domingo, 25 de maio de 2014

A Justiça do Cristão (3) - Gente de palavra, gente que não se vinga, gente que ama até os inimigos

Mateus 5.33-48

No estudo anterior, vimos dois exemplos citados por Jesus sobre a profundidade e o sentido original da Lei de Deus e como evitar cair diante da tentação e pecar.

Hoje, vamos ver três outros exemplos que Jesus citou da Lei 1º) Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor. (v.33); 2º) Olho por olho, e dente por dente. (v.38); e 3º) Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. (v.43)

1. Gente de palavra – vv.33-37

[1]Os fariseus eram permissivos não somente nas questões relativas ao adultério e ao divórcio, mas também em seus ensinamentos sobre juramentos. Eles diziam: “Não quebre a sua promessa, mas cumpra o que você jurou ao Senhor que ia fazer...” Jesus dizia: “Não jurem de jeito nenhum. Não jurem pelo céu... nem pela terra...” (vv.33-34 BLH)

Os fariseus conheciam os ensinos do AT sobre juramentos, principalmente aqueles que tomavam a Deus por testemunha. Tais juramentos ou votos devem ser cumpridos. (cf. Lv 19.12; Nm 30.2; Dt 23.1) Porém, os mestres judaicos limitavam-se a exigir cumprimento dos juramentos, votos ou promessas feitas a Deus ou usando alguma fórmula do tipo “juro por Deus”. Não eram rigorosos quanto à palavra empenhada no dia a dia, nas questões corriqueiras. Se não foi prometido ao Senhor ou em nome do Senhor...

Jesus, ao contrário, ensinou que não precisamos jurar; nossa palavra deve bastar! Os que convivem conosco devem saber que quando dizemos “Sim”, é sim mesmo; quando dizemos “Não”, é não mesmo. Jesus ainda acrescentou: “... o que disto passar vem do maligno” (v.37 cf. Jo 8.44). Falta de palavra, juramentos desnecessários ou quebrados, desonestidade e mentira, são obras do maligno!

Pense no seu dia a dia, nas coisas consideradas mínimas tais como “Estarei lá, às tantas horas...”; “Amanhã eu farei isto para você...”; “No dia tal eu lhe pago...”; “Vou orar por você...”. Há também votos de maior gravidade ou alcance que fazemos na profissão de fé e batismo, no casamento... Cumprimos estas e tantas outras promessas? Temos palavra?

2. Gente que não se vinga – vv.38-42

Falando ainda da Justiça do Cristão, Jesus corrigiu a atitude predominante entre os judeus de resistir ao perverso ou, como lemos na BLH, de se vingarem dos que lhes faziam mal. Eles se baseavam numa frase conhecida da Lei Mosaica: “Olho por olho, dente por dente”. Mas é preciso lembrar que a Lei de Moisés era um código civil, além de moral. Por exemplo: Êx 20 contém os Dez Mandamentos, que são Lei Moral; Êx 21 a 23 contêm uma série de ordenanças que aplicam os dos Dez Mandamentos à vida do povo judeu (leis civis). Há ali uma variedade de “casos legais” sobre os prejuízos causados a pessoas e propriedades. É neste contexto que aparecem as palavras “... vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, machucadura por machucadura” (Êx 21.24-25. Cf. Lv 24.19-20; Dt 19.21).

O contexto indica que esta era uma instrução para juízes; era a lei da retribuição exata, cujo propósito era estabelecer o fundamento da justiça especificando o castigo que o culpado merecia e limitando a compensação da vítima a um equivalente exato e não maior. Tinha o duplo efeito de caracterizar a justiça e refrear a vingança. Posteriormente, a retaliação literal pelos prejuízos foi substituída por penalidades em dinheiro ou custos. Se, por exemplo, o dono de um escravo o ferisse cegando-o de um olho, ou quebrando-lhe um dente, a retribuição seria perder o escravo.

Entretanto, os fariseus estendiam este princípio da justa retribuição dos tribunais legais para os relacionamentos pessoais e assim tentavam justificar a vingança pessoal, embora, noutras passagens, a Lei o proibisse (Lv 19.18). Jesus não contradisse o princípio da retribuição legal e justa, mas ensinou que este princípio não se aplica aos nossos relacionamentos pessoais. “Não resistais ao perverso...” (RA) ou “Não se vinguem dos que fazem mal a vocês...” (BLHMt 5.39a).

Os relacionamentos pessoas têm que se basear no amor, não na justiça! Veja comigo nos vv.39b-42, os quatro exemplos de não retaliação que Jesus deu: (a) Uma agressão física (v.39b); (b) Uma ação gananciosa (v.40); (c) Um abuso de poder (v.41); (d) Um constrangimento (v.42). As reações sugeridas são expressões de amor, de domínio próprio, de disposição para viver em paz com as pessoas. E não têm nada a ver com fraqueza ou covardia. Pelo contrário... (cf. 1Pe 2.21-23; Rm 12.17-21).

3. Gente que ama até os inimigos – vv.43-48

Jesus encerra esta cessão frisando a importância do amor, até pelos inimigos. Ele usa o exemplo do próprio Deus Pai. Se somos “filhos de Deus”, devemos imitá-lo!

O que ele espera de nós é que não “tenhamos apenas uma atitude passiva diante do perverso, mas que tenhamos também um amor ativo para com os nossos inimigos.”[2] Agostinho disse o seguinte: “Muitos tem aprendido a oferecer a outra face, mas não sabem como amar a pessoa que os esbofeteou.”[3]

Para os fariseus e escribas do tempo de Jesus “o próximo” era apenas outro judeu, considerando todas as demais pessoas, de outras nacionalidades, como inimigas. E assim, sendo inimigas, poderiam ser odiadas. Dessa forma eles desconsideravam outros mandamentos que regulavam a vida do povo judeu para com os inimigos – Êx 23.4, 5.

Mas, o sentido real da Lei de Deus é que o nosso próximo é todo o ser humano e isso inclui nossos inimigos. Foi esse sentido original da Lei que Jesus apresentou para os seus discípulos aqui.

O que temos que fazer pelos nossos inimigos, segundo Jesus – v.44? Amar, bendizer, fazer bem e orar por eles, isto é, mesmo odiado e sendo perseguido e caluniado, é dever do cristão buscar o bem estar material e espiritual do próximo (cf. Lc 6.27, 35; Rm 12.20, 21; Lc 23.34; At 7.60). Para Jesus, o que identifica que uma pessoa é filho de Deus é se ela ama todas as pessoas indistintamente – v.44b.

Esse amor prático que Jesus ensina aqui é que faz a diferença – vv.45-47. O ensino é: amar a todos, mesmo àqueles que ninguém ama ou quer amar, que segundo Jesus são os perversos ingratos e maus (Lc 6.35). Só um cristão verdadeiramente nascido de novo pode viver esse amor, pois ele mesmo já o experimentou em seu coração e agora pode, pela graça de Deus, viver esse amor entre os seus semelhantes. (cf. Rm 5.5, 8; 1Jo 3.10-18, 24)

É nesse contesto que Jesus afirma: “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” (v.48). Creio, pelo contexto, que Jesus “nos chama para sermos perfeitos em amar, isto é, amar até os nossos inimigos com a mesma qualidade do amor de Deus”.[4]

Concluindo

Os princípios que estudamos hoje são próprios do cristianismo bíblico, que ao serem postos em prática, produzem uma diferença impar na vida cristã.

Quero concluir com o que disse Stanley Jones: Há três níveis na vida: O nível mais baixo... onde pagamos o bem com o mal e o amor com o ódio, o nível acima deste, nível legal, onde pagamos o bem com o bem, o mal com o mal e, o nível superior, nível cristão, no qual pagamos o mal com o bem, o ódio como o amor. A pergunta para reflexão é: Em que nível de vida estamos?

Pr. Walter Almeida Jr.
CBL Limeira – 24/05/14





[1] Daqui até o primeiro paragrafo do terceiro ponto, segue um resumo e adaptação livre do livro de John Stott, A Mensagem do Sermão do Monte, Ed. ABU, São Paulo, SP, 2ª edição, 1997, preparado pelo Pr. Éber Lenz Cesar, para Escolas Dominicais, 2001, com algumas adaptações minhas.
[2] Silva, Pr. Antonio Francisco da. O Sermão do Monte, Lição 9, Editora Cristã Evangélica, p. 44.
[3] Ibid., p. 44.
[4] Ibid., p. 45.

Boletim CBL Limeira - Nº 57 - 25/05/2014

domingo, 11 de maio de 2014

A Justiça do Cristão (2)

Mateus 5.21-30
Agindo e Evitando Corretamente

No estudo anterior, vimos Jesus dizendo que não veio para “revogar a Lei e os profetas”, mas “para cumpri-los”. E de fato ele o fez dando-lhes a profundidade e o sentido originalmente pretendidos por Deus e obedecendo-os.

Hoje, vamos ver dois exemplos que ele citou sobre a profundidade e sentido original da Lei de Deus e como evitar cair diante da tentação e pecar.

1. “Não matarás...” Não partas para a violência! (vv.21-26) [1]

No contexto bíblico mais amplo, entende-se que o que Deus proíbe com esse mandamento não é a supressão da vida humana em qualquer circunstância (defesa própria, guerras, etc.), mas, sim, o homicídio. Mas, esta questão é polêmica, e foge ao propósito desta lição, que é tão somente comparar o ensino dos escribas com o de Jesus.

Os escribas, que eram os mestres judaicos, restringiam o mandamento ao ato de matar em si. Jesus ensinava que o que a Lei proíbe aqui não é só o assassinato, mas também a raiva e toda e qualquer violência verbal ou física. A versão da BLH diz: “Qualquer um que ficar com raiva do seu irmão... Quem disser ao seu irmão: Você não vale nada... Quem chamar o seu irmão de idiota...”. Raiva e palavras insidiosas geralmente não acabam em homicídio. Entretanto, diante de Deus, são equivalentes ao homicídio. “Quem odeia a seu irmão é assassino...” (1Jo 3.15.). Raiva e os insultos são sintomas do desejo de acabar com a outra pessoa. Alguns chegam a dizer: “Gostaria que ele morresse!” No coração, já matou!

Em seguida, Jesus acrescenta duas aplicações práticas deste princípio: 1ª) Faça as pazes, antes do culto! (vv.23-24); e 2ª) Pague a dívida, antes da prisão! (vv.25-26).

Essas figuras são diferentes. O cenário da primeira é uma igreja; o da segunda é um tribunal; a primeira supõe uma situação de ressentimento entre dois irmãos em Cristo; a segunda descreve uma situação de endividamento entre duas pessoas inimizadas. Mas, em ambos os casos, a situação básica é a mesma (um tem ressentimento contra o outro) e a lição básica é também a mesma (há necessidade de ação conciliatória imediata). Portanto: Não fique com raiva, não insulte, não deseje a morte do outro. Peca-lhe perdão! Faça as pazes! Pague a sua dívida! Busque a conciliação! Faça isto o mais depressa que puder! É o melhor!

2. “Não adulterarás!” Se está difícil, nem olhe! (vv.27-30)

Jesus passa do sexto para o sétimo mandamento. Novamente os mestres judaicos estavam tentando limitar o alcance do mandamento original. Ensinavam que o adultério mesmo só ocorre mediante a prática do ato sexual. Jesus, porém, explicou que o mandamento é muito mais amplo, ou seja, inclui o olhar cobiçoso ou concupiscente e a imaginação impura ou fantasia. Observações:

a.    Não há aqui a mais leve sugestão de que as relações sexuais dentro do casamento não sejam algo lindo que Deus nos deu e abençoa. Leia Gn 4.1; 25.21; 1Sm 1.10, 11, 19, 20. Veja também 1Co 7.3-5.

b.   Os ensinamentos de Jesus nesta passagem referem-se ao sexo ilícito, fora do casamento, praticado por pessoas casadas ou solteiras; homens e mulheres.

c.    Jesus não proíbe os homens de olharem para as mulheres, nem as mulheres de olharem para os homens, mas, sim, de fazerem-no com intenção impura. Sabemos da diferença que há entre olhar e cobiçar; entre olhar, achar bonita, simpática, agradável, e olhar, achar sensual, atraente, cobiçar... e ficar a imaginar...

d.   Jesus relacionou os olhos com o coração. O adultério começa nos olhos e vai parar no coração. Se as circunstâncias o favorecerem, vai parar na cama...

Isso é tão grave e de consequências tão danosas, que Jesus acrescentou: vv.29, 30. Parece drástico, radical demais. Mas é só uma figura de linguagem. O significado é simples. “Se o seu olho o faz pecar, não olhe!” (Corte o mal pela raiz, onde ele começa!). “Se a sua mão o faz pecar, não faça!” (Corte esse mal pela raiz também!). Poderíamos acrescentar: “Se o seu pé... não vá!” Os cristãos, às vezes, expõem-se demasiadamente e deliberadamente às tentações e ao pecado olhando e tornando a olhar as pessoas do sexo oposto que se exibem nas ruas, nas praias, nas revistas, no cinema, na televisão, na Internet. Veja Jó 31.1, 2, 9-12.

Concluindo

Vamos concluir esta parte do nosso estudo acrescentando apenas que a tentação não é pecado. Todavia, a diferença é sutil e, às vezes, enganosa. A tentação é uma expressão da nossa tendência nata para o pecado, que é explorada por Satanás, o Tentador, e aguçada por toda essa maldade, violência e imoralidade que nos cerca. Apesar disso, permanecem os mandamentos, com a profundidade que lhes atribuiu o Senhor Jesus: “Não matarás... Não adulterarás... nem em pensamento!”

É difícil, mas não é impossível. Deus prometeu que não permitiria que fôssemos tentados além das nossas forças (1Co 10.13). E o autor da epístola aos Hebreus escreveu: “... temos Jesus, o Filho de Deus... que foi tentado do mesmo modo que nós, mas não pecou. Por isso, tenhamos confiança e cheguemos perto do trono divino, onde está a graça de Deus. Ali receberemos misericórdia e encontraremos graça sempre que precisarmos de ajuda” (Hb 4.14-16). Chegamos perto do “trono da graça” voltando os olhos para as páginas das Escrituras e, depois, fechando-os para orar...



[1] A partir daqui, segue um resumo e adaptação livre do livro de John Stott, A Mensagem do Sermão do Monte, Ed. ABU, São Paulo, SP, 2ª edição, 1997, preparado pelo Pr. Éber Lenz Cesar, para Escolas Dominicais, 2001.