uma forma bem resumida do Evangelho de Mateus,
pensando na ênfase do discipulado, seria: 1º)
Jesus convoca os discípulos; 2º) Jesus
estabelece os valores e paradigmas para a vida dos discípulos; 3º) Jesus
convive, ensinando e praticando, com os discípulos; e 4º) Jesus envia seus discípulos
a formarem novos discípulos em todas as nações.
Com
base na análise desse contexto do Sermão do Monte, podemos identificar cinco razões pelas quais é importante
estudá-lo:
ð
Ele mostra a necessidade humana do novo nascimento.
ð
Ele aponta claramente para Jesus Cristo e talvez seja a
maior e única compreensão que podemos ter da mente de Cristo, exposta por ele
mesmo.
ð
Ele descreve para os cristãos o único caminho para
felicidade.
ð
Ele é o melhor meio de evangelização já conhecido.
ð
Ele mostra que obedecer ao seu ensino agrada a Deus.
John
Stott disse ser ele o mais lido, o menos
compreendido e o menos praticado de todos os ensinos de Jesus.
O
seu valor e autoridade está no Mestre que o proferiu. Ele é mais importante que
o seu próprio ensino. Precisamos tomar consciência disso e aceitar e praticar
os Seus ensinos. Na sua introdução, por Mateus,
nos versículos 1 e 2, temos a identidade e a personalidade do Mestre
Jesus, a identificação de seus ouvintes primários e a sua pedagogia.
(1) E Jesus, vendo a multidão, subiu a um
monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos; (2) E,
abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:
I. A identidade e a personalidade do
Mestre Jesus – v.1a
1.
Quando Mateus escreveu: E Jesus... –
ele queria dizer: Foi o Senhor Jesus quem
proferiu esse sermão.
Ali
diante da multidão e dos discípulos estava o Filho de Deus, humanamente ainda
jovem, com aproximadamente 30 anos de idade. Embora tenha nascido em Belém da
Judéia, passou os primeiros anos de sua vida, cerca de 30, na pequena cidade de
Nazaré, na região da Galileia, onde exerceu o oficio de carpinteiro, profissão
que aprendeu com o homem que o criou, José, seu pai terreno.
Foi
um homem simples, uma pessoa comum, que com seu ensino e a pratica do mesmo
causou um impacto extraordinário nos seus ouvintes e mudou a história da vida
daquelas pessoas e da humanidade depois delas.
O
Evangelho de Mateus afirma categoricamente quem era Jesus. Mateus pode ser
visto como “O Evangelho do Rei” porque apresenta Jesus de Nazaré como o Rei que
veio. A palavra “reino” aparece 162
vezes no Novo Testamento. Em suas várias formas, este termo é usado 55 vezes só
no Evangelho de Mateus! Uma expressão única em Mateus é o “reino dos céus” que ocorre 32 vezes. Embora a expressão o “reino de Deus” seja usada muitas vezes
nos outros Relatos do Evangelho, ela é usada apenas 4 vezes em Mateus. Ele
também é descrito com frequência pelo termo “Senhor” e umas 32 vezes nesse
Evangelho. “Filho do Homem” aparece 31 vezes em Mateus como uma das autodesignações
favoritas de Jesus. No Novo Testamento, Jesus é referido como “Rei” pelo menos
35 vezes e Seu “reino” é mencionado pelo menos 6 vezes.[13]
No Sermão do Monte, em Mateus, Jesus é
retratado “como o derradeiro mestre de Israel, cujas palavras se cumpriram sob
a autoridade divina e gerando consequências eternas (Mt 7.21-29)”[14].
A melhor descrição de Jesus no Evangelho de
Mateus está em Mt 16.16 – E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo.
2. Em sua
personalidade, Jesus, era de caráter
integro, tinha autoridade absoluta
e viveu em obediência perfeita.
a. Sua inteireza moral
foi o que o caracterizou, pois, foi cem por cento aquilo que ensinou e ensinou
aquilo que praticou. Ele viveu o Sermão do Monte que pregou: Desafiou os seus
discípulos a ser a luz do mundo e foi e é a luz do mundo (Mt 5.14; Jo 8.12);
Recomendou que seus discípulos orassem por seus inimigos e orou por aqueles que
o perseguiam (Mt 5.44; Lc 23.34). Ensinou os seus discípulos a falarem a
verdade e ele próprio era e é a verdade (Mt 5.37; Jo 14.6).
b. Os primeiros
ouvintes ficaram impressionados com a autoridade com que Jesus ensinava. Ele
deixou a multidão atônita e o faz até hoje, quando é pregado e ensinado por
meio dos seus evangelhos. O seu ensino era extraordinário, ele não hesitava,
não era inseguro nem extravagante. Ele foi e é superior a todos os mestres da
humanidade. O Sermão do Monte “reflete a autoridade suprema que Jesus, o
Messias, possui sobre todos que recebem a vida eterna”[15].
c. Mas, o objetivo
principal da vida de Jesus foi fazer a vontade do Pai. Ele nunca buscou sua
própria vontade. Veio ao mundo para obedecer ao Pai e à sua Lei:
ð
Mateus 5.17 – Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar,
mas cumprir.
ð
Mateus 7.21 – Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas
aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.
Perguntas
para reflexão:
Quem é Jesus para nós? O que exatamente vemos quando olhamos para
ele pelas paginas dos evangelhos?
II. A
identificação dos seus ouvintes primários – v.1b
Não há dúvida de que o propósito principal
de Jesus ao subir a esse monte para ensinar, era se afastar um pouco da
numerosa multidão da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e dalém do Jordão,
que o seguiam (Mt 4.23, 24). O texto
diz: ... vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos... (v.1b).
Ele passara os primeiros meses do seu ministério público por toda a Galiléia,
"ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda
sorte de doenças e enfermidades entre o povo". Como resultado, "sua
fama correu por toda a Síria", e o povo vinha em grandes multidões,
trazendo os seus doentes para serem curados. Por isso Jesus precisava se afastar,
não só para ter uma oportunidade de ficar sozinho e orar, mas também para
ensinar particularmente aos seus discípulos.
Logo, vemos que os ouvintes primários de
Jesus aqui, são dois grupos: a multidão e os discípulos. Quando falamos em
multidão temos ali os religiosos e os não-religiosos. Os religiosos são os
escribas, os fariseus e os saduceus e os não religiosos são os herodianos, os
zelotes, os galileus, os publicanos e pecadores.
1.
Multidão
a. Os
religiosos:[16]
ð
Os escribas – A palavra grega
implica a ideia de saber. Parece que
a tradição dos escribas começa com Esdras. “Ele era escriba versado na Lei de Moisés...” e “... tinha disposto o
coração para buscar a Lei do Senhor, e para cumpri-la, e para ensinar em Israel
os seus estatutos e os seus juízos” (Esdras 7.6 e 10). O trabalho que
Esdras começou foi confiado por ele a um grupo de escribas especialmente
escolhidos. A sua função era conservar, traduzir e explicar os oráculos
sagrados. Aos poucos esta função de explicação (ou ensino) se tornou a mais
importante e isso deu um status importante ao escriba. O escriba passou a ser
um aristocrata no meio de um povo. A palavra do escriba se tornou autoritária
em matéria de fé e prática religiosa. O escriba era um exegeta das leis de Deus
e, juntamente com os principais sacerdotes e anciãos, um juiz nos tribunais
religiosos da capital e do interior. Apesar de serem frequentemente citados
junto com os fariseus nos evangelhos, eles não faziam parte dos fariseus. A
função legítima de ensino das Escrituras pelos escribas é reconhecida em Mateus
2.4, mas os seus acréscimos às Escrituras são fortemente condenados pelo Senhor
Jesus em Mateus 23. Os escribas aparecem com frequência associados aos
sacerdotes e aos anciãos como membros do Sinédrio.
ð
Os fariseus – Os Hassidim
(piedosos) do tempo dos macabeus eram provavelmente os antecessores dos
fariseus. O termo fariseus surgiu à
época de João Hircano (135-105 a.C.). Esta palavra significa “os separados” e
provavelmente foi dado pelos seus adversários. Esse nome demonstra sua
característica de separação, não do povo judeu, mas de todos os elementos
externos relacionados ao mundo pagão. Esta separação se alcançava pela
aplicação rigorosa da Lei e da tradição judaica até nos seus mínimos detalhes.
Eles ensinavam que Deus só concede sua graça àqueles que cumprem integralmente
Seus mandamentos. Mas, exageraram e isso gerou o legalismo, que na sua origem
pode ter sido uma expressão sincera de sentimento religioso, que passou nos
dias do Novo Testamento a ser um cobertor que acobertava todo tipo de
hipocrisia. Jesus denunciou severamente essa piedade vazia. Os fariseus
formavam uma associação de aproximadamente 6.000 membros. Para definir
exatamente as suas obrigações religiosas, davam às tradições dos rabinos a
mesma importância das Escrituras (ou mesmo até maior). Amavam a antiga ideia de
uma teocracia e se opunham aos herodianos e à potência romana. Eram mais uma
organização religiosa do que um partido político.
ð
Os saduceus – Não conhecemos
com certeza a origem do nome. Pode ser o equivalente de sadoquita, isto é, descendente do sacerdote Zadoque (ou Sadoque). A
doutrina dos saduceus é geralmente o oposto à dos fariseus. É mais fácil
entender os saduceus como sendo uma reação ao extremismo dos fariseus. De
tendências moderadas e tradicionais, os saduceus procuravam uma posição
equilibrada dentro dos limites do Judaísmo e defendiam uma interpretação mais
literal das Escrituras. Na prática os saduceus caíram no racionalismo. Os
saduceus eram menos numerosos do que os fariseus, mas eram pessoas instruídas,
funcionários públicos, sacerdotes e contavam com membros influentes e ricos.
Sob a dominação romana e dos Herodes os saduceus tinham uma participação grande
na política. Na era apostólica, o Sumo Sacerdote e seus aliados pertenciam aos
saduceus.
b. Os
não religiosos:
ð
Os herodianos – Eram mais um
partido político do que uma seita religiosa. Os herodianos eram favoráveis à
dinastia iduméia, de origem pagã. Esta era a dinastia dos Herodes. O partido
era da situação, aceitando o domínio romano e dos Herodes. Os herodianos eram
favorecidos pelos governadores e, em troca, procuravam fazer de tudo para
amenizar os valores morais judeus e diminuir o fervor religioso do povo para
torná-los mais submissos ao poder.
ð
Os zelotes – Era o partido de
resistência política aos herodianos e aos romanos. Eram tão nacionalistas na
política quanto os fariseus na religião. Eles eram adversários ferrenhos dos
herodianos. Estes rebeldes das montanhas da Galiléia recorreram à luta armada
no início do reinado de Herodes o Grande e foram derrotados sem piedade na
ocasião, assim como em oportunidades posteriores à vida de Jesus. O nome que
tinham indica o zelo que tinham pela sua causa.
ð
Os galileus – Os nascidos na
Galiléia eram menosprezados pelos judeus do sul que os consideravam um povo
rústico e ignorante. Galileu passou a
ser usado como um termo pejorativo. Onze dos doze discípulos de Jesus (menos
Judas Iscariotes) eram galileus (At 1.11). Os galileus tinham um temperamento
forte e apaixonado. Muitos se tornaram zelotes. Na época do recenseamento
narrado em Lucas 2, o historiador judeu Josefo nos informa que uma resistência
séria foi organizada por um zelote chamado Judas. O recenseamento tinha por
finalidade servir de base ao sistema de tributação do povo. O governo romano
reprimiu a resistência e matou Judas, mas a atitude de insubmissão persistiu e
se tornou motivo de preocupação para os romanos. É por isso que o termo galileu
se tornou quase que sinônimo de violência e rebelião. É por isso que os judeus
acusavam Jesus de ser um galileu quando ele foi denunciado a Pilatos.
ð
Os publicanos – Eram os
coletores de impostos do poder civil. Os agentes de impostos da província
dividiam o seu território em distritos e vendiam o direito de recolher imposto
no distrito por sistema de leilão a coletores locais (publicanos) que conheciam
a população. O coletor de impostos vencedor pagava ao agente do governo o valor
combinado e depois saía extorquindo o quanto pudesse da população. O valor
excedente recolhido ficava no bolso do coletor. Os publicanos judeus eram
odiados pela população e menosprezados, sendo qualificados como os elementos
mais baixos da população. Os publicanos, apesar de judeus, eram vistos como
agentes corruptos a serviço do poder estrangeiro de ocupação. Eram vistos como
traidores da pátria e de Deus.
ð
Os pecadores – Eram o povo
comum, tanto judeus não praticantes da sua religião e todos os povos não
judeus, chamados de gentios e pagãos.
2.
Discípulos
– No entanto, veremos, ao estudarmos o texto, que Jesus dirige seus
ensinamentos para seus discípulos.
Jesus fala sobre o caráter de seus seguidores. Jesus toca em pontos como ética,
espiritualidade e atitudes de um discípulo para um viver feliz ou
bem-aventurado, estável, sem ansiedade que ele mesmo compara à vida de uma
pessoa que constrói sua casa sobre a rocha (Mateus 7.26, 27).
Os discípulos de Jesus ao que o texto se
refere são basicamente aqueles que espontaneamente o seguiam e os doze, que se
tornaram apóstolos por escolha do próprio Jesus. Os doze, de acordo com a ordem
em Mateus 10.2-4, são: Pedro,
André, Tiago (filho de Zebedeu), João, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tiago
(filho de Alfeu), Tadeu, Simão (o Cananita) e Judas Iscariotes.
3.
Monte
– A identificação mais provável desse monte é a que o localiza ao norte das
praias do mar da Galiléia, entre Cafarnaum e Tabga, conhecido hoje como o Monte
das Bem-aventuranças, onde há uma capela, na lateral do monte, em homenagem a
esse Sermão proferido por Jesus.
III.
A pedagogia do Mestre Jesus – v.1b, 2
No Novo Testamento há quarenta e cinco
referências a Jesus ensinando e quando pregava, ele pregava e ensinava. O
Sermão do Monte é o maior exemplo disso. Ele viu no ensino a oportunidade para
formar caracteres, atitudes e ideais no homem e, por isso, ensinou a toda hora
e em qualquer lugar. Ele conhecia, mais que qualquer outro, os princípios que
devem nortear o ensino: conhecimento da
matéria, compreensão da natureza humana e método adequado.
1. Conhecimento
da matéria
– Uma das leis do ensino diz: O professor
deve conhecer muito bem o assunto que está sendo ensinado.
Jesus conhecia o mundo, pois o mundo foi
criado por Ele; conhecia o homem, pois foi Ele quem o criou, conhecia toda a
verdade, pois Ele é a própria verdade – Jo 1.3; 14.6.
O Sermão do Monte nunca precisou ser
corrigido. Nada teve que ser acrescentado ou excluído. Nunca precisou ser
atualizado. Ele é sempre atual e relevante. Ele conhecia profundamente as
Escrituras. E não somente as conhecia, como as aplicava à sua vida. (Mt
5.21-48; Lc 24.27)
2.
Compreensão da natureza humana – Outra lei do ensino diz: O professor precisa conhecer seus alunos.
Jesus conhecia e compreendia a natureza
humana. Ele foi mestre na compreensão daquilo que se passava no íntimo das
pessoas – Lc 5.22; 6.8; 9.46-47; Jo 2.23-25; 4.29.
Ele se interessou mais pelas pessoas do que
por coisas. Interessou-se mais por pessoas do que por si mesmo. Amou a todos e
se preocupou com seus problemas buscando soluções para eles.
3.
Método adequado
– Ainda outra lei do ensino diz: O ensino
deve partir do conhecido para o desconhecido, do próximo para o remoto, do
concreto para o abstrato. O professor deve variar seus métodos de aula.
Jesus não enunciou nenhum princípio
pedagógico, nenhuma lei do ensino, nenhuma teoria da educação, mas mostrou um
profundo conhecimento metodológico e aplicou-o com a maior eficiência.[17] O
seu procedimento para ensinar as grandes verdades do Sermão do Monte foi:
a. Começou com coisa simples até chegar as
complexas – Utilizou a analogia dos pássaros do céu, dos lírios do campo,
da casa construída na rocha e na areia – Mt 6.26-28; 7.24-26.
b.
Partiu do conhecido para o desconhecido – Usou as figuras do sal, da luz, da
traça, da ferrugem, do ladrão, do argueiro no olho – Mt 5.13, 14; 6.19; 7.3.
c.
Sempre fez uso da pergunta – Para que serve o sal?; Qual a recompensa de amar os
que vos amam?; Pode alguém colher uvas do espinheiro? – Mt 5.13, 46; 7.16.
d. Contou histórias, conversou, discutiu,
dramatizou, ilustrou, planejou, aplicou. Suas lições tinham começo, meio e fim.
(Mt 7.24-27) Ele foi e continua sendo o
Mestre por excelência!
Concluindo
Assentado e falando naturalmente como o
Mestre dos mestres, Jesus que é Rei dos reis e Senhor dos senhores proferiu o
Sermão do Monte.
O Sermão do Monte é um autêntico pronunciamento
de Jesus. Seu conteúdo é relevante para o mundo moderno e seus padrões foram
estabelecidos para serem cumpridos pelos cidadãos do Reino, aqueles que
passaram pelo novo nascimento e fazem parte da família de Deus.[18]
“Façamos do padrão de Jesus o nosso padrão
de vida. Falemos a Palavra com autoridade. Tenhamos um caráter integro: Amemos
mesmo quando não esperamos receber amor, façamos o bem sem esperar recompensas.
Tenhamos como objetivo supremo da nossa vida fazer a vontade do Pai, obedecer à
Sua Palavra, obedecer aos Seus ensinamentos”.[19]
Pr. Walter Almeida
Jr.
Limeira, SP –
23/11/13
[1] Stott, John R. W.
Contracultura Cristã, A mensagem do Sermão do Monte, ABU Editora, 1981, p. 5.
[2] Ibid., p. 5.
[3] Ibid., p. 5.
[4] Ibid., p. 6.
[5] Ibid. p. 8-10.
[6] Ibid. p. 10.
[7] Ibid. p. 11.
[8] Pontos Salientes. JUERP, 1996, p. 117.
[9] Stott, John R. W. Série Crescimento Espiritual – Sermão do
Monte, Vida Nova, 2009, p. 5-6.
[10] Ibid., p. 6.
[15] Ibid.
[16] Esse ponto é da
apostila da ETBL. Novo Testamento 1 – Evangelhos, Pr. Kenneth Eagleton, p. 11-14.
[17] Oliveira, Profa.
Odila Braga de. O Sermão do Monte, Lição 1, Editora Cristã Evangélica, p.11.
[18] Ibid., 11
[19] Ibid., p. 7-9.
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